Visões de um mundo instável

Geral
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

O que de imediato chama a atenção nas pinturas do artista mineiro Alexandre Wagner, de 35 anos, expostas até dia 24 na Galeria Marília Razuk, é a fatura fluida de suas paisagens, o que justifica o título da mostra, Água Viva, escolhido pela curadora Kiki Mazzucchelli. Essa pintura rarefeita não é o único ponto em comum com a obra pictórica de Guignard, se consideradas as figuras do mestre mineiro apenas como pretextos para exercitar a própria pintura. No entanto, há na pintura de Alexandre Wagner uma atitude contemporânea de fragmentar a paisagem a ponto de tornar sem sentido a fronteira entre figuração e abstração. Enfim, uma pintura sem fidelidade ao modelo real. Suas telas são paisagens sintéticas construídas a partir de um embate cromático, não dependente da representação.

Também não se trata, ao contrário de Guignard, de construir uma "paisagem imaginária" ou representar uma miragem. Segundo o pintor, ele sempre encarou a paisagem "com a ideia de uma pintura líquida, entre o mostrar e o ocultar".

Também por isso abandonou uma prática sua, corriqueira até meados de 2018, o uso da fotografia como referência. As 30 pinturas da mostra, produzidas entre 2019 e este ano, foram construídas como a paisagem chinesa antiga - que é extremamente moderna, no sentido de não buscar correspondência com o real, reproduzindo os elementos da natureza de maneira livre e diversa de como eles se apresentam (a pintura, como defendem os pintores literatos chineses, não é uma janela para a realidade, mas sua transfiguração).

Alexandre Wagner não usa modelos reais ou apela para a memória afetiva, o que dá à pintura uma autonomia raras vezes vista. O pintor, que só usa tinta a óleo, não o faz por ser submisso à tradição, mas por uma questão técnica, a de imprimir uma transparência à pintura que facilite seu diálogo com o modelo chinês. Não se preocupa, enfim, com a semelhança da forma, mas com o espírito da imagem que emana e dá movimento ao mundo.

"O modo como a tinta é diluída e aplicada, as diferentes faturas e intensidades encontradas em um mesmo campo pictórico, a paleta cromática que joga com os contrastes entre luz e sombra; tudo isso atesta a importância dada pelo artista àquilo que diz respeito ao fazer da pintura, colocando em segundo plano um compromisso maior com o ilusionismo ou a representação", analisa a curadora Kiki Mazzucchelli.

Segundo ela, uma figura recorrente em muitas das pinturas da exposição é o círculo. Ele aparece, observa Mazzucchelli, "ora como um sol ora como uma lua no horizonte em trabalhos como Miragem (2019) e Cachalote (2019); outras vezes como misteriosas lanternas alaranjadas nos troncos de uma paisagem alagada em Lanternas (2019); e, ainda, em outros momentos, como pontos luminosos levemente deslocados do centro da composição que acarretam uma completa desestabilização do espaço pictórico".

Sobre sua pintura "líquida", Alexandre Wagner, que foi assistente do pintor Nuno Ramos por muitos anos, diz que ela levantaria uma dúvida que não existe nas telas de seu mestre neoexpressionista, de fatura matérica. "A pintura dele é afirmativa", define, reconhecendo em outros pintores de sua geração, como Marina Rheingantz, três anos mais velha, "traços decisivos" e uma "construção firme" que não identifica na própria pintura.

"Como as águas-vivas, o conjunto de obras apresentadas na exposição parece possuir uma morfologia cambiante; são pinturas em que a paisagem engendra o abismo do espaço e o abismo da imagem", define a curadora, que participa nesta sexta-feira, 16, às 17 horas, de uma live com o pintor no perfil da Galeria Marília Razuk no Instagram, diretamente da exposição.

Um dos pontos que certamente serão abordados nesse encontro é o approach não narrativo da pintura de Alexandre com a tradição figurativa. Apesar de formado olhando mestres como Bonnard e Vuillard, o antigo aluno de Artes da UFMG se interessa mais por questões como a ambígua construção pictórica de alguém como o pintor belga Luc Tuymans. Como se sabe, seus retratos, cobertos por uma camada de névoa, podem tanto evocar um processo de desintegração da memória como a impossibilidade de representar o real. Alexandre Wagner gosta dele porque o belga sugere mais do que mostra. Ele também. A diferença é que Tuymans caminha a passos largos para um mundo cada vez escuro e sinistro - os postes iluminados de um verde-amarelado refletido num canal holandês na tela Murky Water (2015), por exemplo.

Já a paisagem do brasileiro é exuberante, tropical, embora por vezes traga reminiscências do verde nostálgico dos filmes de Sokurov e Tarkovski. "O Rodrigo Andrade fala do aspecto líquido de Stalker, um mundo em que tudo é impermanente." E indefinido, misterioso como sua pintura.

SERVIÇO

ÁGUA VIVA/ALEXANDRE WAGNER

GALERIA MARÍLIA RAZUK (SALA 1)

RUA JERÔNIMO DA VEIGA, 131, TEL: 3079-0853 / WHATSAPP: 96082-3111. 2ª/6ª, 11H/18H; SÁB., 11H/16H. VISITAS MEDIANTE AGENDAMENTO POR TELEFONE OU E-MAIL. HOJE, ÀS 17H, LIVE COM O ARTISTA E A CURADORA. GRÁTIS. ATÉ 24/7.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em outra categoria

A série argentina O Eternauta acaba de chegar à Netflix e já tem conquistado os espectadores. Baseada na HQ homônima considerada uma das maiores obras da literatura argentina, ela tem uma história trágica por trás: seu criador, Héctor Oesterheld, foi morto pela ditadura na Argentina na década de 1970.

Nascido em Buenos Aires em 1919, Oesterheld é um dos principais nomes dos quadrinhos e da ficção cientifica na Argentina. Escreveu alguns romances e outras HQs, além de ter publicado em revistas de grande importância, mas O Eternauta é considerada a sua obra-prima.

A trama acompanha um grupo de sobreviventes de uma nevasca mortal que precisa lutar contra uma ameaça alienígena. Com Juan Salvo como protagonista, o quadrinho foi publicado entre 1957 e 1959 com ilustrações de Francisco Solano López, com uma versão mais politizada sendo lançada na década de 1970.

Oesterheld frequentemente dizia que o herói de O Eternauta era um "herói coletivo". No final dos anos 1960, ele também escreveu biografias em quadrinhos de Che Guevara e Evita Perón, importantes líderes de esquerda, em parceria com o cartunista Alberto Breccia.

Naquele período, o autor já era envolvido com os Montoneros, organização político-militar argentina de esquerda que tinha objetivo de resistir e derrubar a ditadura no país. As quatro filhas de Oesterheld, Estela, Diana, Beatriz e Marina, também estavam envolvidas com o grupo.

As Forças Armadas da Argentina, já vigiando a atividade de Oesterheld, começaram a fechar o cerco em sua família. A primeira desaparecida foi Beatriz, que tinha apenas 19 anos, em 1976. Meses depois, foi a vez de Diana, seguida de Marina, ambas grávidas na época. A última foi Estela, já no final de 1977.

Oesterheld desapareceu em abril daquele ano. Acredita-se que tenha sido fortemente torturado física e psicologicamente, sendo obrigado a ver fotos das filhas executadas, e que foi morto apenas em 1978. O seu corpo nunca foi encontrado. Das filhas, apenas Beatriz pôde ser velada.

A morte do autor e de seus familiares só foi reconhecida em 1985, com um julgamento histórico que resgatou a memória dos desaparecidos e revelou os horrores da ditadura na Argentina.

Não é surpresa que compositores como Wagner e Beethoven foram alguns dos favoritos de Hitler. No entanto, quando se escondeu no bunker no final da Segunda Guerra Mundial, o líder nazista levou consigo uma coleção de discos surpreendente, que inclui compositores e músicos russos, judeus e gays. Ele os ouviu até sua morte, em 30 de abril de 1945.

A descoberta foi publicada inicialmente na revista alemã Der Spiegel em 2007, quando Alexandra Besymenskaja, filha do general soviético Lew Besymenski, redescobriu o material. Seu pai fez parte da equipe responsável pela evacuação do bunker e, apaixonado por música, levou os discos consigo.

Mais tarde, a coleção foi estudada em detalhes por Fred Brouwers no livro Beethoven no Bunker. Entre as gravações, há Tchaikovski, que era russo e homossexual, Rachmaninov, e execuções do violinista polonês Bronislaw Huberman, de origem judaica e que se opôs ativamente ao nazismo.

Além disso, a seleção também continha gravações de jazz, operetas e outros estilos considerados "música degenerada" pelo 3º Reich. A maioria dos compositores, como Paul Abraham, foram perseguidos pelo nazismo.

Confira, abaixo, 5 composições que Hitler ouvia no bunker antes de morrer

- Adagio da "Sinfonia no. 7", de Anton Bruckner, com a Filarmônica de Berlim. Regida por Wilhelm Furtwängler, gravação de 1942.

- Sonata no. 24, em fá sustenido maior, op. 78, de Beethoven: Adagio cantabile - Allegro ma non troppo e Allegro vivace

- Concerto para Violino e Orquestra em ré maior opus 35, de Tchaikovsky, com Bronislaw Huberman (violino) e Orquestra da Ópera Estatal de Berlim

Regida por William Steinberg (1899-1978). Movimentos: Allegro moderato - Canzonetta.Andante - e Finale. Allegro vivacíssimo. Gravação de 28 de dezembro de 1928.

- Paul Abraham and his orchestra 1930: Good Night

E uma gravação moderna de um dos maiores sucessos de Abraham, "Bal in Savoy (Toujours l'amour)", com a soprano Angela Gheorghiu

O ator Robert de Niro, de 81 anos, fez uma declaração pública sobre sua relação com a filha Airyn, de 29, que recentemente se assumiu como uma mulher trans.

"Eu amava e apoiava Aaron como meu filho, e agora amo e apoio Airyn como minha filha. Não sei qual é o grande problema... Amo todos os meus filhos", disse ele em uma nota ao site Deadline na quarta, 30.

A declaração foi feita após a repercussão de uma entrevista de Airyn à revista Them, na qual ela falou sobre crescer sob os holofotes do vencedor do Oscar e o processo da transição de gênero.

Na ocasião, ela contou que decidiu iniciar o uso de hormônios em novembro de 2024 como parte do processo de transição. "Sempre fui muito feminina, mesmo antes de saber exatamente o que isso significava", disse.

Ela destacou que a transição também a aproximou de referências femininas negras que sempre admirou, como Laverne Cox, Marsha P. Johnson e Michaela Jaé Rodriguez. "A transição também me aproximou da minha negritude. Me sinto mais próxima dessas mulheres quando abraço essa nova identidade".

Airyn é filha de De Niro com a atriz e modelo Toukie Smith, de 72 anos. Embora nunca tenham se casado, eles mantiveram um relacionamento de quase dez anos entre as décadas de 1980 e 1990.