Sob o pretexto de atender às exigências do programa de socorro federal, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou uma lei que na verdade burla as regras de contabilidade de gastos com pessoal e retoma a maquiagem que, no passado, já permitiu ao Estado driblar os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O texto aguarda sanção do governador do Rio, Cláudio Castro (PL).O projeto de lei foi subscrito por 24 deputados, entre eles André Ceciliano (PT), atual presidente da Alerj. Na exposição de motivos, os parlamentares do Estado deixam claro que o texto busca evitar que o Judiciário estoure o limite de gastos com pessoal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 6% da Receita Corrente Líquida (RCL), o que travaria a possibilidade de realizar qualquer aumento de salário ou benefício.
A proposta diz que os royalties de petróleo são receitas previdenciárias e, por isso, os gastos com aposentadorias e pensões bancadas com esse dinheiro podem ser descontados do cálculo das despesas de pessoal, com divisão proporcional a todos os poderes.
Na prática, órgãos que excedem seus gastos com salários e vantagens poderiam cumprir artificialmente os limites da legislação federal.
Segundo os próprios deputados, a despesa com pessoal do Judiciário estadual chegaria a 7,72% da Receita Corrente Líquida sem o projeto de lei, bem acima do limite de 6% previsto na LRF. Com o desconto das receitas obtidas com royalties, o porcentual cairia a 4,46%, "cumprindo" a LRF.
A manobra já era utilizada no passado pelos governos estaduais, incluindo o Rio de Janeiro, por meio da vinculação de receitas de royalties aos fundos previdenciários. No entanto, o Congresso Nacional fechou essa brecha por meio da Lei Complementar 178, que reformou o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para Estados em dificuldades e aprimorou a LRF para acabar de vez com a maquiagem na contabilidade dos governos regionais.
Para técnicos do governo federal, a lei aprovada pela Alerj representa uma afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Caso seja sancionada pelo governador Cláudio Castro, a maquiagem pode influenciar na decisão da União de homologar ou não o plano de recuperação fiscal do Rio de Janeiro. Recentemente, o Estado foi o primeiro pedir adesão ao novo RRF, o programa de socorro do governo federal. O prazo para a homologação é de até 180 dias após a adesão.
O Rio está em recuperação fiscal desde 2017 e, pela lei original, teria três anos de suspensão de dívidas e outros três anos de retomada gradual dos pagamentos à União. No entanto, o Estado ainda não conseguiu pôr as finanças em ordem e frustrou projeções de cortes em benefícios fiscais - pelo contrário, acabou aprovando nove incentivos novos desde o ingresso no socorro.
Neste ano, o Congresso Nacional reformulou as regras do regime de recuperação fiscal e ampliou sua duração para até nove anos, ao mesmo tempo em que suavizou a retomada dos pagamentos da dívida e endureceu a regra que exige corte nos benefícios fiscais (ao menos 20% nos três primeiros anos de vigência do plano).
Agora, o Rio pode se beneficiar do prazo maior do programa de socorro, mas para isso precisará seguir as normas contábeis editadas pelo órgão central de contabilidade da União - neste caso, o Tesouro Nacional.
Alívio ao Judiciário
As normas contábeis federais exigem que cada poder contabilize dentro do seu próprio limite de gasto com pessoal a despesa com aposentados e pensionistas. Isso nem sempre acontece nos Estados. É comum, por exemplo, que os benefícios pagos a inativos do Judiciário ou do Legislativo acabem sendo contabilizados dentro do limite do Executivo, que é bem maior, de 49% da Receita Corrente Líquida.
A manobra dá margem para que os demais poderes continuem reajustando salários, contratando novos servidores e concedendo novos benefícios, sem precisar observar as restrições impostas pela LRF a quem ultrapassa o limite de despesas com pessoal, que é de 6% para o Judiciário, 3% para Legislativo e Tribunal de Contas e 2% para Ministério Público, sempre em relação à RCL.
As restrições em caso de estouro incluem proibição a reajustes e impossibilidade de abrir novas vagas.
Na exposição de motivos do projeto, os deputados evidenciaram o risco da adoção da contabilidade cobrada pelo Tesouro Nacional para o Judiciário do Rio. O limite máximo pela LRF seria uma despesa com pessoal de R$ 3,6 bilhões para o Judiciário em 2021. Sem a proposta recém-aprovada, esse valor ficaria em R$ 4,6 bilhões (7,72% da Receita Corrente Líquida). Com o projeto, a cifra cairia a R$ 2,6 bilhões (4,46% da RCL).
Procurada, a Secretaria Estadual de Fazenda do Rio não se manifestou até a publicação da reportagem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Rio faz manobra para driblar o limite de gastos
Tipografia
- Pequenina Pequena Media Grande Gigante
- Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
- Modo de leitura