Bessie Smith: Sai biografia por uma feminista

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As histórias convencionais do blues até elogiam as primeiras gravações do gênero nos Estados Unidos, feitas por mulheres negras como Ma Rainey (1886-1939) e Bessie Smith (1894-1937), mas jogam um peso muito maior nos "bluesmen". Narram uma história masculina do blues, que se torna majoritária só a partir da segunda metade dos anos 1920. A poeta e romancista negra Jackie Kay, 61, nascida em Edimburgo e adotada por uma família branca, aprendeu com o pai adotivo a amar os blues de Bessie desde a adolescência. E sentiu que a luta de Bessie também era, em certa medida, a sua luta. Seu livro traz os versos dos blues no original e em traduções corretas para dar uma ideia mais clara aos leitores da força dessas canções para além de uma música visceral, cantada por uma voz poderosa, áspera, quase gritada - cacoete de quem se submetia ao precário maquinário de gravação naquele momento histórico.

Não dá para falar de Bessie Smith, por exemplo, como mera antecessora. Com seus quase 200 blues gravados desde 1923, ela não ganhou à toa a coroa de "Imperatriz do Blues". Mais: Bessie não apenas cantava composições de terceiros. Compôs um terço dos blues que gravou ao longo de sua carreira. Curta, por sinal. A menina negra, pobre, nascida em Chattanooga, no Tennessee, foi discriminada mesmo nos círculos de vaudeville negros porque sua pele era escura demais. Mesmo assim, saboreou sua glória até o crack da Bolsa de Nova York em 1929. A ascensão dos bluesmen jogou-a - a ela e às demais blueswomen - a patamares mais baixos de vendagem de bolachões e de cachês. Começou vendendo 780 mil cópias em três meses de Downhearted Blues, e iniciou a década de 1930, já na Depressão, vendendo 400 cópias, se tanto.

O tema principal de seus blues é o amor... e a falta de amor. Jackie alerta que "um número considerável de suas canções era sobre problemas sociais, crime e punição, pobreza e doença, trabalho e morte" Vários destes blues estão ausentes das antologias modernas de seus blues. Como, por exemplo, no tragicômico Send me to the Electric Chair: a mulher pede ao juiz que ouça seu apelo, mas não quer simpatia porque cortou a garganta de seu homem. "Ela realmente quer ser mandada para a cadeira elétrica". Os versos são diretos: "Eu matei meu homem, quero colher o que plantei/Juiz, juiz, ouça seu juiz, me mande para a cadeira elétrica". Toda vez que ela canta "Judge, Judge" o trombone de Charlie Green faz um glissando gaiato. Jackie imagina "as mulheres ouvindo isso em 1927 e rachando o bico de tanto rir".

DISCRIMINADA. Bessie jamais se vitimizou. Aqui Jackie mostra que leu Blues Legacy and Black Feminism, livro escrito pela feminista negra Angela Davis, 79 anos, a partir de curso ministrado na Universidade da Califórnia. Além de enfatizar o lado duro, duríssimo, da vida de Bessie - apanhava do marido, que lhe roubou tudo que ganhou na vida --, Jackie a retrata como uma feminista intuitiva. Aí entra a tese de Angela Davis: cantoras como Ma Rainey, Bessie Smith e Billie Holiday são guerreiras discriminadas não só por lutarem pelos direitos dos negros, mas também de gênero (Bessie era abertamente bissexual) e postura ideológica.

Bessie morreu em 26 de setembro de 1937 num acidente de carro a caminho de sua cidade natal. Espalhou-se a fake news de que não tinha sido levada a tempo para um hospital próximo porque era negra. Horas depois, morreu no Hospital Afroamericano. Seu biógrafo Chris Albertson resgatou a verdade em 1971. Não houve preconceito racial, ao menos naquele momento trágico. Jackie acusa a elite negra do Harlem de ter se omitido. Cita Ethel Walters, Duke Ellington, Louis Armstrong. Nenhum deles compareceu. Bessie deixou uma grana para a lápide, mas seu ex-maridão fugiu com o dinheiro.

INDIGENTE. A Imperatriz do Blues permaneceu enterrada como indigente por 33 anos. Jackie se pergunta: "Qual o significado de uma sepultura não identificada? As covas de pessoas pobres, negras e brancas, não recebem placas na terra dos bravos, lar da liberdade. As covas dos escravizados não eram identificadas. É como morrer sem um nome. É como ser ninguém".

Quando a Columbia lançou a obra completa de Bessie em cinco álbuns duplos, em 1970, o jornal Philadelphia Inquirer iniciou uma campanha de arrecadação sugerida em carta por uma leitora "dona de casa negra". Bastaram duas doadoras: Juanita Green, que fora faxineira de Bessie, e Janis Joplin.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Ney Latorraca morreu nesta quinta-feira aos 80 anos, deixando viúvo o ator, escritor e diretor Edi Botelho, com quem mantinha um relacionamento desde 1995. Ney e Edi mantiveram o relacionamento fora dos holofotes, mas, em 2022, o ator concedeu entrevista ao jornal O Globo e falou em público pela primeira vez sobre o companheiro: "Vivo com uma pessoa maravilhosa, um grande companheiro, amigo e bom ator que é o Edi Botelho".

Os dois dividiram o palco em pelo menos cinco produções. A primeira vez foi em Quartet, de 1996, uma peça experimental de Heiner Müller, com direção de Gerald Thomas, na qual Ney e Edi interpretaram diversos personagens em um cenário de açougue, com elementos viscerais como sangue, facas e carne.

Em 1999, eles novamente dividiram palco no espetáculo O Martelo, de Renato Modesto, com direção de Aderbal Freire Filho, no qual Ney contracenou com Bárbara Bruno Goulart, enquanto Edi atuou como parte do elenco.

Em Três Vezes Teatro, de 2000, Ney foi dirigido pelo companheiro. A montagem reunia três peças curtas de autores clássicos (Tchekhov, Pirandello e Cocteau), dando a Ney a oportunidade de revisitar grandes autores.

O casal esteve no palco novamente em 2020, no espetáculo Capitanias Hereditárias, comédia de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, dirigida por Falabella. No palco, estavam ainda José Wilker, Natália do Vale e Bia Nunnes.

Os dois subiram ao palco juntos novamente com Entredentes, escrita por Gerald Thomas especialmente para Ney.

Antes do relacionamento com Edi, Ney foi casado com a atriz Inês Galvão por quatro anos.

Família de Ney Latorraca

Ney nasceu em Santos, no litoral paulista, em uma família de artistas. Seus pais o influenciaram fortemente a sua paixão pela atuação.

Nena, a mãe, foi uma figura emblemática na vida de Ney. Trabalhou em cassinos como dançarina e assistente de palco em shows, dividindo espaço com nomes como Grande Otelo. Ela foi a grande incentivadora, apoiando o filho em busca de uma carreira artística. Herdou da mãe muito do seu humor.

Já o pai, Alfredo, era um crooner de estilo intimista. O seu temperamento forte e a sua sinceridade eram características que Ney reconhecia em si. "Meu pai tinha um gênio terrível, não fazia média com ninguém, achava tudo muito chato, um horror, e era de uma sinceridade quase ferina. (...) Durante muitos anos falei mal dele, mas hoje não falo mais. Muita coisa dele está em mim", deixou registrado no livro Ney Latorraca: Uma celebração, publicado pela Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

A mãe morreu em 1994. Foi no amigo Marco Nanini que Ney buscou refúgio. Os dois já tinham feito enorme sucesso com O Mistério de Irma Vap. Com a morte da mãe, Nanini propôs a montagem de O Médico e o Monstro como forma de manter o amigo ativo e conectado à vida.

Ney Latorraca, que morreu nesta quinta-feira, 26, aos 80 anos, marcou a história da dramaturgia. Entre seus papéis grandiosos está o personagem Conde Vlad, o "vampirão" da novela de sucesso Vamp, que foi ao ar em 1991, na Globo.

A trama foi para o teatro. O espetáculo Vamp: O Musical estreou em 2017 em comemoração aos 26 anos da novela e manteve diversos aspectos da produção original, contando também com Claudia Ohana, que interpretou a icônica Natasha, protagonista da história. A direção continuou a cargo de Jorge Fernando, mesmo diretor da novela - que faleceu em 2019.

O espetáculo contava a vida de Natasha, uma cantora que vende a alma para Conde Vlad em troca do sucesso na carreira. Ele, apaixonado por sua presa, faria de tudo para conquistá-la. Com o passar do tempo, ela tentava se livrar de Vlad e da maldição de ser vampira para sempre.

"É como condensar sete meses de novela em pouco mais de duas horas", resumiu Latorraca ao Estadão na época. "Vlad é um dos meus grandes personagens e acho que o segredo de seu sucesso está na opção que fiz de não criar um galã, mas um vampiro sedutor e principalmente engraçado."

'Virei dono do meu personagem'

Em 2021, Ney Latorraca revelou curiosidades do personagem Vlad em Vamp: "Virei dono do meu personagem, fazia o que eu queria em cena", contou ele em entrevista ao portal Na Telinha. Anárquica, a trama permitia ao veterano deitar e rolar na pele do personagem, disposto a tudo para possuir Natasha (Cláudia Ohana).

Tanta liberdade em cena resultou em um puxão de orelha nos bastidores, como ele contou à publicação. "Chegou um momento em que queriam que eu diminuísse na interpretação. Falei que, se fosse assim, preferia sair da novela, isso lá pelo quarto mês de exibição. Fiquei uns dias sem gravar, mas me chamaram correndo de volta", relembrou.

A novela fez um enorme sucesso e ganhou uma espécie de continuação em O Beijo do Vampiro, que foi ao ar em 2002. Na trama, Tarcísio Meira (1935 - 2021) ficou a cargo do vilão chamado Bóris.

Ney Latorraca morreu nesta quinta-feira, 26. Ele tratava de um câncer e morreu de sepse em decorrência de uma infecção nos pulmões, no Rio de Janeiro. O ator deixou um testamento indicando que seus bens deveriam ser doados. Ele falou sobre isso em entrevistas recentes.

Em 2021, ao jornal Extra, ele revelou que a sua herança deveria ir para instituições de caridade. Na época, ele disse que esta seria também a vontade da mãe, que também era artista. "É um desejo da minha mãe também. Acho que é assim que tem que ser. O que eu ganhei com o teatro tem que voltar para essas causas. Essa é a missão do artista, pelo menos para mim", disse na entrevista.

O ator, que foi casado por quatro anos com a também atriz Inês Galvão, era casado desde 1995 com o escritor, diretor e ator Edi Botelho. Ney Latorraca não teve filhos em nenhuma das relações.

Ele já tinha falado sobre a questão da herança em outra entrevista, desta vez à revista Veja Rio - em 2020. Ney Latorraca disse que conquistou a segurança financeira graças a imóveis que tinha comprado ao longo da sua vida. "Eu já fui bem pobre e só comecei a ganhar dinheiro na década de 1980, com a peça Irma Vap", disse na ocasião.

Naquela entrevista o ator revelou que tinha quatro imóveis - a cobertura onde vivia, na Lagoa, na zona sul do Rio, e apartamentos na Rua Rainha Elisabeth, em Ipanema, outro no Jardim Botânico, também na zona sul carioca, e mais um em Higienópolis, na área central de São Paulo.

"Botei no meu testamento que vou doar os quatro. Um vai para a ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação); o outro para o Retiro dos Artistas. Os outros dois, um fica para o Grupo de Apoio às Crianças com AIDS, de Santos, e mais um para um grupo dedicado às vítimas de hanseníase. Está tudo no meu testamento. Fiz questão", revelou.

Ney Latorraca nasceu em Santos, no dia 27 de julho de 1944.