A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu nesta terça, 22, pela possibilidade de retroação do dispositivo da lei anticrime que estabelece a necessidade de manifestação da vítima para o prosseguimento de acusação por estelionato. Assim, o entendimento é o de que a lei pode beneficiar réus denunciados antes da publicação da norma em 2019. É o caso do dono de uma revendedora de automóvel que teve habeas corpus acolhido pela corte, resultando no trancamento da ação penal proposta pelo Ministério Público contra ele.O entendimento fixado pela Segunda Turma é, no entanto, divergente de decisão proferida pela Primeira Turma do Supremo em outubro do ano passado. Tal descompasso chegou a ser lembrado pela ministra Cármen Lúcia durante a sessão desta terça, 22. Na ocasião, os ministros consideraram que se a denúncia foi apresentada antes da publicação da lei anticrime, a manifestação da vítima de estelionato não seria obrigatória.
O caso discutido pela Segunda Turma trata da venda de um carro deixado com dono da revendedora em regime de consignação. Na época, a promotoria podia apresentar denúncia mesmo sem expressa vontade da vítima. As informações foram divulgadas pelo Supremo.
Em voto apresentado no último dia 15, quando o julgamento teve início, o relator, ministro Edson Fachin, se manifestou no sentido de que a mudança introduzida no Código Penal pela lei anticrime 'privilegia a justiça consensual e os espaços de consenso', ponderando que as 'as normas, quando favoráveis ao réu, devem ser aplicadas de maneira retroativa, alcançando fatos do passado, enquanto a ação penal estiver em curso'.
Nessa linha, Fachin entendeu que a modificação da natureza da ação deve retroagir e ter aplicação mesmo em ações penais já iniciadas. Para o ministro, seria o caso de intimar a vítima para que ela dissesse se tem interesse no prosseguimento da ação, no prazo de 30 dias.
O relator também destacou que, de acordo com os autos, foi assinado termo por meio do qual a vítima dá ampla, geral e irrestrita quitação ao acusado. O acordo foi celebrado antes mesmo do recebimento da denúncia pelo juiz de primeiro grau.
Os ministros Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques acompanharam Fachin, no sentido que a regra deve ser aplicada em investigações e processos em andamento, ainda que iniciados antes da sua vigência. No entanto, Kassio considerou que, no caso em questão, o processo deveria ser trancado porque a denúncia deixou de identificar todos os elementos essenciais do tipo penal. Já Gilmar ressaltou o termo em que se acertou a devolução do bem e o estorno do valor pago. Nessa linha, o ministro considerou que o acordo deveria ser considerado indicativo objetivo e seguro do não interesse da vítima na persecução penal.
A ministra Cármen Lúcia lembrou que a Primeira Turma havia decidido o tema de forma diferente, mas levou em consideração, no caso, o princípio da máxima efetividade do Direito e das garantias individuais e fundamentou seu voto no princípio da norma penal mais benéfica ao acusado.
Apesar de chegar à mesma conclusão pela concessão do habeas corpus, o ministro Ricardo Lewandowski ponderou que o caso trata de conflito de natureza civil, pois, com a celebração do acordo, não há dolo. Para ele, instigar a vítima a apresentar representação é comportamento proibido no Direito. Assim, o ministro sugeriu o trancamento da ação com base na ausência de justa causa.
Segunda Turma do Supremo admite retroação da lei anticrime para estelionato
Tipografia
- Pequenina Pequena Media Grande Gigante
- Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
- Modo de leitura