Defesa do governo na CPI da Covid mobiliza milícias digitais

Política
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Com o governo Jair Bolsonaro no foco da CPI da Covid, senadores que integram o grupo dizem ser alvo de uma campanha orquestrada de ataques virtuais que tem como origem milícias digitais ligadas ao bolsonarismo. As mensagens incluem desde a disseminação de fake news, como a publicação de declarações descontextualizadas, até ameaças veladas. Em outra frente, parlamentares passaram a receber "dossiês" apócrifos contra adversários políticos do presidente em seus gabinetes.

Nas primeiras 24 horas após a abertura da comissão, na terça-feira, 27, posts no Facebook com o termo "CPI da Covid" alcançaram mais de 3 milhões de interações (curtidas, comentários e compartilhamentos). Um monitoramento via Crowdtangle indicou que os mais populares partiram de bolsonaristas investigados por compartilhamento de fake news, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que iniciou uma cruzada nas redes e na Justiça para barrar a participação de Renan Calheiros (MDB-AL) na comissão. Crítico do governo Bolsonaro, o senador foi designado relator da CPI.

"Você não imagina quantas mensagens grosseiras eu recebi ao longo desses dias. Coisas grosseiras, ameaças perguntando se eu gostava da minha família, xingamentos. É um volume atípico, com robôs. Pagam para fazer isso", afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA), que se define como independente.

Por trás de algumas das publicações relacionadas à CPI também estão nomes ligados ao chamado "gabinete do ódio" do Palácio do Planalto. Revelado pelo Estadão em setembro de 2019, o núcleo costuma dar as diretrizes da atuação digital de bolsonaristas e é influenciado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O assessor especial da Presidência Tercio Arnaud Tomaz é um dos nomes do grupo. Tércio usou o Twitter para se referir ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta como "genocida", uma vez que, em várias ocasiões, ele recomendou que pessoas com sintomas leves ficassem em casa, seguindo o que diziam autoridades sanitárias no início da pandemia. A postagem do assessor de Bolsonaro teve mais de 10 mil compartilhamentos.

'Dossiês'

Além dos ataques virtuais, Mandetta também passou a ser alvo de "dossiês" apócrifos entregues nesta semana nos gabinetes do Congresso. O Estadão apurou que ao menos três parlamentares receberam envelopes com dados sobre a gestão do ex-ministro e possíveis irregularidades envolvendo contratações da pasta. Os três pediram para não ter os nomes revelados. Embora evitem apontar os autores, senadores que tiveram acesso ao conteúdo afirmaram que apenas pessoas com acesso a informações internas do governo poderiam produzi-los. Mandetta deixou o governo em abril do ano passado por desavenças com Bolsonaro e será o primeiro a ser ouvido pela CPI, na terça-feira. Procurado pelo Estadão, ele não quis se manifestar.

Chefiada pelo general Luiz Eduardo Ramos, a Casa Civil tem coletado informações em várias áreas, sob o argumento de que se trata de uma estratégia para defender o governo na CPI da Covid. A Secretaria de Governo, comandada por Flávia Arruda, também ajuda senadores aliados na comissão com dados e orientações sobre quem convocar.

A assessora especial da Secretaria de Assuntos Parlamentares da Presidência, Thais Amaral Moura, é indicada como autora de requerimentos preparados pelos senadores governistas Ciro Nogueira (Progressistas-PI) e Jorginho Melo (PL-SC) na CPI. É possível encontrar o nome de Thais ao acessar as propriedades dos arquivos das solicitações dos senadores. A Secretaria é ligada à Segov. O Planalto não se pronunciou sobre a reportagem.

Relator

A articulação de bolsonaristas nas redes sociais vem sendo acompanhada de perto por Renan e discutida com outros integrantes da comissão. O relator da CPI escalou sua equipe para produzir e apresentar ao colegiado relatórios periódicos sobre o que realmente é debatido pela opinião pública nas redes sociais. A interlocutores, ele disse que sua intenção é permitir que "ninguém seja influenciado pelo gabinete do ódio" e que os senadores "não apanhem calados".

O modelo é uma adaptação de um sistema usado pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, que serve para filtrar comentários e pressões das redes usando uma espécie de checador. Esse aplicativo leva em conta o comportamento dos perfis, o tipo de postagem, o tipo de nome e a participação nos temas.

Eleito vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também identificou o acirramento nos ataques virtuais. Um levantamento da assessoria do parlamentar aponta que postagens críticas subiram 40% em relação ao ano passado. Em alguns casos, incluem frases como "Deus tenha misericórdia de você" e "Você não tem medo, não?". "E é sempre à noite. Acho que tem um horário que os robôs saem e aumentam os níveis das agressões", afirmou Randolfe.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quinta-feira, 1, que nomeará o secretário de Estado, Marco Rubio, como conselheiro interino de Segurança Nacional para substituir Mike Waltz, que foi indicado para ser embaixador dos EUA na ONU.

Trump anunciou as medidas logo após a divulgação da notícia de que Waltz e seu vice, Alex Wong, deixariam o governo.

"Tenho o prazer de anunciar que nomearei Mike Waltz como o próximo Embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas. Desde seu tempo de uniforme no campo de batalha, no Congresso e como meu Conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz tem se dedicado a colocar os interesses da nossa nação em primeiro lugar", escreveu Trump nas redes sociais.

"Enquanto isso, o Secretário de Estado Marco Rubio atuará como Conselheiro de Segurança Nacional, mantendo sua forte liderança no Departamento de Estado. Juntos, continuaremos a lutar incansavelmente para Tornar a América, e o mundo, seguros novamente."

Existe um precedente para o Secretário de Estado servir simultaneamente como Conselheiro de Segurança Nacional. Henry Kissinger ocupou ambos os cargos de 1973 a 1975.

Signalgate

Ex-deputado republicano da Flórida, Waltz ganhou atenção internacional em março após incluir por engano o editor-chefe da revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg, em um grupo na plataforma Signal que reunia várias autoridades do país e onde foram discutidos ataques militares de Washington contra os Houthis, no Iêmen.

Depois do papel no 'Signalgate', o conselheiro agora é acusado de deixar a conta no aplicativo Venmo aberta.

O aplicativo tem função de pagamento online, semelhante ao Paywall, mas com funções de redes sociais que permitem que os usuários curtam e compartilhem postagens. Ele está disponível somente nos Estados Unidos.

Decisão

Aliados do núcleo mais extremista de Trump, como Laura Loomer, já criticavam Waltz desde antes do Signalgate. Segundo Loomer, Waltz faz parte de uma ala do Partido Republicano que não está em sintonia com a agenda do presidente americano.

Trump tentou evitar a demissão de Waltz e apoiou o seu conselheiro depois do Signalgate, mas a pressão do núcleo duro do presidente fez a diferença.

Em seu primeiro mandato, Trump teve quatro conselheiros de Segurança Nacional, quatro chefes de gabinete da Casa Branca e dois secretários de Estado.

A mudança de Waltz de conselheiro de Segurança Nacional para indicado a embaixador na ONU significa que ele agora terá que enfrentar o processo de confirmação do Senado, que conseguiu evitar em janeiro.

O processo, que se mostrou difícil para várias das escolhas de Trump para o gabinete, dará aos congressistas, especialmente os democratas, a primeira chance de questionar Waltz sobre sua decisão de compartilhar informações sobre um iminente ataque aéreo americano no Signal./Com Associated Press

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, na sigla em inglês) apresentou nesta quinta-feira uma ação com base na Lei de Falsas Alegações contra três das maiores seguradoras de saúde do país - Aetna Inc. e afiliadas, Elevance Health Inc. (anteriormente conhecida como Anthem) e Humana Inc. - e contra três corretoras de seguros - eHealth, Inc. e uma afiliada, GoHealth, Inc., e SelectQuote Inc. Em nota, o DoJ alega que as seguradoras pagaram milhões de dólares em propinas ilegais às corretoras em troca da inscrição de beneficiários em seus planos do Medicare Advantage, de 2016 até pelo menos 2021.

Após o anúncio, as ações das seguradoras de saúde mencionadas operavam em forte queda em Nova York.

No programa, os beneficiários do Medicare podem optar por se inscrever em planos de saúde oferecidos por seguradoras privadas, como Aetna, Anthem e Humana. "Em vez de atuarem como consultores imparciais, os corretores réus teriam direcionado os beneficiários para os planos das seguradoras que pagavam os maiores subornos, independentemente da adequação desses planos aos beneficiários", explicou o DoJ no comunicado.

Além disso, o Departamento alega que a Aetna e a Humana conspiraram com os corretores para discriminar beneficiários do Medicare com deficiência, vistos como menos lucrativos. "Supostamente, essas seguradoras ameaçaram reter pagamentos para pressionar os corretores a inscrever menos beneficiários com deficiência em seus planos", segundo o DoJ. Em resposta a esses incentivos financeiros, os corretores ou seus agentes teriam rejeitado encaminhamentos de pessoas com deficiência e as direcionado estrategicamente para fora dos planos da Aetna e da Humana, acrescentou.

"É, no mínimo, preocupante que beneficiários do Medicare tenham sido supostamente levados a escolher planos que não eram necessariamente os melhores para eles - mas sim para as seguradoras", disse no comunicado a procuradora federal Leah B. Foley, do Distrito de Massachusetts. "As alegações de que beneficiários foram afastados intencionalmente devido às suas deficiências, por serem considerados menos lucrativos, são ainda mais repulsivas", afirmou.

Um juiz federal proibiu nesta quinta-feira, 1, o governo Trump de deportar qualquer venezuelano do sul do Texas sob uma lei de guerra do século 18 e disse que a invocação da Lei de Inimigos Estrangeiros pelo presidente republicano era "ilegal".

O juiz Fernando Rodriguez Jr, do Tribunal Distrital dos EUA, é o primeiro juiz a decidir que a Lei de Inimigos Estrangeiros não pode ser usada contra pessoas que, segundo o governo republicano, são membros de gangues que invadem os Estados Unidos.

"Nem o Tribunal nem as partes questionam que o Poder Executivo possa determinar a detenção e a remoção de estrangeiros que se envolvam em atividades criminosas nos Estados Unidos", escreveu Rodriguez, que foi nomeado por Trump em 2018. Mas, disse o juiz, "a invocação da Lei de Inimigos Estrangeiros pelo presidente por meio da Proclamação excede o escopo do estatuto e é contrária ao significado claro e comum dos termos do estatuto".

Em março, Trump emitiu uma proclamação alegando que a gangue venezuelana Tren de Aragua estava invadindo os EUA. Ele afirmou ter poderes especiais para deportar imigrantes, identificados por seu governo como membros de gangues, sem os procedimentos judiciais habituais.

Histórico

A Lei de Inimigos Estrangeiros só foi usada três vezes na história dos EUA, mais recentemente durante a 2ª Guerra Mundial, quando foi invocada para prender nipo-americanos suspeitos.

A proclamação desencadeou uma onda de litígios, enquanto o governo tenta enviar imigrantes que alegava serem membros de gangues para uma prisão em El Salvador.

A decisão de Rodriguez é significativa porque é a primeira liminar permanente formal contra o governo pelo uso da Lei de Inimigos Estrangeiros.

"A Proclamação da lei não faz referência e de forma alguma sugere a existência de uma ameaça de um grupo organizado e armado de indivíduos entrando nos Estados Unidos sob a direção da Venezuela para conquistar o país ou assumir o controle de uma parte da nação", afirmou Rodriguez. "Portanto, a linguagem da Proclamação não pode ser interpretada como descrevendo conduta que se enquadre no significado de 'invasão' para os fins da Lei de Apelações de Nova Orleans."

Se o governo refutar a ordem do juiz, recorrerá primeiro ao Tribunal de Apelações do 5º Circuito dos EUA, com sede em Nova Orleans. Este tribunal está entre os tribunais de apelação mais conservadores do país e também decidiu contra o que considerou um exagero em questões de imigração por parte dos governos Obama e Biden. Nesses casos, os governos democratas buscaram facilitar a permanência de imigrantes nos EUA.

O governo, como já fez em outros casos que contestam sua visão expansiva do poder presidencial, poderia recorrer a tribunais de apelação, incluindo a Suprema Corte dos EUA, na forma de um pedido de suspensão emergencial pendente de recurso.

Litígios

A Suprema Corte já se pronunciou uma vez sobre a questão das deportações sob a Lei de Apelação de Emergência (AEA). Os juízes afirmaram que os imigrantes supostamente membros de gangues devem ter um "prazo razoável" para contestar sua remoção do país. O tribunal não especificou o prazo.

O caso do Texas é apenas uma parte de um emaranhado de litígios desencadeado pelo entendimento de Trump em usar diversas leis para realizar deportações em massa nos Estados Unidos.

A ACLU (União Americana para Direitos Civis) inicialmente entrou com uma ação em Washington para bloquear as deportações. O Juiz Distrital dos EUA, James E. Boasberg, emitiu uma suspensão temporária das remoções e ordenou que o governo retornasse os imigrantes que haviam sido transferidos para El Salvador, mas a ordem foi ignorada pelo governo republicano./Com Associated Press