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'Ajuste político' ampliou em cinco vezes área de pavimentação paga com emendas no Ceará, diz PF

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A Polícia Federal revela como um 'ajuste político' em contratos do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) no Ceará esticou artificialmente em até quase cinco vezes a pavimentação de áreas públicas via emendas do deputado Robério Monteiro (PDT-CE), investigado na Operação Fake Road. O inquérito da PF aponta que 'manipulações' e 'cruzamento de demandas' transformaram uma previsão de revestimento de 80 mil metros quadrados em outra de 376 mil metros quadrados.

Segundo a PF, o esquema teria sido financiado por emendas patrocinadas por Robério. A reportagem do Estadão pediu manifestação do parlamentar. O espaço está aberto.

Ao autorizar a deflagração da Operação Fake Road, no último 28 de novembro, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, anotou que 'o próprio DNOCS salientou o acréscimo de serviços aos já programados contratos de pavimentação no Ceará, aludindo e atribuindo parcela dos recursos destinados ao parlamentar referido'.

"Conforme delineado pela CGU (Controladoria-Geral da União), a avaliação criteriosa dos dados e informações que se referem à execução dos dois contratos analisados foi capaz de aferir o valor de superfaturamento/prejuízo na ordem R$ 6.845.360,17", frisa Dino.

As obras foram contratadas para os municípios de Itarema e Acaraú, no litoral cearense, reduto eleitoral de Robério. O deputado já foi prefeito de Itarema. Nas eleições de 2024, elegeu o filho, Robério (PSB), para comandar o município. O novo prefeito substituiu o tio, Elizeu, que ocupava o cargo. Já a mulher do parlamentar, Ana Flávia Monteiro (PSB), venceu a disputa em Acaraú.

"Os elementos coligidos indicam que as manobras de realocação de quantitativos entre os lotes da licitação decorreram de interesse no atendimento de demandas parlamentares específicas, que redundaram na 'solução' apresentada pelo DNOCS", assinala Dino.

O Estadão pediu manifestação do DNOCS e busca contato com a Construmaster Construções e Locação de Máquinas Ltda, contratada para a pavimentação sob suspeita. O espaço está aberto.

'Equalização'

A decisão do ministro afirma que os recursos previstos para um dos contratos não mantinham vinculação com emendas parlamentares - "ao menos de maneira formal e documentada nas notas de empenho", destaca o ministro.

Segundo ele, a formalização do uso de emendas só ocorreu no fim de 2023, quando foi registrado o empenho de valores superiores a R$ 8,5 milhões para financiar uma das obras.

Dino afirma que houve "uma equalização entre os dois contratos, com a finalidade de atender à demanda do parlamentar em referência". Ele assinala que antes da formalização, o deputado já anunciava o início das obras de um contrato que, "teoricamente, não contou com nenhum aporte de emenda parlamentar".

"Portanto, identifica-se que o ajuste político realizado se deu independentemente da efetiva origem dos recursos ou de efetiva previsão contratual expressa e clara quanto ao uso desses recursos", crava o ministro.

Para Dino, "o aparente 'cruzamento' de demandas financeiras e de serviços escancara a forma pouco clara e transparente pela qual são destinadas e utilizadas as emendas parlamentares."

A investigação, baseada nas análises da CGU, aponta que, além do cruzamento de demandas, houve "manipulação documental da destinação de recursos, que expõem aspectos inclinadamente espúrios na construção contratual realizada pelo DNOCS."

"Para atender a uma demanda de R$ 8,5 milhões do parlamentar, o DNOCS ampliou o objeto de contratação para o Estado do Ceará a partir do contrato nº 82/2023 (que previu quase o dobro desse valor em obras), o que, na prática, demonstra que não havia qualquer controle quanto ao que seria executado em cada contrato (afinal de contas, a empresa contratada era a mesma)", anota Dino.

'Solução' DNOCS

Crítico da suposta falta de transparência das emendas, Dino afirma que o projeto bancado com os recursos parlamentares foi "deslocado de qualquer planejamento, além de ter se configurado como escolha antieconômica."

"Ao 'aproveitar' o quantitativo licitado para o lote do Estado da Bahia, o DNOCS consolidou a prática de um valor maior que o previsto para a execução de serviços no Estado do Ceará. Considerando que os preços de referência das obras na Bahia eram maiores que no Ceará, a 'escolha' gerou um prejuízo ao erário de R$ 491.812,75, conforme anotado pela CGU", pontua a decisão.

"Além disso, a 'escolha' redundou em evidente direcionamento de recursos sem o adequado planejamento. A licitação originariamente previu uma área de pavimentação de 80 mil m² para o estado do Ceará; todavia, a partir das manobras identificadas, o total contratado atingiu 376.272,74 m² - o que corresponde a um aumento de 4,7 vezes em relação à estimativa inicial", conclui Dino sobre as obras.

A escolhida

De acordo com a investigação, a empresa responsável pelas obras, a Construmaster Construções e Locação de Máquinas Ltda, "apresentou aferições com indicativos de fraude, que buscavam anuviar a inexecução ou a execução parcial/deficitária de serviços englobados pelos contratos."

Nos dois contratos, a Construmaster se comprometeu a entregar toda a pavimentação por meio do Tratamento Superficial Duplo - técnica que cria uma camada resistente e impermeável no terreno. Após vistoria in loco, os fiscais constataram que a empresa não cumpriu o que havia prometido e ainda "atestou ficticiamente a realização de serviços, fraudando as medições apresentadas."

A avaliação da CGU identificou diversas falhas na verificação dos materiais usados pela empresa. Os auditores concluíram que o insumo aplicado na obra não correspondia ao previsto na planilha orçamentária que embasou a contratação.

Segundo a CGU, houve "incompatibilidade" entre o material utilizado e aquele especificado no cálculo de custos aprovado para o serviço. O DNOCS, segundo a investigação, não identificou essa divergência, o que permitiu o superfaturamento dos contratos, já que o insumo empregado pela Construmaster tinha valor muito inferior ao previsto no orçamento oficial.

"Ao que tudo indica, as fraudes executadas em ambos os contratos foram inteiramente orquestradas, justamente almejando angariar lucratividade espúria a partir da fraude contratual", salienta a decisão do ministro, amparado no inquérito da Polícia Federal na análise da CGU.

Responsáveis

"Como se não bastasse, todas as 'falhas' de fiscalização reportadas reforçam a potencialidade de que toda a malversação do contrato tenha contado com o aval de agentes públicos", assegurou Dino.

O ministro considerou a necessidade de 'depuração da responsabilidade dos membros da comissão de fiscalização do DNOCS'.

"No que tange à autoria do crime sob análise, as suspeitas recaem sobre os responsáveis pela formalização dos contratos em análise, bem como sobre os agentes públicos responsáveis pela fiscalização dos contratos analisados", conclui o ministro.

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