Diretor e economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa avalia que a inflação no Brasil está sob choque enorme e que a preocupação com a alta dos preços já está na vida dos brasileiros e das empresas. Em entrevista ao Estadão, Honorato detalha as razões do problema, mas prevê que o componente da alta do dólar, ligado ao risco fiscal, tende a perder força daqui para frente com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial aprovada na semana passada, que prevê também contrapartidas de cortes de gastos.O Brasil vive um cenário de conjuntura econômica muito difícil de aceleração da inflação e ao mesmo tempo desaceleração da atividade econômica. O que está acontecendo?
O que ocorre com a inflação é produto de três fatores. De um lado teve uma enorme alta dos preços das commodities, da ordem de 30% em dólares. Isso não tem nada a ver com o Brasil. Está relacionado ao ambiente internacional. O segundo choque tem a ver com o câmbio. A nossa moeda também se desvalorizou mais ou menos 35%, 40%, o que se somou a essa pressão das commodities, que em reais subiram cerca de 70% desde junho do ano passado. O terceiro fenômeno tem a ver com o quanto esse choque encontrou a economia do Brasil, em particular, e o setor de bens superaquecido.
Quais as razões desse superaquecimento?
Tivemos todas as transferências do auxílio emergencial. Houve uma migração do consumo de serviços para bens. A economia bem ou mal estava majoritariamente aberta, entre agosto e dezembro, no Brasil todo. O choque das commodities e do câmbio, então, encontrou espaço para repasse desde o ano passado. O que nós vimos foi uma enorme surpresa da inflação, que três quartos delas praticamente correspondem a alimentos, combustíveis e energia elétrica. São os grupos que levaram a inflação para cima. A piora dos núcleos foi só um quarto da explicação. Me parece que a inflação está sob um choque enorme.
E daqui para frente o que esperar com a taxa de câmbio alta?
O câmbio responde também a três outros fatores. O ambiente global do que está acontecendo com as treasuries (títulos do Tesouro dos EUA), o que ocorre com o dólar no mundo. Há uma depreciação de todas as moedas emergentes recentemente que soma a esse quadro. Mas tem duas explicações muito relevantes associadas à desvalorização do câmbio, relacionadas às incertezas sobre o regime fiscal e ao próprio diferencial de juros que o Brasil tem com o resto do mundo. Se estivéssemos falando há uma semana, eu estaria muito preocupado porque vimos todas as iniciativas para tentar romper com o regime fiscal. Felizmente essas tentativas não prosperaram. Teve desidratação da PEC (do auxílio emergencial), mas não prosperou.
O que esperar?
O componente do câmbio ligado ao risco fiscal tende a perder força daqui para frente. Vai ter certa estabilização do câmbio vindo dessa fonte. Se o câmbio se estabiliza, consegue dissipar esse choque na inflação. A economia vai ter queda do PIB. A economia piorou e o desemprego não vai ceder. Não há nenhuma pressão relevante de salários, não tem demanda para sancionar uma inflação persistente. O que precisa é que o choque inicial se dissipe e, para isso, depende que o câmbio pare de se desvalorizar. À medida que a PEC foi aprovada, esse choque inicial tende a se dissipar. E, aí, sobra o diferencial de juros, e o BC vai começar a subir a Selic (para diminuí-lo).
O que pode tirar do trilho a economia?
A pandemia é o fator de maior risco do cenário econômico. Eu suponho que esses lockdowns mais as vacinações vão ser eficazes para permitir uma redução da curva de mortalidade e das internações. Não agora. Estou falando em abril, maio. Se a pandemia se intensificar, for mais longa, pode levar a mais decisões de política econômica, estender mais apoio fiscal, o câmbio se desvaloriza mais, porque o País não cresce e tem um mau humor com o Brasil. Esse é o risco número um. O risco número dois, que acho é muito baixo a essa altura, é justamente o de uma mudança deliberada de política econômica.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
'Se câmbio se estabiliza, consegue dissipar esse choque de inflação'
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