O governador afastado do Tocantins, Wanderley Barbosa (Republicanos), e a primeira-dama, Karynne Sotero, fizeram uma 'limpa', segundo a Polícia Federal, na casa da sogra do mandatário após terem sido alvo de busca e apreensão no dia 3 de setembro, no âmbito da segunda fase da Operação Fames-19 - investigação sobre supostos desvios de recursos destinados à compra de cestas básicas durante a pandemia da Covid-19.
Por essa conduta, o casal foi alvo de uma nova ofensiva da Polícia Federal nesta quarta, 12, no âmbito da Operação Nêmesis, que investiga tentativa de obstrução de justiça e destruição de provas durante as diligências realizadas em setembro, na segunda fase da Operação Fames-19.
Na ocasião, Barbosa e Karynne foram intimados a depor na Superintendência Regional da Polícia Federal no Tocantins às 14h, mas não compareceram à sabatina. Segundo as investigações, o casal preferiu se deslocar até a casa da sogra do governador, Joana Darc Sotero Campos, quando uma denúncia anônima relatou 'intensa' movimentação de veículos e retirada relâmpago de mochilas e caixas do imóvel.
"Por estas razões, a autoridade policial apresentou novo pedido de busca e apreensão, desta vez contra novos alvos, identificados a partir da diligência in loco, instruindo seu requerimento com os elementos de convicção supervenientemente identificados", justificou a PF em relatório ao Superior Tribunal de Justiça no qual pediu autorização para a Operação Nêmesis (deusa da vingança, segundo a mitologia grega), deflagrada nesta quarta.
A defesa de Wanderley Barbosa afirma que "recebeu com estranheza mais uma operação da Polícia Federal no momento em que aumenta a expectativa pelo julgamento do habeas corpus que pode devolvê-lo ao cargo".
Os mandados de busca e apreensão da Nêmesis foram assinados pelo ministro Mauro Campbell, do STJ. Os endereços inspecionados pela PF ficam em Palmas e Santa Tereza do Tocantins.
Depressa, governador
Os federais veem fortes indícios de que na residência de Joana Darc - também alvo de novas diligências nesta quarta - o governador Wanderley estava "orientando e coordenando" a remoção de caixas, malas e mochilas do interior da casa.
Após recebimento da queixa anônima, indicando a correria na casa da sogra, a equipe policial que fazia as buscas se deslocou para confirmar a veracidade da denúncia.
"Em vista do relato foi determinada pela Coordenação da Operação Policial que cumpria os mandados de busca e apreensão a realização de diligência confirmatória, tendo sido deslocado para o local, inicialmente, duas equipes policiais compostas por três agentes de polícia federal que reportaram a presença de diversos veículos oficiais e de pessoas que, momentos antes, foram alvos de busca e apreensão. Outrossim, foi observada intensa movimentação de caixas, malas e mochilas sendo removidas da referida residência, bem como do interior dos variados veículos que se encontravam estacionados na frente e nas proximidades do imóvel", detalha a PF no documento, ao qual o Estadão teve acesso.
A equipe de federais, incumbida de frear a suposta movimentação atípica no entorno de Wanderley Barbosa, preferiu não agir por "questões de segurança", segundo o relatório.
Na avaliação dos investigadores, o numeroso aparato de policiais militares à paisana, possivelmente integrantes da Casa Militar, da segurança pessoal do governador Wanderley Barbosa, e até da Inteligência da Polícia Militar do Tocantins, não permitiria uma abordagem segura na ocasião.
"Os policiais federais que se encontravam em campo decidiram não realizar a abordagem, optando por realizar o acompanhamento dos veículos após o embarque, visando localizar o destino de tais objetos", diz o documento.
No entanto, os federais não conseguiram seguir os carros carregados de caixas e mochilas, "em razão da adoção de manobras evasivas e da dispersão realizada pelos veículos", relatou a PF ao ministro Mauro Campbell.
Bengala
"Ao consultar em sistema a propriedade das placas dos veículos identificados, foi possível constatar que se tratava de veículos alugados pelo Estado do Tocantins. Com o escopo de identificar a localização e a destinação de cada um deles, após ser oficiada, a empresa salientou que os veículos não possuem rastreador, visto que não houve a liberação para instalação dos equipamentos por parte da contratante. Com relação aos veículos de placa RMC-9A56 e RMC-9B65, os sistemas apresentaram falha na transmissão, encontrando-se inoperantes no momento", explicam os investigadores.
Para a PF, é certo que Wanderley Barbosa estava na casa da sogra para liderar a remoção das malas por três aspectos principais. "As imagens registradas indicam o transporte de uma bengala ou muleta idêntica à usada pelo governador naquele período; testemunhas e câmeras mostraram pessoas se dirigindo repetidas vezes ao banco traseiro de uma Toyota SW4, para cumprimentar e conversar com quem estava no interior do veículo; e o próprio Barbosa publicou, nas redes sociais, vídeos dentro de um carro com as mesmas características, no mesmo dia e na mesma posição observada pelos agentes federais", aponta a investigação.
Programa em família
"De maneira curiosa, outros proprietários formais de diversos veículos e imóveis concretamente utilizados pela família do governador foram observados no momento do esvaziamento do imóvel, supostamente pertencente à sogra do governador", segue o relatório.Um dos identificados foi Mauro Henrique da Silva Xavier, proprietário formal do veículo RAM/Rampage, que estava no local. Segundo a PF, o carro é utilizado por Rerison Antônio Castro Leite, filho do governador.
Ao analisar as imagens e o trajeto dos investigados, os federais constataram que, no dia do cumprimento dos mandados de busca e apreensão, Rerison saiu de casa às 0h43 e retornou às 2h02. Na manhã de 3 de setembro, voltou a sair às 7h03, em direção ao condomínio onde mora o irmão, Yhgor Leonardo. De lá, os dois seguiram até a casa do pai e, em seguida, foram para o imóvel da sogra do governador, onde a família se ocupava de esvaziar a residência.
Segundo a PF, o fato de Mauro Henrique ser o proprietário da caminhonete usada por Rerison indica "possível lavagem de capitais por dissimulação".
Mauro também aparece como dono da chácara de Wanderley Barbosa em Campo Alegre, distrito de Paranã, que foi alvo de busca e apreensão no mesmo dia.
O imóvel, conforme o relatório, estava decorado com objetos pessoais do casal.
Durante a operação, os investigadores observaram que Mauro Henrique acompanhava e auxiliava no transporte de caixas, bolsas, malas e mochilas, além de manter contato direto com o governador, o que, para a PF, demonstra "relação de confiança" entre os dois.
Outro nome que chamou atenção foi o de Antoniel Pereira do Nascimento, proprietário de um veículo estacionado nas proximidades da casa da sogra do governador. Embora não tenha sido visto no local, ele é servidor público de Palmas, cedido à Secretaria Executiva do Governador, e possui vários veículos importados "em situação incompatível com seus rendimentos declarados", aponta a PF.
Os federais também investigam a possível presença de Marcos Martins Camilo, ex-chefe de Gabinete de Wanderley Barbosa. As imagens não foram conclusivas, mas um Toyota Corolla preto, veículo que ele costuma usar, foi identificado na região.
Os investigadores lembram que, em fases anteriores da Operação Fames-19, Marcos foi flagrado movimentando dinheiro em espécie, pagando boletos de interesse do governador e administrando contas pessoais de Wanderley.
A presença de um veículo Honda Civic também chamou atenção dos federais. O carro pertence a Yasmin Sotero Lustosa, filha da primeira-dama Karynne Sotero com o empresário Paulo César Lustosa Limeira, apontado como lobista do esquema de compras superfaturadas de cestas básicas para o governo do Tocantins (gestão Wanderley). Karynne e Lustosa são investigados em outros inquéritos.
Para a PF, Yasmin teria ciência das ações e pode ter ajudado no transporte e na ocultação de materiais relevantes à investigação.
COM A PALAVRA, A DEFESA DO GOVERNADOR
"O governador Wanderlei Barbosa recebeu com estranheza mais uma operação da Polícia Federal no momento em que aumenta a expectativa pelo julgamento do Habeas Corpus que pode devolvê-lo ao cargo.
Ao mesmo tempo, reitera a sua disponibilidade para colaborar com as investigações e mantém a sua confiança na justiça e nas instituições."
COM A PALAVRA, OUTROS CITADOS
A reportagem do Estadão busca contato com as defesas de todos os citados na investigação. O espaço está aberto para manifestação.
Malas e caixas: governador fez 'rapa' na casa da sogra para ocultar provas, diz PF
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