Prefeitura faz moradores de rua desmontarem barracas durante o dia

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A mochila do ajudante geral Rodrigo Silva estava mais pesada que o normal nesta sexta-feira, na Praça da Sé, região central de São Paulo. Além de duas camisetas e uma bermuda, ela tinha a missão de guardar a barraca onde vive o cearense de 32 anos. Obviamente não coube, metade ficou para fora. Rodrigo conta que vai esperar a "poeira baixar" para instalar a barraca de novo.

A poeira foi levantada na quinta-feira, quando a Prefeitura de São Paulo realizou um movimento para impedir o uso das barracas de camping na região da Sé durante o dia, de acordo com os moradores de rua. As moradias improvisadas só podem ser armadas à noite. Com isso, as pessoas ficaram perambulando pelas ruas do centro ou decidiram se deslocar para outros bairros, como Canindé e Bom Retiro.

Essa ação ocorre três dias depois de o prefeito Ricardo Nunes (MDB) ter declarado que vai remover as barracas. "A gente precisa ter uma ordenação na cidade, uma organização. Nunca pôde ter barraca (pela legislação). Houve uma exceção durante a pandemia. A Prefeitura está dando as condições para as pessoas se deslocarem para os locais de acolhimento com dignidade", afirmou o prefeito. "Estamos ampliando nossos acolhimentos a médio e longo prazo."

Além disso, o novo subprefeito da Sé, coronel Álvaro Batista Camilo, propôs a remoção de barracas de pessoas que negarem oferta de acolhimento - a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito civil para investigar as orientações.

Na quinta-feira, a intervenção do poder municipal se estendeu pela Praça da Sé e pelo Pátio do Colégio. Locais próximos, como o Largo de São Bento e a Praça do Patriarca, ainda abrigavam fileiras de barracas. A marquise do Minhocão, onde se concentram dezenas de pessoas em situação de rua, também permanece ocupada pelas moradias improvisadas.

Moradores na região contam que a ação foi tensa, mas não houve conflito, todos desmontaram as moradias. Rodrigo teme que a Prefeitura não permita o retorno para aquelas ruas nem no período noturno, como foi anunciado pelos funcionários da Prefeitura.

Com o mesmo medo, outros decidiram procuram outro lugar para morar, como a dona de casa Angela Pereira, de 35 anos. Vivendo nas ruas do centro há três meses, depois de se divorciar do marido, ela carregava as roupas e a barraca em direção ao Canindé. "A barraca é minha casa agora", conta.

Normalmente associadas ao turismo, as barracas se tornaram o símbolo do crescimento da população de rua em São Paulo. Em dois anos, essa população cresceu 31%, de acordo com a Prefeitura. O último censo apontava 31.884 pessoas nas calçadas, praças ou sob viadutos. As moradias refletem um novo perfil: famílias que perderam emprego durante a pandemia e não conseguem mais pagar aluguel. Elas cresceram 230% entre 2019 e 2021, de acordo com a Prefeitura. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram relatados 6.778 pontos.

CRÍTICAS

A iniciativa da Prefeitura provocou reações contrárias. O deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) entrou com representação no Ministério Público de São Paulo nesta quarta-feira para impedir a retirada das barracas. Além de citar o prefeito Ricardo Nunes, Boulos menciona o subprefeito da Sé, coronel Alvaro Batista Camilo (PSD), que informou que as equipes de fiscalização voltarão a recolher barracas de moradores de rua e, se for preciso, será usada munição química, em entrevista ao site Metrópoles. "A ideia é trabalhar com inteligência para evitar que chegue ao ponto de ocupar o território. Vai chegar o momento que vai precisar usar munição química? Vai", disse Camilo.

Não há vagas para acolher todas as pessoas em situação de rua. Essa é a opinião do padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo e que há anos realiza ações de acolhimento à população em situação de vulnerabilidade. "As pessoas estão perambulando e mudando de local. Elas não têm para aonde ir. Onde são as casas para a população de rua morar?"

O sociólogo Paulo Escobar vê na ação do poder municipal uma tentativa de apagamento da pobreza da capital paulista. "Para quem não tem casa, a barraca é sua moradia. É uma política higienista, vertical e que não ouve o morador de rua, que é uma população plural e diversa. É mais do mesmo, uma ação sem uma política de moradia", critica o membro do Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga.

ZELADORIA

Em nota, a Subprefeitura Sé informa que "não se trata de operação específica, mas de ação de zeladoria que ocorre rotineiramente em todas as regiões da cidade". "Para a população em situação de rua, além da oferta de acolhimento, abrigamento, alimentação e de serviço de saúde, a gestão municipal também cumpre o decreto 59.246/2020, que compatibiliza o direito da população que vive em situação de rua com a necessidade de limpeza, manutenção e fluidez do espaço urbano." O poder municipal informa que não são recolhidos bens pessoais.

O decreto define também o que pode ou não ser objeto de apreensão. Poderão ser recolhidos objetos que caracterizem estabelecimento permanente no local público, principalmente quando impedir a livre circulação de pedestres e veículos, tais como camas, sofás, colchões e barracas montadas ou outros bens duráveis que não se caracterizem como de uso pessoal. A SMSUB informa que "repudia abusos e quando há denúncias estas são averiguadas e arbitrariedades são punidas de acordo com a lei e de forma administrativa". "Os profissionais que atuam no serviço diariamente são orientados sobre os princípios da lei e o respeito ao cidadão."

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social pontua que, no mês de janeiro de 2023, realizou 691 atendimentos na Praça da Sé e arredores. Desses, 396 resultaram em encaminhamentos para os serviços de acolhimento, 70 para Núcleos de Convivência e 225 orientações para serviços da rede socioassistencial. Durante as abordagens são ofertados encaminhamentos aos serviços da rede socioassistencial da Prefeitura, bem como apresentadas as demais políticas públicas do Município, com o objetivo de criar vínculo, promover a saída das ruas e o retorno familiar.

Em 2022, o governo do Estado de São Paulo ofertou seis prédios da antiga Fundação Casa para a criação de mais 600 novas vagas para a população em situação de rua. As duas primeiras unidades, cada uma com capacidade para 100 vagas destinadas a famílias, foram entregues nos meses de agosto e setembro, no Itaim Paulista, zona leste. Em 2023, serão entregues outros quatro equipamentos que funcionarão em antigos prédios da Fundação Casa.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.