'Academia de política' do MBL é aposta do grupo em busca de renovação

Política
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Perto de completar sete anos de existência e veterano de três eleições, o Movimento Brasil Livre (MBL) quer atrair novos integrantes e formar lideranças de olho no próximo pleito. Nascido do antipetismo e da defesa do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, este ano o grupo assumiu de vez o "Fora Bolsonaro" e lança a "Academia MBL". O objetivo é preparar militantes capazes de articular políticas públicas, organizar manifestações e ampliar sua rede de influência nas mídias sociais, incluindo aulas sobre fake news e como produzir memes.

"Aquilo que o MBL aprendeu na prática se transformou em um conjunto de aulas delineado para oferecer nossa expertise em ativismo político", diz o texto de anúncio do curso que terá início na próxima segunda, 8, com direito a aula magna do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na quarta-feira, 3.

A oferta do curso coincide com uma reestruturação interna do grupo, que, recentemente, perdeu seu primeiro representante eleito, o vereador de São Paulo Fernando Holiday (Patriota), e que, pelos próximos dois anos, não terá o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) na coordenação do movimento. Quem irá comandar o programa de formação, online e com duração de quase nove meses, é Ricardo Almeida, outro antigo coordenador nacional.

Entre as aulas já gravadas, há desde "Fundamentos de Memística", com conteúdo prático e teórico de linguagem visual para redes sociais, até um minicurso de "Teoria Geral do Estado", com advogados ligados ao movimento. O currículo previsto para o primeiro mês ainda envolve marketing político e lições da história do próprio MBL.

Na grade, há aulas com representantes já eleitos, como o deputado estadual por São Paulo Arthur do Val (Patriota), o próprio Kim e outros colaboradores, como Adelaide de Oliveira, que é ex-porta-voz do Vem Pra Rua e foi vice da chapa de Arthur na candidatura à Prefeitura de São Paulo. Não há vínculo com instituições de ensino superior. "Temos diálogo com pessoas que estão presentes em universidades, como o (autor) Martim Vasques da Cunha e o Luiz Felipe Pondé. Acho absolutamente vital que a Academia MBL forme pessoas que entrem e disputem espaço na academia", diz Almeida.

Fake news

Uma das aulas da disciplina "Fundamentos de Memística e Redes Sociais" é baseada em vídeo publicado pelo jornal The New York Times no qual o ex-agente da KGB Yuri Bezmenov explica como nasceu o processo de criação de "fake news" na então União Soviética.

Mas essa parte do currículo, em especial, gera desconfiança entre especialistas. "O MBL tem referências da direita brasileira que surgiu nas últimas duas décadas e não enveredou no 'olavismo' (a defesa das ideais do chamado 'guru' do presidente Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho). É um grupo que 'foi e voltou', seja porque o bolsonarismo se radicalizou, seja porque de fato eles fizeram uma autocrítica", argumenta Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab e autor do livro Novo Jogo Velhas Regras. "O ponto de atenção é quanto do curso será a valorização dos protocolos jornalísticos, respeito à liberdade de imprensa para realizar seu trabalho e o compromisso com a saúde do debate público. Claro que todo mundo fica desconfiado porque eles já usaram recursos inflamatórios e propaganda sensacionalista."

O objetivo dessa aula é detalhar o método de "sete passos para se criar uma grande mentira", não disseminar notícias falsas, diz Almeida: "O conhecimento técnico por definição pode ser instrumentalizado para qualquer tipo de finalidade. É impossível saber para que será utilizado. A gente vai deixar muito claro na disciplina que não é sobre isso. A comunicação nas redes sempre será colocada numa moldura ética".

Almeida explica que a necessidade de criar o curso surgiu após o fracasso, em 2018, de uma tentativa de se aproximar do movimento estudantil universitário e secundarista: "O MBL Estudantil não deu muito certo porque eles não tinham muita experiência administrativa e política. Quem sabe depois da primeira turma 'Academia' a gente não possa refazer o MBL Estudantil".

O movimento passou por uma primeira reformulação depois da eleição de Bolsonaro, que se consolida agora como uma nova ofensiva pró-impeachment por causa da pandemia. Também em 2018, o Facebook tirou do ar quase 200 páginas e perfis ligados ao MBL. Segundo a empresa, elas "escondiam das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação". Já no ano seguinte, o grupo passou a rotineiramente criticar outros influenciadores bolsonaristas que emulam a linguagem que consagrou o próprio MBL nos primeiros anos de ativismo.

"Nos últimos tempos, não apenas a estratégia política, mas também a estratégia comunicacional do MBL mudou. O MBL News, que já foi um site hiperpartidário clássico, com matérias noticiosas que faziam apenas enquadramentos, hoje é menos noticioso e mais abertamente opinativo, parecendo mais um blog", diz o professor e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado.

"A pergunta que fica sobre o curso é: 'como essa autocrítica política se traduz em termos de práticas?'", questiona Francisco Brito Cruz.

Formação liberal

De acordo com Almeida, a criação da academia marca também o foco em formação qualificada, mais do que só em mobilização, o que aproxima a atuação do MBL a outras experiências de renovação política, como o RenovaBR e a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade). "Não é um curso de formação política que você pode comprar, é a nova forma de fazer parte dos diferentes ramos do MBL", descreveu Kim Kataguiri em vídeo publicado no seu canal no YouTube no último sábado, 27.

"O RenovaBR faz formação política com sucesso, mas a diferença é que nós queremos que os formandos se integrem ao movimento", diz Almeida. Para ele, hoje, os partidos políticos fazem muito pouco com seus recursos na formação de novas lideranças, enquanto a direita liberal faz "muito com pouco": "De 1983 (com a fundação do Instituto Liberal no Rio de Janeiro) já se conseguiu fazer muito. Hoje temos muitos influencers, livrarias e institutos liberais no Brasil. Desde então, as principais dificuldades foram relacionadas com a escassez de empresários que investem nessa formação".

Segundo o cientista político Christian Edward Cyril Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, essa tentativa de reposicionamento do MBL não surpreende. "Os partidos têm institutos para formação, é normal que os novos movimentos façam isso. O que é interessante é que eles são um renascimento de entusiasmo liberal", diz Lynch. "Mas, diferentemente do 'liberalismo tradicional', isso faz parte de uma cultura de 'nova direita', que tem entre seus elementos a ridicularização do adversário, o que está fora do circuito dos grandes partidos."

Nas contas do próprio MBL, o grupo elegeu, por diferentes partidos, 8 parlamentares em 2016, 5 em 2018 e 13 no ano passado. Em eleições majoritárias, o melhor resultado alcançado até aqui foi de Arthur do Val, 5º colocado na sucessão pela Prefeitura de São Paulo, somando 522.210 votos válidos. Grande parte da força do movimento se concentra justamente no espaço que ocupa nas mídias sociais. Só no Facebook, por exemplo, a página do MBL tem mais de 3 milhões de seguidores.

No Congresso, Kim Kataguiri tem se destacado como uma das principais vozes de oposição ao governo Bolsonaro fora da esquerda e rival do Centrão. Desde o início deste ano, foi candidato a presidente da Câmara dos Deputados e apresentou ações na Justiça para tentar frear a "PEC da Blindagem" e afastar o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem após denúncia de que a agência teria sido usada para coletar informações em benefício do clã Bolsonaro.

Com Kim como estrela, o MBL aposta que daqui a 15 anos o cenário da direita liberal "será melhor". "Quando o (ministro da Economia) Paulo Guedes assume e não entrega, há uma crise. Porém, o liberalismo de 2015 para cá não minguou, a classe média que aderiu à direita só não tem a devida representação, se enxerga no MBL e numa ala do partido Novo, mas que deve crescer", afirma Almeida, demonstrando certo orgulho de que sua academia já estaria recebendo "mais críticas da direita bolsonarista que da esquerda".

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Diante de uma profunda divisão política e sob o choque das medidas do presidente americano Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs nesta quarta-feira, dia 9, que os líderes da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) "deixem as diferenças de lado" e coordenem sua inserção no mundo para que não se vejam novamente como zona de influência do que chamou de "novas e velhas potências".

O petista calibrou seu discurso em Honduras para responder, principalmente, às ações do governo Trump que mais impactaram a região - as deportações em massa de imigrantes e o tarifaço comercial - e compartilhar a visão de que há em curso a formação de uma nova ordem global tendo como potências a China e os Estados Unidos.

"A história nos ensina que guerras comerciais não têm vencedores", disparou Lula, uma semana depois de Trump deflagrar a imposição de tarifas recíprocas que sobretaxaram em 10% todas as exportações da maioria dos países latino-americanos e caribenhos, exceto as ditaduras Venezuela (15% )e Nicarágua (18%).

Para Lula, o momento é um dos mais críticos da história para uma região que superou a escravidão e as ditaduras militares, mas ainda convive com miséria, exclusão social e fome.

"A ingerência de velhas e novas potências foi e é uma sombra perene ao longo desse processo. Agora, nossa autonomia está novamente em xeque. Tentativas de restaurar antigas hegemonias pairam novamente sobre nossa região", afirmou Lula. "A liberdade e a autodeterminação são as primeiras vítimas de um mundo sem regras multilateralmente acordadas. Migrantes são criminalizados e deportados sob condições degradantes. Tarifas arbitrárias desestabilizam a economia internacional e elevam os preços."

O presidente sugeriu a intensificação da integração comercial e econômica dos países como forma de se "proteger contra ações unilaterais". Ele citou que o comércio do Brasil com a Celac é de US$ 86 bilhões por ano, maior do que com os EUA.

Lula defendeu investimentos em infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações para escoar bens e serviços, como os corredores bioceânicos e as rotas de integração sul-americana. Ele disse que o governo brasileiro poderá reativar um convênio de pagamentos e créditos recíprocos com a Aladi e expandir o sistema de pagamentos em moeda local.

Lula propôs em Tegucigalpa, capital hondurenha, que a Celac mude suas regras de funcionamento para escapar da paralisia. Ele sugeriu a criação de um grupo de trabalho que discuta formas de a entidade funcionar sem a necessidade de tomar decisões por consenso.

No diagnóstico brasileiro, a regra vem impedindo manifestações e ações conjuntas, por causa da fragmentação política entre governos de direita e de esquerda nas Américas e no Caribe. Para o presidente, a expectativa de uniformidade é "irrealista".

"Se seguirmos separados, a comunidade latino-americana e caribenha corre o risco de regressar à condição de zona de influência, em um nova divisão do globo entre superpotências. O momento exige que deixemos as diferenças de lado", defendeu Lula. "Nossa integração é uma tarefa inadiável, que não deve ficar à mercê de divergências ideológicas."

O presidente disse que no início dos anos 2000 houve um espírito plural e pragmático entre os líderes, que levou à criação da Celac e da Unasul (União de Nações Sul-americanas) - esta última um organismo que ele fracassou em tentar relançar, dois anos atrás.

Ele citou para a Celac iniciativas de resposta conjunta por parte de organizações como a Asean, a União Europeia e a União Africana. "É imperativo que a América Latina e o Caribe redefinam seu lugar na nova ordem global que se descortina. Nossa inserção internacional não deve se pautar em ação defensiva", disse.

Para Lula, os 33 países da região devem coordenar ações em três temas: defender ameaças à democracia; conter e superar as mudanças climáticas, exigindo mais fianciamento dos países ricos para transição justa e metas de redução de emissões; e superar a fome e a pobreza.

O petista disse que a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza vai inaugurar os primeiros projetos no Haiti e na República Dominicana. Ele criticou ingerências de big techs contra soberania de países, tentativas de golpes de Estado ou de impor a democracia, disseminação de ódio e desinformação que deturpam a liberdade de expressão e o negacionismo; falou no risco da elevação do nível do mar para ilhas caribenhas e zonas costeiras, o colapso da Amazônia e o degelo da Antártida.

Lula propôs também, sob aplausos, que a Celac adote a defesa de uma candidatura única, de uma mulher, para o cargo de secretária-geral das Nações Unidas, em 2026. A ideia enfrenta resistências de governos conservadores, como o de Javier Milei.

Enquanto a Celac se reunia com líderes principalmente de esquerda em Honduras, Milei recebia visita do paraguaio Santiago Peña, em Buenos Aires.

A nona Cúpula da Celac decidiu em Tegucigalpa que, após o mandato da Colômbia em 2025, o Uruguai assumirá a presidência rotativa em 2026. A iniciativa é de um novo governo de esquerda, do presidente recém-empossado Yamandú Orsi.

A China negou qualquer envolvimento militar na Ucrânia, depois que Kiev disse ter capturado dois homens chineses no leste do país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, disse nesta quarta-feira, 9, que Pequim ainda estava tentando confirmar com a Ucrânia os detalhes da captura dos dois cidadãos chineses que, segundo as autoridades, estavam lutando pelo exército russo.

Ele negou a afirmação do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de que mais chineses se juntaram às forças russas.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu a união entre os países latino-americanos e caribenhos em seu discurso na IX Cúpula da Celac, em Tegucigalpa, Honduras, e, sem citar os Estados Unidos, criticou a alta das tarifas imposta pelo presidente norte-americano, Donald Trump. "Tarifas arbitrárias desestabilizam economia internacional e elevam preço. A história nos ensina que guerras comerciais não tem vencedores", afirmou.

O evento reúne representantes dos 33 países da América Latina e do Caribe.

"A América Latina e o Caribe enfrentam hoje um dos momentos mais críticos da história. Percorremos um longo caminho para consolidar nossos ideais de emancipação", disse Lula.

O presidente defendeu que a atuação da região "não deve apenas se orientar por interesses defensivos" e que é preciso um programa de ação estruturada em outros temas, como na defesa da democracia e combate às mudanças climáticas. "É imperativo que a América Latina e o Caribe redefinam seu lugar na nova ordem global que de descortina", afirmou.

A fala do chefe do Executivo vai em linha com apuração do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) na semana passada de que Lula aproveitaria o evento em Honduras para tentar arregimentar as Américas a ampliarem o comércio entre si depois do tarifaço de Donald Trump.

Presidentes do México e de Cuba também defendem a união dos países

"A esperança hoje é a unidade", disse a presidente do México, Claudia Sheinbaum, que também defendeu mais integração econômica e respeito à soberania dos países do grupo.

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, foi na mesma linha.

"Em um momento em que o mundo vive uma escalada de tensões, com aumento dos conflitos bélicos e aprofundamento das desigualdades, é crucial unir esforços e trabalharmos juntos pelo bem-estar, a paz e a segurança do povo latino-americano e caribenho", disse ele. "Só a unidade pode nos salvar."