A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, nesta quarta-feira, 16, tornar obrigatória a retenção da receita médica na compra de medicamentos como Ozempic, Wegovy e similares, indicados para o tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade.
A medida, aprovada por unanimidade na reunião pública da diretoria colegiada, amplia o controle sobre a venda desses produtos - hoje, a exigência é de apresentação da prescrição no momento da compra.
Na prática, as farmácias não poderão mais devolver a receita ao consumidor: o documento ficará retido, como ocorre com antibióticos e remédios controlados. A validade das receitas será de até 90 dias a partir da data de emissão.
"Essa medida tem como objetivo proteger a saúde da população brasileira, especialmente porque foi observado um número elevado de eventos adversos relacionados ao uso desses medicamentos fora das indicações aprovadas pela Anvisa", informou a agência em nota.
A decisão entrará em vigor 60 dias após a publicação no Diário Oficial da União da alteração na resolução nº 471/2021, na qual também passarão a constar os medicamentos agonistas do GLP-1, categoria que inclui a semaglutida, liraglutida, dulaglutida, exenatida, tirzepatida e lixisenatida.
Desvio de finalidade
Segundo dados apresentados na reunião por Thamires Capello, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, 45% das pessoas que usam medicamentos à base de semaglutida ou tirzepatida não possuem prescrição médica. "E, dentro desse grupo, 73% relatam nunca ter recebido qualquer orientação profissional", afirmou.
Ainda de acordo com o levantamento, 56% dos usuários utilizam os fármacos com o objetivo de emagrecimento, sendo que 37% não apresentam sobrepeso ou obesidade - o que revela um desvio de finalidade. "A banalização do uso compromete o acesso para quem realmente precisa", completou Thamires. Mais da metade daqueles que realmente necessitam dos produtos (54%) relatou dificuldade de encontrar o medicamento nos pontos de venda.
Durante a reunião, Renato Alencar Porto, representante da Interfarma, reforçou a necessidade de revisar a atual regulamentação. "A norma vigente já não é suficiente para conter o uso indevido. Estamos vendo campanhas publicitárias direcionadas ao público geral, o que é um descumprimento claro das regras sanitárias", afirmou.
Ele também chamou atenção para o aumento expressivo na importação ilegal de insumos farmacêuticos ativos, o que indica uma possível produção em larga escala, excedendo os limites do uso individual. "Entre 2023 e 2025, o Brasil importou 17,8 kg de semaglutida, quantidade suficiente para produzir cerca de 4 milhões de canetas de Ozempic. Já da tirzepatida, que sequer foi aprovada no País, foram 10 milhões de doses, o que daria quase 2 milhões de canetas", disse.
Discussão foi adiada duas vezes
A obrigatoriedade da retenção da prescrição para remédios da classe dos agonistas do GLP-1 começou a ser debatida em novembro do ano passado. À época, o diretor-presidente substituto da Anvisa, Rômison Rodrigues Mota, pediu vista e o debate foi adiado para março.
No mês passado, porém, a questão voltou a ser postergada pela necessidade de "aprofundamento técnico". "Em respeito ao princípio da cautela e da responsabilidade, que este colegiado deve zelar, e para que eu possa revisar essas informações e trazer para a deliberação deste colegiado uma proposta não apenas fundamentada, mas também justa e tecnicamente exequível, informo aos diretores e aos demais que estou retirando este item de pauta", informou Mota na ocasião.
A demora gerou críticas de médicos e entidades de classe. Para eles, a retenção da receita seria uma atitude bem-vinda e a indefinição acabaria prejudicando os pacientes.