A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta terça-feira, 22, os questionamentos processuais apresentados pelas defesas dos denunciados do "núcleo de gerência" do plano de golpe.
Os argumentos e objeções são semelhantes aos já haviam sido analisados e rejeitados no mês passado no julgamento sobre o recebimento da denúncia contra o "núcleo crucial" do golpe. Na ocasião, em decisão unânime, a Primeira Turma instaurou um processo criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados.
Os ministros vão decidir agora se recebem a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e tornam réus os seis acusados da "gerência" do golpe. Para isso, é necessário avaliar se há elementos suficientes para iniciar um processo criminal - o que se chama no jargão jurídico de "justa causa da ação penal".
Antes de votar a admissibilidade das acusações, a Primeira Turma analisou as objeções preliminares levantadas pelas defesas. Com base em argumentos técnicos sobre supostos "vícios" formais no andamento da investigação, os advogados tentavam encerrar prematuramente o inquérito.
Ao descartar os argumentos preliminares, a Primeira Turma do STF abre caminho para receber as acusações na próxima etapa do julgamento. A votação sobre a admissibilidade da denúncia será iniciada nesta tarde.
Compõem a Primeira Turma os ministros Alexandre de Moraes (relator), Cristiano Zanin (presidente do colegiado), Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Como a maior parte das acusações já havia sido debatida, os ministros conseguiram imprimir um ritmo mais acelerado nesta etapa do julgamento.
Veja quem foi denunciado no "núcleo de gerência" do plano de golpe:
- Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF);
- Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública;
- Fernando de Sousa Oliveira, ex-diretor de Operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública;
- Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência;
- Coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
- General Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência.
Veja todos as preliminares rejeitadas pela Primeira Turma do STF:
Suspeições dos ministros e do procurador-geral
Os advogados pediram a suspeição dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin e do procurador-geral da República Paulo Gonet, o que os impediria de participar do processo e do julgamento. - Os pedidos foram rejeitados pelo plenário do STF em uma sessão extraordinária convocada pela presidência da Corte. Os recursos das defesas também foram negados por ampla maioria.
Os ministros da Primeira Turma argumentaram nesta terça que a análise deste ponto está superada na medida em que a controvérsia foi analisada pelo plenário do STF. "Esse assunto já foi cuidado pelo plenário, o que faz de alguma forma desmilinguir a tese central", defendeu a ministra Cármen Lúcia.
O ministro Alexandre de Moraes afirmou também que não há "nenhum ato concreto" que comprove a quebra de imparcialidade do procurador-geral Paulo Gonet. "Se demonstra que, tão somente por não concordar com a conduta do procurador-geral da República, foi apresentada a preliminar."
Competência do STF
As defesas dos denunciados também questionaram a competência do STF para processar e julgar o caso. Os advogados alegam que os acusados não têm mais foro por prerrogativa de função e, por isso, o processo deveria tramitar na primeira instância.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, lembrou que o tribunal reafirmou sua competência para processar e julgar ações relacionadas ao 8 de Janeiro de 2023, independente do foro dos acusados.
"Desde o dia 8 de Janeiro, o plenário do Supremo determinou que todas as ações referentes à tentativa de golpe e atentado contra o estado democrático de direito seriam julgadas no Supremo Tribunal Federal. Basta ver que nós já temos 1.326 denúncias recebidas", reiterou Moraes.
Além disso, em julgamento concluído no dia 11 de março, mas que já tinha maioria formada desde setembro de 2024, os ministros do Supremo ampliaram o alcance do foro privilegiado e expandiram a competência da Corte para julgar autoridades e políticos. O tribunal definiu que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido, mesmo após a saída do cargo.
Julgamento na Primeira Turma
Os denunciados pediram para ser julgados no plenário do STF e não na Primeira Turma. Desde 2023, segundo o regimento interno do Supremo, ações penais são julgadas nas turmas, para desafogar o plenário e deixá-lo livre para decidir sobre controvérsias constitucionais.
"Não há nada casuístico para este julgamento. É importante afastar qualquer fiapo de dúvida em relação a isto. A mudança regimental antecede a este caso", defendeu Flávo Dino. "Quando a Turma julga, é o Supremo julgando", acrescentou o ministro.
Assim como no primeiro julgamento, sobre o "núcleo crucial" do golpe, o ministro Luiz Fux foi o único que votou a favor da transferência do processo à primeira instância ou ao plenário do Supremo e ficou novamente vencido.
Nulidades
Os advogados também alegam que houve nulidades na condução do processo, como cerceamento do direito de defesa, sonegação de provas, pesca probatória e quebra da cadeia de custódia das provas.
As defesas insistem, por exemplo, que não tiveram acesso a todas as provas da investigação, como a íntegra das conversas extraídas dos celulares apreendidos pela Polícia Federal. Os advogados alegam que só receberam "recortes", ou seja, documentos selecionados pela acusação. Também afirmam que os documentos estavam desorganizados, o que segundo os criminalistas teria dificultado as defesas.
"Todas as provas juntadas no processo foram utilizadas da mesma forma pela Procuradoria-Geral e pelas defesas", rebateu Alexandre de Moraes.
Os advogados também afirmam que houve "pesca probatória" - investigação genérica que mira um alvo específico e tenta produzir provas contra ele sem uma hipótese criminal previamente estabelecida.
As defesas alegam ainda que houve violação dos procedimentos que garantem a integridade e autenticidade das provas. Moraes afirmou que a alegação não tem fundamento. "Salvo se a defesa comprovar que a secretaria do STF fraudou provas, é uma alegação esdrúxula. É um absurdo", criticou.
Delação de Mauro Cid
As defesas tentaram anular o acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. A delação de Mauro Cid esteve sob ameaça de rescisão. A Polícia Federal estava insatisfeita por acreditar que ele estava omitindo informações. Pressionado, o tenente-coronel prestou um novo depoimento diretamente ao ministro Alexandre de Moraes, em novembro do ano passado. Na ocasião, foi avisado que sairia preso se caísse em novas contradições. Os ministros da Primeira Turma do STF reafirmaram nesta terça que o acordo foi celebrado regularmente e que não houve coação do tenente-coronel.
"A delação premiada é de extrema valia neste momento processual. Não é acompanhada de nulidade até aqui e será ou não corroborada segundo o contraditório judicial", defendeu Flávio Dino.
Prisão preventiva de Filipe Martins
A defesa de Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, também questionou a prisão preventiva dele na investigação. Filipe Martins passou seis meses preso preventivamente no inquérito. A justificativa foi a de que ele teria tentado fugir do Brasil para escapar da investigação. O nome do ex-assessor constou em uma lista de passageiros do avião presidencial que decolou para Orlando, nos Estados Unidos, em 30 de dezembro de 2022.
A defesa comprovou que ele nunca embarcou com a comitiva do então presidente. Os advogados juntaram comprovantes de gastos no cartão e de corridas por carro aplicativo, tudo no Brasil, e bilhetes de uma ponte aérea nacional.
Com o levantamento do sigilo da investigação, a defesa descobriu que o ministro Alexandre de Moraes já havia autorizado a quebra do sigilo dos dados de geolocalização do telefone celular de Martins no período entre junho de 2022 e outubro de 2023. Ou seja, quando ele foi preso na Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro de 2024, a PF já tinha meios para verificar que ele permaneceu no Brasil.
A prisão preventiva do ex-assessor foi revogada em agosto de 2024 e substituída por medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica e proibição de acesso a redes sociais ou de conceder entrevistas.
O ministro Alexandre de Moraes argumentou que, ao julgar recursos da defesa, o STF considerou que a prisão foi regular e manteve as medidas cautelares decretadas por ele. "Isso está precluso porque a Primeira Turma manteve a legalidade da prisão e das cautelares."