Indefinição do STF sobre depoimento trava inquérito de Bolsonaro

Política
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A indefinição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre como deve ser o depoimento do presidente Jair Bolsonaro tem travado o inquérito que investiga interferência indevida do chefe do Executivo na Polícia Federal. Aberto a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) após o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro deixar o governo levantando uma série de acusações contra o mandatário, a investigação completa um ano nesta terça-feira, 27, sem chegar a um desfecho. Na semana passada, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, prorrogou o inquérito por mais 90 dias.

Segundo o Estadão apurou, a tendência da PGR, hoje, é pedir o arquivamento da apuração. Moro largou o Ministério da Justiça e Segurança Pública acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência. "O presidente me quer fora do cargo", disse Moro à época, ao deixar claro que a saída foi motivada por decisão de Bolsonaro.

O objetivo do inquérito é apurar se foram cometidos os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Ou seja, o foco das investigações é tanto Bolsonaro, quanto o próprio Moro.

Em 27 de abril de 2020, o então decano do STF, Celso de Mello, determinou a abertura do inquérito "Moro versus Bolsonaro" e fixou um prazo de até 60 dias para que a PF ouvisse Moro, conforme solicitado pela PGR. Em sua decisão de 17 páginas - mesmo número pelo qual Bolsonaro saiu vitorioso nas urnas em 2018 - Celso observou que o presidente da República "também é súdito das leis", apesar de ocupar uma "posição hegemônica" na estrutura política brasileira.

Uma das últimas etapas da investigação, o depoimento de Bolsonaro não ocorreu até hoje, porque o plenário do STF precisa ainda decidir se o chefe do Executivo deve prestar esclarecimentos pessoalmente (como determinou Celso) ou por escrito. A discussão foi iniciada no plenário em outubro do ano passado, antes da aposentadoria de Celso de Mello, mas ainda não foi retomada.

Com a saída de Celso, o STF fez uma manobra interna, com a redistribuição do inquérito, que acabou encaminhado para outro integrante da Corte antes da chegada de Kassio Nunes Marques ao tribunal, que substituiu Celso. Dessa forma, o STF evitou que um inquérito que investiga Bolsonaro acabasse nas mãos do primeiro ministro da Corte indicado pelo presidente da República.

"Penso que o STF, como está em muitos atritos justificados com o Executivo e o Legislativo, está 'escolhendo' estrategicamente as disputas, para evitar um desgaste excessivo com os demais Poderes", disse a professora de Direito Penal da FGV Direito SP Raquel Scalcon.

Nas últimas semanas, o STF se desgastou com o Congresso, ao mandar abrir a CPI da Covid, e contrariou o Palácio do Planalto no julgamento em que deu aval para que governadores e prefeitos de todo o País proíbam a abertura de igrejas e templos para enfrentar a pandemia. O inquérito Moro x Bolsonaro coloca o STF em rota de colisão com o chefe do Executivo.

"Uma resposta rápida nem sempre é uma resposta consistente. O rápido não é sinônimo de bom em termos de prestação jurisdicional. Mas a demora excessiva também é um problema", afirmou Raquel.

Desistência

Em setembro do ano passado, Celso de Mello contrariou o procurador-geral da República, Augusto Aras, e determinou que Bolsonaro prestasse depoimento pessoalmente à Polícia Federal. Para Celso, a possibilidade de depoimento por escrito é uma prerrogativa de presidentes apenas nos casos em que são testemunhas, e não quando são investigados - o que é o caso.

Como informou o Estadão, Celso se amparou em precedentes da Corte para embasar o entendimento de que os chefes de Poderes, quando sujeitos a investigação criminal, não têm direito à prerrogativa de depor por escrito. Entre as decisões elencadas pelo ex-decano está uma proferida pelo ministro Teori Zavascki, em 2016, que negou depoimento por escrito ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), à época em que era presidente do Congresso.

Após a decisão, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso no Supremo, alegando que o tribunal já autorizou que o então presidente Michel Temer prestasse depoimento por escrito, mesmo na condição de investigado. Em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou que o emedebista apresentasse esclarecimentos por escrito sobre uma investigação envolvendo irregularidades no setor portuário. O ministro Edson Fachin, relator de um outro inquérito, aberto com base na delação da JBS, garantiu a Temer o mesmo direito.

Com Celso de Mello afastado temporariamente por licença médica, Marco Aurélio Mello decidiu paralisar o inquérito e encaminhar o processo para o plenário virtual, acirrando os ânimos na Corte. "A indefinição em penal é muito ruim", disse Marco Aurélio à reportagem. O ministro já divulgou o voto a favor de Bolsonaro depor por escrito. "Em um Estado de Direito, é inadmissível o critério de dois pesos e duas medidas", afirmou o atual decano no voto divulgado, mas ainda não computado.

Depois que retornou às atividades do tribunal, Celso tirou a discussão da esfera online e pediu para que o caso fosse pautado no plenário "físico", nas tradicionais sessões transmitidas ao vivo pela TV Justiça (agora realizadas por videoconferência). Perto da aposentadoria, em um de seus últimos atos no Supremo, Celso votou para que Bolsonaro prestasse o depoimento presencialmente - apenas o ministro aposentado já votou oficialmente no caso até agora.

Após defender a prerrogativa de Bolsonaro prestar depoimento por escrito, a AGU mudou de posição e informou à Corte que Bolsonaro havia desistido de se explicar às autoridades e que o processo poderia ser encaminhado à Polícia Federal para a elaboração do relatório final. Moraes, no entanto, já na condição de relator, após herdar o caso, concluiu que um investigado não pode deixar de ser submetido ao interrogatório policial, ainda que decida permanecer em silêncio.

"Somente a partir da concretização do ato investigatório oficial - intimação para interrogatório presencial ou envio de perguntas por escrito, dependendo da decisão do plenário desta Corte -, caberá ao Presidente da República, no real, efetivo e concreto exercício do direito de defesa, analisar e ponderar sobre qual a amplitude que pretende conceder ao 'diálogo equitativo entre o indivíduo e o Estado', como fator legitimador do processo penal em busca da verdade real e esclarecimento dos fatos", observou Moraes.

A controvérsia foi agendada para análise do plenário do STF no dia 24 de fevereiro, mas o processo não foi chamado para julgamento, adiando o desfecho do caso. Agora, segundo apurou o Estadão, o presidente do STF, Luiz Fux, está aguardando uma nova sinalização de Moraes para reagendar o julgamento. Como Celso de Mello já votou no caso, Nunes Marques - que assumiu a sua cadeira - não poderá se manifestar.

"Sobre como deve ser o interrogatório, o Código de Processo Penal silencia. Só diz como deve ser o depoimento do Presidente (quando é testemunha), não o seu interrogatório (quando é investigado)", destacou Raquel.

Procurados pela reportagem, o STF, a PGR e Moro não se pronunciaram. O Palácio do Planalto informou que "não se manifesta sobre processos em tramitação".

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou nesta quarta, 14, um decreto nomeando a delegação encarregada das negociações de cessar-fogo com a Ucrânia, previstas para esta quinta, 15, na Turquia. O documento, no entanto, não esclarece se o líder russo participará ou não das conversas em Ancara.

Segundo o Kremlin, o chefe da delegação será Vladimir Medinski, assistente de Putin. Também integram a comitiva russa Mikhail Galuzin, vice-ministro das Relações Exteriores; Igor Kostiukov, chefe da Direção Principal do Estado-Maior das Forças Armadas; e Aleksandr Fomin, vice-ministro da Defesa.

A "comissão de especialistas" designada por Putin inclui Aleksei Zorin, primeiro vice-chefe da Direção de Informação do Estado-Maior; Elena Podobreyevskaya, vice-chefe do Departamento de Política Estatal na Esfera Humanitária da Presidência; Aleksei Polishchuk, diretor do Segundo Departamento da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) do Ministério das Relações Exteriores; e Vladimir Shevtsov, vice-chefe da Direção Principal de Cooperação Militar Internacional do Ministério da Defesa.

O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos anunciou nesta quarta-feira, 14, novas sanções contra seis indivíduos e 12 entidades por envolvimento em "esforços para ajudar o regime iraniano a produzir internamente materiais críticos" para seu programa de mísseis balísticos. Segundo o comunicado oficial, os alvos apoiam suborganizações da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês) envolvidas no desenvolvimento de fibras de carbono usadas na fabricação de mísseis intercontinentais.

"O regime iraniano busca, de forma implacável e irresponsável, avançar em sua capacidade balística", afirmou o secretário do Tesouro, Scott Bessent. "Os Estados Unidos não podem permitir que o Irã desenvolva mísseis balísticos intercontinentais."

Entre os alvos estão a empresa iraniana Advanced Fiber Development Company (AFDCO) e seu controlador, Mohammad Rezai, que atua em nome da já sancionada Kish Mechatronics. A AFDCO, segundo o Tesouro, fornece fibra de carbono à IRGC e tenta obter equipamentos industriais sensíveis para essa produção.

O Tesouro destacou ainda a atuação de Hamed Dehghan, diretor da AFDCO e da empresa PKGB, também já sancionada. Dehghan estaria coordenando a compra de motores e componentes aplicáveis a mísseis. Já a empresa chinesa Shanghai Tanchain é acusada de ter exportado, desde o início de 2024, "grandes quantidades" de fibra de carbono ao Irã, por meio da empresa iraniana NSMI.

Vários executivos e empresas da China e de Hong Kong foram incluídos na nova rodada de sanções por atuarem direta ou indiretamente em nome da Shanghai Tanchain, incluindo Wang Chao, proprietária da Super Sources e sócia majoritária da Reso Trading, ambas responsáveis por exportações sensíveis ao Irã.

Os países do Brics formalizaram nesta quarta-feira, 14, a criação de um instituto permanente voltado à sustentabilidade e integração da infraestrutura de transportes. A decisão foi oficializada em carta ministerial ao final da reunião do Grupo de Trabalho (GT) de Transportes. O novo órgão, nomeado como Instituto Brics para Transporte Sustentável, Mobilidade e Logística (BISTML, na sigla em inglês), terá agendas coletivas com todos os membros do bloco.

De acordo com a carta ministerial, o BISTML terá como objetivo "enfrentar os desafios de infraestrutura com soluções inovadoras e integradas, com foco em sistemas de transporte resilientes ao clima, tecnologias limpas e práticas ambientais". Os países também se comprometeram a compartilhar experiências e boas práticas, além de elaborar relatórios técnicos sobre integração de infraestrutura e adaptação climática.

A carta ressalta ainda que os membros se opõem a medidas unilaterais que possam gerar distorções de mercado ou restringir o acesso a tecnologias essenciais à segurança e eficiência no setor. Foi reafirmado o compromisso de respeitar a soberania e as capacidades nacionais de cada Estado-membro, além da rejeição ao protecionismo comercial no setor de transporte e logística.

Em entrevista coletiva, o subsecretário de Sustentabilidade do Ministério dos Transportes, Cloves Benevides, disse que os diálogos estão em curso a partir de experiências concretas. Ele destacou que, mesmo sem tratar diretamente de projetos específicos como a Ferrogrão, polêmico por possíveis impactos ambientais, o debate entre os países tem como pilar a sustentabilidade.

Benevides citou ações já em curso no Brasil, como a inclusão de cláusulas de sustentabilidade nos contratos de conservação junto a concessões de rodovias e ferrovias. Segundo ele, essas cláusulas preveem recursos específicos para transição energética, adaptação da infraestrutura e medidas voltadas a comunidades impactadas. "Hoje, os leilões modelados pela ANTT já trazem compromissos de escuta social e previsão de neutralização de emissões na fase de implantação dos empreendimentos", disse.

A carta do GT também formalizou o apoio à criação da Aliança Internacional de Logística do Brics, prevista para funcionar junto ao grupo de trabalho. A proposta é reunir setor público e privado para promover conectividade, resposta a emergências e resiliência climática. Os países endossaram a coordenação com o Conselho Empresarial do Brics para garantir sinergia entre iniciativas governamentais e empresariais.

A presidência brasileira foi elogiada pelo grupo pela condução dos trabalhos e, ao fim da carta, os membros manifestaram expectativa de continuidade da agenda sob a presidência indiana em 2026.