Conselho de Ética aprova mudanças que podem atrasar processos de cassação

Política
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No momento em que analisa se pune o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso após ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal, e a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de matar o próprio marido, o Conselho de Ética aprovou mudanças em seu regimento que podem tornar mais morosos os processos de cassação de parlamentares.

A proposta aprovada na quarta-feira, 24, de forma simbólica, prevê, entre outros pontos: aumentar em dez dias o prazo para o relator dos processos apresentar seu parecer em caso de pedido de cassação; permitir que um deputado acusado apresente suas alegações finais mesmo após o fim da fase de instrução do processo; determina que o relator ou o presidente do Conselho podem restringir o acesso às reuniões quando entenderem que a discussão precisa ser sigilosa.

A mudança foi relatada pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP) e precisa ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para ter validade.

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi o último parlamentar cassado pela Câmara, com passagem pelo Conselho de Ética. O processo que levou a perda do seu mandato começou em outubro de 2015 no colegiado, a partir de uma representação do PSOL e Rede, e só foi concluído oito meses depois, em junho de 2016. De lá seguiu para a CCJ e, por fim, ao plenário da Câmara, onde Cunha foi cassado em setembro daquele ano.

O relator do novo regulamento do Conselho de Ética defende as mudanças e diz que outras alterações podem dar celeridade aos processos.

"O prazo é de até 40 dias úteis, dependendo da pena requerida na representação. Na verdade, estamos ganhando prazo, pois retiramos a votação de admissibilidade nos casos em que prosseguir com a representação", disse Leite.

Ele explicou que pareceres preliminares que forem pela abertura de processo e não pelo arquivamento não precisam passar por votação. Atualmente, toda representação passa por um escrutínio preliminar no colegiado, antes do início do processo. Essa fase envolve ainda um depoimento de defesa do acusado.

Leite também colocou no regulamento a possibilidade do acusado apresentar suas alegações finais depois que o relator já encerrou prazo de instrução, em até 10 dias úteis, previsão que não existe no atual regulamento.

O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que acompanhou as discussões, afirma que essa mudança evita que o investigado apresente recurso no plenário da Câmara ou na CCJ. "Ao final do processo, dá cinco dias para que a defesa faça alegações finais. Não é um instrumento protelatório", disse.

Leite traz ainda regras sobre reuniões reservadas do conselho. O texto determina que essas sessões podem ter acesso restrito a critério do relator, presidente do Conselho ou por deliberação do plenário. "As reuniões em que haja matéria classificada como sigilosa a ser apreciada, ou as destinadas à oitiva de depoimentos de testemunhas, do representado ou de convidados cujo conteúdo, em princípio, recomende que deva ter seu sigilo resguardado." Quando esse critério for adotado, só será permitida a presença de parlamentares, dos servidores e técnicos indispensáveis, proibida a transmissão dos trabalhos.

Atualmente, o Conselho pode realizar reuniões secretas, seguindo o que determina o Regimento Interno da Câmara, que autoriza o sigilo por meio de requerimento ou deliberação do plenário.

"Essa é uma questão que teremos de ficar atentos, mas em algumas situações é necessária preservar as testemunhas", afirmou o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), que participa do conselho.

Leite diz que qualquer membro pode questionar o sigilo. "E o tratamento dos dados sigilosos obedece a legislação em vigor sobre o assunto. O que é preciso deixar claro é que esta condição já existe no caso de oitiva de testemunha, por exemplo, onde as vítimas de abuso de autoridade preferirem não ser expostas ou onde fatos sigilosos devam permanecer sigilosos", disse.

Atualmente, o Conselho de Ética analisa casos envolvendo quatro deputados, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Coronel Tadeu (PSL-SP), Daniel Silveira e Flordelis. Há ainda o caso de quebra de decoro contra o Boca Aberta (PROS-PR), na CCJ atualmente.

Flordelis participou da reunião do último dia 16, onde fez sua defesa por videoconferência. Ela responde pela acusação criminal na Justiça do Rio de Janeiro e, na Câmara, é alvo de uma representação por quebra de decoro que pode levar à cassação do mandato. Desde outubro de 2020, ela tem sido monitorada por tornozeleira eletrônica.

Leite também é relator desta acusação e apresentou um cronograma de testemunhas a serem ouvidas no caso com outras sete pessoas, além de Flordelis.

Também monitorado por tornozeleira eletrônica, Silveira tem de entregar sua defesa, por escrito, em um prazo de dez dias úteis, a contar da última segunda-feira, 22, quando um segundo processo por quebra o decoro parlamentar, foi aberto contra ele. A acusação diz que ele ameaçou, em vídeo, manifestantes contrários ao governo de Jair Bolsonaro.

O Conselho analisa ainda outro processo contra Silveira, aberto no início do mês. Essa investigação tem como objeto o mesmo motivo pelo qual ele foi preso em fevereiro: um vídeo no qual fez apologia ao Ato Institucional nº 5, o mais violento da ditadura, e pediu a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois processos podem levar à perda do mandato de Silveira.

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A pressão sobre o chefe do Pentágono, Pete Hegseth, aumentou na segunda-feira, 21, após relatos de um segundo bate-papo online no aplicativo Signal, usado por ele para discutir operações militares secretas.

O deputado Don Bacon se tornou o primeiro congressista republicano a pedir a renúncia de Hegseth.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reafirmou seu apoio ao secretário da Defesa, Pete Hegseth após o The New York Times reportar que ele havia compartilhado planos militares para o ataque ao Iêmen em grupo com familiares no aplicativo de mensagens Signal.

Anteriormente, a revista The Atlantic havia publicado que o seu editor-chefe Jeffrey Goldberg havia sido incluído por engano em outro grupo do Signal, em que a cúpula da Casa Branca discutia a ofensiva contra os rebeldes houthis.

As autoridades americanas negam que as informações compartilhadas por Pete Hegseth fossem confidenciais enquanto reforçam o seu apoio ao secretário de Defesa, atribuindo as notícias a ex-funcionários insatisfeitos com as mudanças no Pentágono.

Ao falar com repórteres no gramado da Casa Branca, onde participava das celebrações de Páscoa, Trump reafirmou a confiança em Hegseth e minimizou as preocupações sobre o vazamento de planos militares como "perda de tempo".

"Ele está fazendo um excelente trabalho. Perguntem aos houthis como ele está se saindo", disse o presidente, referindo-se ao grupo rebelde, que é apoiado pelo Irã e foi alvo dos ataques dos Estados Unidos.

De acordo com o NYT, o secretario de Defesa americano compartilhou detalhes sobre os ataques em 15 de março, antes que os bombardeios fossem lançados, em grupo que incluía a mulher, o irmão e o advogado pessoal de Pete Hegseth.

Os detalhes compartilhados no grupo eram essencialmente os mesmos que Hegseth enviou, no mesmo dia, em outro grupo do Signal que, por engano, incluía o editor da revista The Atlantic.

Pete Hegseth se mostrou furioso com a matéria do NYT, que atribuiu a "difamações anônimas de ex-funcionários descontentes sobre notícias antigas".

Ao chegar para as celebrações de Páscoa com a família, ele apontou para os repórteres e os chamou de "farsantes". Na sequência, se voltou para os filhos pequenos, que estavam ao fundo. "Essas crianças aqui, são o motivo pelo qual estamos lutando contra a mídia de notícias falsas", disse.

Em resposta às críticas do governo, um porta-voz disse que o NY Times tem confiança na precisão da reportagem e destacou que o Pentágono "não negou a existência do grupo de mensagens".

Embora as autoridades americanas tenham insistido que nenhuma informação confidencial foi compartilhada no grupo, o NY Times disse que isso não vem ao caso porque a sua reportagem "não caracterizou a informação como confidencial".

Trump e Hegseth conversaram por telefone na noite de domingo. Segundo uma fonte informada sobrea a ligação, o presidente disse ao seu secretário que "delatores ressentidos" seriam culpados pela reportagem e reafirmou que o apoiava.

Essa ideia de que delatores ressentidos estariam por trás da reportagem foi reforçada pela secretária de imprensa da Casa Branca Karoline Leavitt em entrevista ao Fox & Friends, programa da Fox News que era apresentado por Pete Hegseth. "É isso que acontece quando todo o Pentágono está trabalhando contra você e contra as mudanças monumentais que você está tentando implementar", disse. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

Dos peronistas ao libertário Javier Milei, o papa Francisco teve relações tensas com presidentes da Argentina. Alvo da politização, ele acabou se distanciado do seu país de origem e morreu sem nunca ter retornado a Buenos Aires.

A disputa envolvendo o líder católico ganhou novos contornos quando Javier Milei o insultou como "imbecil" e "representante do maligno na Terra" durante as eleições. O libertário, contudo, não foi o único líder argentino a criticar o papa, que tinha relações delicadas com a política.

Embora tenha recebido todos os presidentes no Vaticano, Francisco morreu sem ter visitado a Argentina enquanto papa por temer que o seu retorno fosse usado politicamente - por um lado ou pelo outro.

Relação com presidentes argentinos

A relação espinhosa do papa com a política argentina vem de muito antes de Javier Milei.

O casal Néstor e Cristina Kirchner considerava Francisco o "líder espiritual da oposição". Os peronistas chegaram a acusá-lo de colaborar com a ditadura militar argentina entregando padres para o regime - denúncia que nunca ficou comprovada.

Depois que o arcebispo de Buenos Aires Jorge Bergoglio se tornou o papa Francisco, em 2013, a então presidente Cristina Kirchner foi aconselhada por aliados a rever sua posição e pediu desculpas. "Achei que você fosse outra coisa", teria dito Cristina em encontro com o pontífice.

Ela foi recebida pelo papa quatro vezes e foi atrás de Francisco durante as suas visitas ao Brasil, Paraguai e Cuba. Mas o uso político da aproximação por parte de Cristina Kirchner desagradou o pontífice, segundo reportou o Clarín. Depois disso, a relação voltaria a se desgastar.

Já com Mauricio Macri, o desgaste começou quando ele ainda era prefeito de Buenos Aires. O líder católico havia apoiado a candidatura do bispo Joaquín Piña que conseguiu barrar, na constituinte da província de Misiones, a reeleição indefinida do governador peronista Carlos Rovira. E esperou, em retribuição, que Macri apelasse contra a decisão que abriu caminho para o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina, o que não aconteceu.

Durante a presidência de Mauricio Macri, a Argentina deu mais um passo nas reformas progressistas: o início das discussões no Congresso sobre a legalização do aborto. Apesar do desgaste com o papa Francisco, que enfrentava a pressão dos setores mais conservadores da Igreja Católica, eles mantiveram as relações no nível institucional.

No caso de Alberto Fernández, a relação foi afetada pela legalização do aborto, concluída durante o seu período na Casa Rosada. De acordo com o Clarín, o pontífice também teria se incomodado com a estratégia de Fernández, que assim como sua vice-presidente Cristina Kirchner, tentou explorar politicamente as relações o papa.

Milei, por sua vez, atacou o líder católico antes de chegar à presidência. Depois de eleito, ele participou da missa de canonização de Mama Antula, a primeira santa da Argentina, e foi recebido pelo papa Francisco.

A relação foi apaziguada, mas eles mantiveram profundas discordâncias sobre o papel do Estado. O libertário Javier Milei promove um duro ajuste fiscal, que atinge principalmente os mais pobres na Argentina, enquanto o papa Francisco se dedicou à defesa dos vulneráveis.

"O Estado, hoje mais importante do que nunca, é chamado a exercer esse papel central de redistribuição e justiça social", disse o papa, um mês após receber Milei no Vaticano.

Francisco também criticou a repressão do governo aos protestos na Argentina. "Me mostraram as imagens da repressão, onde a polícia reprimiu os trabalhadores que exigiam os seus direitos nas ruas como se fossem desordeiros. Em vez de gastarem com justiça social, gastam na compra de gás de pimenta", disse após encontro com representantes dos movimentos sociais.

Embora na Argentina o Estado e a Igreja estejam separados, os vínculos sempre foram muito estreitos. Até a reforma constitucional de 1994, ser católico era requisito para assumir a presidência. Nesse contexto, o papa se viu no meio da polarização e das discussões em torno do peronismo.

"Nunca fui filiado, militante ou simpatizante do peronismo. Afirmar isso é uma mentira. Meus escritos sobre justiça social levaram a dizerem que sou peronista. Mas, na hipótese de ter uma concepção peronista da política, o que haveria de errado nisso?", questionou o papa sobre as acusações dos críticos de vínculos com o peronismo.

"Na Argentina, o papa era visto com um perfil de esquerda, e a direita mais liberal não gostava dele", explicou o biógrafo Sergio Rubín, coautor de O jesuíta (2013) e O Pastor (2023).

A disputa acabou afastando o papa, que nunca voltou a Buenos Aires. O papa Francisco chegou a dizer que gostaria de visitar à Argentina, mas não queria que a sua passagem pelo país fosse "usada nem para um lado, nem para o outro", expressando a preocupação com a politização de sua imagem.

Reações à morte do papa Francisco

Agora, enquanto o mundo dá adeus ao papa Francisco, os líderes políticos da Argentina deixam as desavenças com o líder católico para trás.

"Apesar das diferenças que hoje parecem pequenas, foi uma verdadeira honra para mim ter podido conhecê-lo em sua bondade e sabedoria", escreveu Javier Milei ao lamentar a morte. O presidente decretou luto oficial de sete dias e vai a Roma para a despedida do papa.

Por sua vez, Cristina Kirchner disse que ele era o "rosto de uma Igreja mais humana, com os pés na terra e o olhar fixo no céu", lembrando do primeiro encontro que teve com o papa Francisco.

O caráter humanitário do pontífice também foi destacado por Alberto Fernández. "A Igreja deveria apoiar os despossuídos, os marginalizados e os perseguidos. A Igreja deveria abraçar aqueles que foram condenados a ser minorias ou perseguidos em suas terras. A Igreja deveria levantar sua voz contra aqueles que acumulam riqueza e distribuem pobreza. No entanto, a Igreja só conseguiu fazer isso quando Francisco, o jesuíta, era o papa", escreveu nas redes sociais.

Lembrando o seu último encontro com o papa Francisco, acompanhado da mulher e das filhas, Mauricio Macri disse: "Tenho a imagem daquele dia e também de Francisco como um homem religioso de estatura inigualável, um político severo e, principalmente, um bom pastor. Sua vida foi marcada pelos ensinamentos que transmitiu com suas palavras, seu compromisso e seus gestos. Ele mesmo, com sua trajetória, é uma lição para todos nós".