Continue lendo o artigo abaixo...
Após mais de um ano de pressão bolsonarista e sob protesto da esquerda, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que reduz as penas de envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro e que pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A proposta agora vai tramitar no Senado.
A aprovação do chamado projeto de lei da Dosimetria se deu por um placar de 291 a 148 na madrugada desta quarta-feira, 10. O resultado foi proclamado às 2h27.
O texto "concede anistia aos participantes das manifestações reivindicatórias de motivação política" ocorridas entre 30 de outubro de 2022 e a data de entrada em vigor a lei.
O prazo extenso compreende desde os acampamentos golpistas erguidos a partir da derrota eleitoral de Bolsonaro e a insurreição que culminou nos ataques aos prédios dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Isto é, a anistia beneficia toda a cúpula que virou ré no STF no julgamento da trama golpista, incluindo generais e ex-ministros do governo Bolsonaro, e os bolsonaristas que acamparam em frente ao QG do Exército e participaram dos ataques na Praça dos Três Poderes.
O relator do PL da Dosimetria na Câmara dos Deputados, Paulinho da Força (Solidariedade-SP) afirmou que o projeto de redução de penas está restrito aos condenados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro. A declaração ocorreu durante votação da proposta no plenário, na madrugada desta quarta-feira.
"Esse texto foi organizado por uma série de juristas, dos mais importantes do Brasil", disse o relator. "Quero deixar claro que trata apenas do 8 de Janeiro. Não tem nenhuma possibilidade de esse texto beneficiar crime comum."
O projeto pode reduzir as penas de Bolsonaro de 27 anos e três meses de prisão para 20 anos, segundo anunciou o relator. Assim, o tempo em regime fechado cairia de seis anos e dez meses para dois anos e quatro meses; a partir disso ele poderia progredir para um regime menos restrito.
"Na minha conta, nesse projeto que vamos votar hoje, reduz uma parte lá em cima, então, na medida que você junta penas, reduz (a pena total) para 20 anos e sete ou oito meses. Então, para ficar claro, o que eu reduzo não é de 27 anos para dois anos e quatro meses", afirmou Paulinho mais cedo.
O ex-presidente foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, e cumpre a pena desde 25 de novembro. O julgamento de outros réus ainda ocorre na Corte.
O projeto foi colocado em votação sob protestos da esquerda. A líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), afirmou que "colocar em pauta o tema da anistia é um ataque à nossa frágil democracia". Já o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), disse ser um "absurdo a votação acontecer na calada da noite".
"O senhor está botando para votar um tema de extrema importância às 23h38. Pelo menos tenham coragem de votar de dia, sob a luz do sol. Esta Câmara está abraçando o golpismo", discursou Lindbergh para Motta. Os governistas tentaram retirar o projeto de pauta, mas foram derrotados por 294 contra 146 votos pela manutenção.
A votação desta noite é uma vitória para o bolsonarismo. A anistia aos bolsonaristas envolvidos na série de eventos conhecida como trama golpista se tornou a maior obsessão da direita nos últimos anos, e chegou a ser colocada por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado autoexilado nos Estados Unidos, como condição para a retirada de sanções do governo Trump contra o Brasil.
Apesar de Bolsonaro, seus filhos e principais aliados terem passado os últimos meses defendendo intransigência numa anistia "ampla, geral e irrestrita", eles avaliam agora que o texto encontrado por Paulinho é a solução possível.
"Fui o maior crítico da estratégia de se aprovar uma redução de penas antes de uma anistia ampla, geral e irrestrita. Mas, neste momento, reconheço que não temos outra opção melhor. Se eu estivesse no Congresso, votaria favoravelmente e continuaria lutando pela anistia", publicou nesta terça o comunicador Paulo Figueiredo, braço-direito de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos.
A posição de Figueiredo está alinhada à das principais lideranças do bolsonarismo. Numa reunião fechada na sede do Partido Liberal mais cedo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ungido porta-voz do pai e candidato a sucedê-lo nas urnas, pediu empenho dos correligionários na aprovação da proposta.
Mais cedo, após visitar Bolsonaro na prisão, ele tinha afirmado que o tema angustiava o pai, uma vez que "o próprio presidente Bolsonaro ouviu do Hugo Motta (presidente da Câmara) e do Davi Alcolumbre (presidente do Senado) a promessa de pautar a anistia". Ele defendia pautar o texto de Paulinho de qualquer forma, para que o plenário decidisse.
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), disse que Bolsonaro orientou, da prisão, a bancada a votar a favor do projeto. Ele esteve presente na reunião com Flávio e as bancadas federais do partido.
"Não vamos desistir da anistia, mas neste momento é o degrau que nós temos para avançar, autorizado pelo presidente Bolsonaro, que está fazendo sacrifício próprio. Ele mesmo orientou através do porta-voz Flávio Bolsonaro para que nós votemos a redução das penas", disse Sóstenes a jornalistas depois da reunião. Ele repetiu a informação na sessão durante a madrugada.
A votação do projeto da Dosimetria atiçou os ânimos da esquerda. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a proposta "rompe com todo o processo de afirmação da democracia" e que "colocar a dosimetria em pauta é um erro histórico". Já o senador Humberto Costa (PT-PE) chamou a pauta de "vergonha que agride o País".
Tumulto
A tarde desta terça-feira foi marcada por tumulto e agressões na Câmara dos Deputados. O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) ocupou a cadeira do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), em protesto contra a possível cassação de seu mandato e ao projeto da Dosimetria.
"A anistia aos golpistas do 8 de Janeiro, já se especula que pode levar Jair Bolsonaro a ter a sua pena diminuída para dois anos (...) Eu vou ficar aqui calmamente, com toda a tranquilidade, exercendo o meu legítimo direito político de não aceitar como fato consumado uma anistia para um conjunto de golpistas, diminuição de pena para Bolsonaro de dois anos", afirmou Braga, antes de anunciar que ficaria sentado na cadeira.
O protesto virou confusão quando a Polícia Legislativa tirou Braga da Mesa Diretora à força. Tanto o deputado quanto colegas parlamentares e jornalistas acabaram machucados no empurra-empurra até o Salão Verde, do lado de fora do plenário. Aliados de Braga pressionaram pelo adiamento da sessão, mas Motta a manteve.
Seja o primeiro a comentar!