'Bancada da bala' resiste a excludente de ilicitude

Política
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Deputados e senadores ligados à chamada "bancada da bala" no Congresso questionam a existência de um acordo no Legislativo para aprovar a ampliação do excludente de ilicitude e afirmam que esta não é uma demanda de agentes de segurança e militares. No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro afirmou já ter acordado com os novos presidentes da Câmara e do Senado para a votação de uma proposta que isenta de investigação (e punição) o agente de segurança que cometer crime durante o exercício da atividade profissional.

"É uma licença para matar ou para ferir? Nem as organizações policiais e nem as Forças Armadas nunca fizeram questão disso", disse o senador Major Olimpio (PSL-SP), que é ligado à Polícia Militar de São Paulo. De acordo com o parlamentar, ex-aliado de Bolsonaro e hoje na oposição, não há acordo no Senado para que a ampliação seja votada.

O Estadão apurou que outros integrantes da Casa avaliam que dificilmente haverá acordo para que se leve um tema tão juridicamente delicado ao plenário. "A tal criação do novo excludente de ilicitude é uma tremenda besteira para o Bolsonaro dizer: 'Olha, é para amparar o policial'. Quando você vai buscar no próprio campo do direito, você já tem amparo para o policial que está em ação", completou Olímpio.

Para a deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das integrantes da Frente Parlamentar da Segurança Pública, nenhuma associação ou entidade representativa de policiais ou das Forças Armadas solicitou a ampliação do excludente quando a Câmara analisou o pacote anticrime do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, em 2019.

Foi Margarete Coelho quem coordenou o grupo de trabalho da Câmara criado para avaliar as propostas de combate ao crime enviadas pelo governo. "Nós ouvimos toda a sociedade civil organizada e nenhum grupo ligado a movimentos da categoria de militares e da segurança pública reivindicou esse dispositivo. Foi uma coisa que me chamou muita atenção", disse. "Foram dez audiências públicas, o grupo debateu intensamente, ouvimos especialistas e ouvimos as categorias. Nenhuma reivindicou."

Na Câmara, a iniciativa foi removida em 2019 pelos deputados do conjunto de medidas para combater a criminalidade. Para amparar as forças de segurança, o grupo coordenado por Margarete Coelho criou a possibilidade de o Estado custear a defesa dos policiais investigados durante a fase de inquérito, quando se colhem as provas. Segundo a deputada, a legislação atual já é robusta o bastante para lidar com os momentos em que agentes de segurança se envolvem com o uso letal da força.

Discussão

Entidades ligadas às forças policiais e militares consultadas pelo Estadão confirmam o desinteresse ou o estágio ainda de avaliação do tema. O diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck, afirmou que a entidade não possui uma posição formal sobre o tema. Ele, no entanto, observa que "a princípio, a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular de um direito da sua profissão já estão contemplados dentro do Código Penal".

O presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), coronel da PM Marlon Jorge Teza, disse que a discussão mais recente é para ampliar o excludente em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), executadas por militares das Forças Armadas. Ele também afirmou que a entidade vai discutir o tema. "Não somos contra, mas a gente sabe da dificuldade de aprovar como está. Vamos discutir para chegar a um consenso. Hoje já temos leis que garantem o excludente de ilicitude. Evidentemente que alguns reparos teriam que ter, mas são coisas localizadas."

O presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Praças (Anaspra), Heder Martins de Oliveira - subtenente da PM de Minas -, afirmou que há divergência interna sobre o tema. Um encontro será realizado no fim do mês para tirar uma posição oficial da entidade.

Major Olimpio também criticou as falas de Bolsonaro, segundo as quais policiais e militares seriam poupados de investigação. "Por mais que ele crie mais excludentes de ilicitude, ainda vai ter que haver inquérito e vai ser feita prova pericial", disse o senador. "Tem gente que argumenta que o policial tem medo dessa investigação. Claro que tem. Mas o Bolsonaro está tentando forçar uma situação que não vai se aplicar em nenhum caso concreto", afirmou.

Para ele, a iniciativa causa má impressão porque sugere que policiais e militares que cometerem excessos estarão blindados. "E se (a morte) for de uma forma dolosa (com intenção)? E se o cara está mancomunado com organizações criminosas?"

Casos arquivados

Especialistas na área da Segurança Pública ouvidos pelo Estadão criticaram a intenção do governo de fazer uma nova tentativa para aprovar a ampliação do excludente de ilicitude no Congresso. De acordo com analistas, a maioria dos casos em que policiais ou militares são investigados pela morte de civis é arquivada. A avaliação é que a ampliação do excludente de ilicitude levaria ao aumento da impunidade.

Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Bruno Paes Manso disse que aprovar o excludente de ilicitude fragiliza um sistema já frágil de controle das polícias. "O Brasil tem a polícia mais violenta do mundo. São 6 mil mortes causadas por policiais ao ano, e temos batido sucessivos recordes nos últimos três anos. Os casos de violência têm aumentado na pandemia", destacou. "Hoje já é muito fácil para qualquer policial matar e não ser condenado. A maioria dos casos já é arquivada."

Renato Sergio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmou que a pauta é "um grande engodo" pois já existem excludentes. "Está previsto no Código de Processo Penal. O policial já pode eventualmente fazer o uso letal da força. Quem vai dizer se foi ou não é crime é o Poder Judiciário", afirmou.

Lima classificou a iniciativa como mais uma situação desgastante para o Supremo Tribunal Federal (STF), que ele prevê que será chamado para agir. Segundo Lima, isso pode alimentar ainda mais a retórica de que o Poder Judiciário estaria de novo se colocando como obstáculo para o que bolsonaristas dizem ser o "anseio da população". "Bolsonaro quer fazer uma média com os policiais, colocar uma faca na cabeça do Judiciário e testar a fidelidade do Centrão", concluiu.

O criminalista Augusto de Arruda Botelho, conselheiro da organização Human Rights Watch e um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), considera que a nova tentativa de Bolsonaro não deve ser analisada de forma isolada. Ele relembra de outras medidas adotadas pelo presidente no mesmo sentido. "Não podemos pegar essa fala de forma isolada, ela vem em uma escalada", disse.

"Primeiro, as portarias revogadas pelo presidente que auxiliariam na fiscalização de armas e munições. Isso é gravíssimo e não havia justificativa nenhuma para revogar essas portarias. Uma coisa é uma promessa de campanha de flexibilizar e de facilitar o acesso e o porte às armas. É completamente diferente de dificultar ou impossibilitar que os órgãos públicos fiscalizem e rastreiem armas e munições. Isso é essencial para combater o crime organizado."

Botelho citou ainda a fala do presidente de que a população precisaria se armar para enfrentar governadores que, segundo ele, têm pautas autoritárias, como o isolamento social para o combate ao coronavírus. "É evidente que, com o avanço da criminalidade, a política tenha que cada vez mais entrar em confronto com a criminalidade. Isso é fato. Agora, outro fato concreto é que o aumento da letalidade é exponencial. E essas mortes precisam ser investigadas", disse. "Ninguém está dizendo que os policiais precisem ser punidos pelo cumprimento do seu trabalho. Mas, quando acontecem mortes, isso precisa ser investigado. Não da para jogar uma pá de cal em investigações."

César Muñoz, pesquisador sênior da Human Rights Watch, também condenou a iniciativa. "O policial que atira em legítima defesa da própria vida ou de terceiros já está totalmente protegido pela legislação brasileira e as normas internacionais. O que o presidente Jair Bolsonaro parece querer é uma licença para matar para o policial, sem que haja investigação ou que ele tenha que prestar contas de seus atos." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reafirmou seu apoio ao secretário da Defesa, Pete Hegseth após o The New York Times reportar que ele havia compartilhado planos militares para o ataque ao Iêmen em grupo com familiares no aplicativo de mensagens Signal.

Anteriormente, a revista The Atlantic havia publicado que o seu editor-chefe Jeffrey Goldberg havia sido incluído por engano em outro grupo do Signal, em que a cúpula da Casa Branca discutia a ofensiva contra os rebeldes houthis.

As autoridades americanas negam que as informações compartilhadas por Pete Hegseth fossem confidenciais enquanto reforçam o seu apoio ao secretário de Defesa, atribuindo as notícias a ex-funcionários insatisfeitos com as mudanças no Pentágono.

Ao falar com repórteres no gramado da Casa Branca, onde participava das celebrações de Páscoa, Trump reafirmou a confiança em Hegseth e minimizou as preocupações sobre o vazamento de planos militares como "perda de tempo".

"Ele está fazendo um excelente trabalho. Perguntem aos houthis como ele está se saindo", disse o presidente, referindo-se ao grupo rebelde, que é apoiado pelo Irã e foi alvo dos ataques dos Estados Unidos.

De acordo com o NYT, o secretario de Defesa americano compartilhou detalhes sobre os ataques em 15 de março, antes que os bombardeios fossem lançados, em grupo que incluía a mulher, o irmão e o advogado pessoal de Pete Hegseth.

Os detalhes compartilhados no grupo eram essencialmente os mesmos que Hegseth enviou, no mesmo dia, em outro grupo do Signal que, por engano, incluía o editor da revista The Atlantic.

Pete Hegseth se mostrou furioso com a matéria do NYT, que atribuiu a "difamações anônimas de ex-funcionários descontentes sobre notícias antigas".

Ao chegar para as celebrações de Páscoa com a família, ele apontou para os repórteres e os chamou de "farsantes". Na sequência, se voltou para os filhos pequenos, que estavam ao fundo. "Essas crianças aqui, são o motivo pelo qual estamos lutando contra a mídia de notícias falsas", disse.

Em resposta às críticas do governo, um porta-voz disse que o NY Times tem confiança na precisão da reportagem e destacou que o Pentágono "não negou a existência do grupo de mensagens".

Embora as autoridades americanas tenham insistido que nenhuma informação confidencial foi compartilhada no grupo, o NY Times disse que isso não vem ao caso porque a sua reportagem "não caracterizou a informação como confidencial".

Trump e Hegseth conversaram por telefone na noite de domingo. Segundo uma fonte informada sobrea a ligação, o presidente disse ao seu secretário que "delatores ressentidos" seriam culpados pela reportagem e reafirmou que o apoiava.

Essa ideia de que delatores ressentidos estariam por trás da reportagem foi reforçada pela secretária de imprensa da Casa Branca Karoline Leavitt em entrevista ao Fox & Friends, programa da Fox News que era apresentado por Pete Hegseth. "É isso que acontece quando todo o Pentágono está trabalhando contra você e contra as mudanças monumentais que você está tentando implementar", disse. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

Dos peronistas ao libertário Javier Milei, o papa Francisco teve relações tensas com presidentes da Argentina. Alvo da politização, ele acabou se distanciado do seu país de origem e morreu sem nunca ter retornado a Buenos Aires.

A disputa envolvendo o líder católico ganhou novos contornos quando Javier Milei o insultou como "imbecil" e "representante do maligno na Terra" durante as eleições. O libertário, contudo, não foi o único líder argentino a criticar o papa, que tinha relações delicadas com a política.

Embora tenha recebido todos os presidentes no Vaticano, Francisco morreu sem ter visitado a Argentina enquanto papa por temer que o seu retorno fosse usado politicamente - por um lado ou pelo outro.

Relação com presidentes argentinos

A relação espinhosa do papa com a política argentina vem de muito antes de Javier Milei.

O casal Néstor e Cristina Kirchner considerava Francisco o "líder espiritual da oposição". Os peronistas chegaram a acusá-lo de colaborar com a ditadura militar argentina entregando padres para o regime - denúncia que nunca ficou comprovada.

Depois que o arcebispo de Buenos Aires Jorge Bergoglio se tornou o papa Francisco, em 2013, a então presidente Cristina Kirchner foi aconselhada por aliados a rever sua posição e pediu desculpas. "Achei que você fosse outra coisa", teria dito Cristina em encontro com o pontífice.

Ela foi recebida pelo papa quatro vezes e foi atrás de Francisco durante as suas visitas ao Brasil, Paraguai e Cuba. Mas o uso político da aproximação por parte de Cristina Kirchner desagradou o pontífice, segundo reportou o Clarín. Depois disso, a relação voltaria a se desgastar.

Já com Mauricio Macri, o desgaste começou quando ele ainda era prefeito de Buenos Aires. O líder católico havia apoiado a candidatura do bispo Joaquín Piña que conseguiu barrar, na constituinte da província de Misiones, a reeleição indefinida do governador peronista Carlos Rovira. E esperou, em retribuição, que Macri apelasse contra a decisão que abriu caminho para o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina, o que não aconteceu.

Durante a presidência de Mauricio Macri, a Argentina deu mais um passo nas reformas progressistas: o início das discussões no Congresso sobre a legalização do aborto. Apesar do desgaste com o papa Francisco, que enfrentava a pressão dos setores mais conservadores da Igreja Católica, eles mantiveram as relações no nível institucional.

No caso de Alberto Fernández, a relação foi afetada pela legalização do aborto, concluída durante o seu período na Casa Rosada. De acordo com o Clarín, o pontífice também teria se incomodado com a estratégia de Fernández, que assim como sua vice-presidente Cristina Kirchner, tentou explorar politicamente as relações o papa.

Milei, por sua vez, atacou o líder católico antes de chegar à presidência. Depois de eleito, ele participou da missa de canonização de Mama Antula, a primeira santa da Argentina, e foi recebido pelo papa Francisco.

A relação foi apaziguada, mas eles mantiveram profundas discordâncias sobre o papel do Estado. O libertário Javier Milei promove um duro ajuste fiscal, que atinge principalmente os mais pobres na Argentina, enquanto o papa Francisco se dedicou à defesa dos vulneráveis.

"O Estado, hoje mais importante do que nunca, é chamado a exercer esse papel central de redistribuição e justiça social", disse o papa, um mês após receber Milei no Vaticano.

Francisco também criticou a repressão do governo aos protestos na Argentina. "Me mostraram as imagens da repressão, onde a polícia reprimiu os trabalhadores que exigiam os seus direitos nas ruas como se fossem desordeiros. Em vez de gastarem com justiça social, gastam na compra de gás de pimenta", disse após encontro com representantes dos movimentos sociais.

Embora na Argentina o Estado e a Igreja estejam separados, os vínculos sempre foram muito estreitos. Até a reforma constitucional de 1994, ser católico era requisito para assumir a presidência. Nesse contexto, o papa se viu no meio da polarização e das discussões em torno do peronismo.

"Nunca fui filiado, militante ou simpatizante do peronismo. Afirmar isso é uma mentira. Meus escritos sobre justiça social levaram a dizerem que sou peronista. Mas, na hipótese de ter uma concepção peronista da política, o que haveria de errado nisso?", questionou o papa sobre as acusações dos críticos de vínculos com o peronismo.

"Na Argentina, o papa era visto com um perfil de esquerda, e a direita mais liberal não gostava dele", explicou o biógrafo Sergio Rubín, coautor de O jesuíta (2013) e O Pastor (2023).

A disputa acabou afastando o papa, que nunca voltou a Buenos Aires. O papa Francisco chegou a dizer que gostaria de visitar à Argentina, mas não queria que a sua passagem pelo país fosse "usada nem para um lado, nem para o outro", expressando a preocupação com a politização de sua imagem.

Reações à morte do papa Francisco

Agora, enquanto o mundo dá adeus ao papa Francisco, os líderes políticos da Argentina deixam as desavenças com o líder católico para trás.

"Apesar das diferenças que hoje parecem pequenas, foi uma verdadeira honra para mim ter podido conhecê-lo em sua bondade e sabedoria", escreveu Javier Milei ao lamentar a morte. O presidente decretou luto oficial de sete dias e vai a Roma para a despedida do papa.

Por sua vez, Cristina Kirchner disse que ele era o "rosto de uma Igreja mais humana, com os pés na terra e o olhar fixo no céu", lembrando do primeiro encontro que teve com o papa Francisco.

O caráter humanitário do pontífice também foi destacado por Alberto Fernández. "A Igreja deveria apoiar os despossuídos, os marginalizados e os perseguidos. A Igreja deveria abraçar aqueles que foram condenados a ser minorias ou perseguidos em suas terras. A Igreja deveria levantar sua voz contra aqueles que acumulam riqueza e distribuem pobreza. No entanto, a Igreja só conseguiu fazer isso quando Francisco, o jesuíta, era o papa", escreveu nas redes sociais.

Lembrando o seu último encontro com o papa Francisco, acompanhado da mulher e das filhas, Mauricio Macri disse: "Tenho a imagem daquele dia e também de Francisco como um homem religioso de estatura inigualável, um político severo e, principalmente, um bom pastor. Sua vida foi marcada pelos ensinamentos que transmitiu com suas palavras, seu compromisso e seus gestos. Ele mesmo, com sua trajetória, é uma lição para todos nós".

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta segunda-feira, 21, que há uma "boa chance" de que a Rússia e a Ucrânia cheguem a um acordo nesta semana para acabar com a guerra. O conflito já dura três anos.

"Há uma boa chance", declarou Trump quando perguntado se ele achava que Moscou e Kiev poderiam selar um acordo até sexta-feira, acrescentando que teve boas reunião com os dois lados.

Durante o evento anual Easter Egg Roll realizado na Casa Branca, o republicano também disse que teve "reuniões muito boas sobre o Irã" e expressou confiança de que uma solução comercial seria alcançada com a União Europeia. "No final das contas, teremos um acordo com qualquer um", afirmou ele.