Com um ano de pandemia, Brasil chega a 250 mil mortes e vive pior fase da doença

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Doze meses depois do registro do primeiro caso da covid-19, o Brasil superou nesta quarta-feira, 24, a marca de 250 mil mortos e vive a pior fase da doença, com pico de internações e com ritmo lento de vacinação. Para tentar frear o vírus, prefeitos e governadores voltaram a adotar restrições rígidas. Especialistas afirmam que ainda não há controle sobre a pandemia.

Até as 18h desta quarta-feira, foram registradas 250.036 mortes, conforme levantamento feito pelo consórcio de imprensa junto às secretarias estaduais de saúde. Só nas últimas 24 horas foram 1.390 mortos. E o total de vítimas da pandemia no Brasil pode ser ainda maior, considerando a subnotificação e outros óbitos que ainda aguardam confirmação dos testes para a covid-19. Desde que ocorreu a primeira morte pela doença, o País perdeu o equivalente às populações da cidade de Marília (SP) ou de Novo Hamburgo (RS).

O Brasil vive o pior momento da pandemia. Desde o dia 21 de janeiro, o País apresenta média de mais de mil mortes provocadas pela covid-19. Isso significa 34 dias consecutivos. Este é o período mais longo no qual o país registra média diária acima de mil mortes pela doença causada pelo novo coronavírus. Até então, a marca anterior era de 31 dias, entre 3 de julho e 2 de agosto de 2020.

"Além de os dados já apontarem para uma piora com relação ao momento mais crítico de 2020, a tendência é de aumento dos índices epidemiológicos. Existe o temor da circulação de novas cepas, mais agressivas e que com maior capacidade de disseminação", avalia Wallace Casaca, matemático da Unesp e um dos responsáveis pela plataforma SP Covid-19 Info Tracker, que projeta infecções, óbitos e recuperados em São Paulo.

As variantes representam um novo desafio. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil já identificou novas cepas em exames de 204 pacientes. São 20 casos da variante do Reino Unido e 184 da brasileira, originada no Amazonas. Não há casos confirmados de infectados com a variante da África do Sul. O levantamento foi feito pela Secretaria de Vigilância em Saúde a partir das notificações recebidas pelas secretarias estaduais da saúde. Os dados foram contabilizados até 20 de fevereiro.

Quando o País atingiu 100 mil mortos, no dia 8 de agosto do ano passado, a média móvel de vítimas indicava um início de queda. Parecia que a situação começaria a melhorar. Cidades e Estados flexibilizaram restrições à circulação, e muitos hospitais de campanha foram desmontados. No mês de outubro, na marca dos 150 mil, o cenário era semelhante. O Brasil ultrapassou a marca num momento em que o pico da doença estava em queda havia um mês e meio.

O ritmo de redução, porém, era lento. Ao contrário da Europa, que teve claramente uma primeira e uma segunda ondas, o número de novas infecções e óbitos nunca arrefeceu no Brasil. Hoje, a curva de casos e mortes continua ascendente.

A gravidade espelhada pelos dados estatísticos ganha contornos reais nos quatro cantos do País. Nos primeiros 54 dias do ano no Amazonas, o número de mortes por covid-19 já ultrapassou o total do ano passado. A marca foi alcançada na última terça-feira, 23, com 5.288 mortes só neste ano (parte delas ocorreu no ano passado e foi diagnosticada após investigação). De março a dezembro de 2020, foram registrados 5.285 óbitos.

No Rio Grande do Sul, as UTIs dos cinco maiores hospitais de Porto Alegre não têm mais vagas. São eles: Moinhos de Vento, Mãe de Deus, Ernesto Dornelles, Independência e Restinga. Segundo a prefeitura, 84 pacientes esperam por leitos. Nesta quarta-feira, 1.233 pessoas estão internadas na capital gaúcha. É o maior número desde o início da pandemia. Nos 299 hospitais do estado, o porcentual de ocupação de vagas nas UTIs é de 87%, o maior percentual já registrado desde o começo da pandemia.

Números tão expressivos, como o de 250 mil mortos, deixam ensinamentos. Ou indicam que as lições não foram aprendidas. Para a microbiologista Natália Pasternak, os números mostram que o Brasil aprendeu pouco durante um ano de enfrentamento à pandemia. "Enquanto o mundo inteiro juntou conhecimento sobre o vírus e a transmissão da doença, estamos num ritmo de transmissão acelerado. Grande parte da população nega a gravidade da pandemia e a própria pandemia. Aglomerações em bares, restaurantes e festas oferecem condições propícias para o vírus se espalhar ainda mais. Esses 250 mil mortos são um símbolo da nossa incapacidade de gerir a pandemia no Brasil. A gente aprendeu muito pouco em um ano", afirma a presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).

O sentimento é compartilhado por Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). "Essa marca significou o coroamento do nosso fracasso no enfrentamento da pandemia no País. Diferentemente de outros países, a gente não tem o comando central do País para tentar uma guinada no tratamento da doença. A gente continua na mesma caminhada e, por isso, não temos como chegar a um lugar diferente", alerta.

Lenta vacinação

A urgente vacinação de toda a população é vista como a única estratégia para começar a mudar esse cenário. É o que indicam as experiências de outros países. Estudos de instituições científicas de Israel revelam que os casos e hospitalizações por conta da doença caíram drasticamente em apenas algumas semanas entre os vacinados com a primeira dose.

Em um deles, do Instituto de Ciência Weizmann, os pesquisadores descobriram que o número de novos casos caiu 41% em comparação com três semanas antes. A pesquisa partiu das estatísticas nacionais de saúde para pessoas com 60 anos ou mais que receberam a vacina da Pfizer/BioNTech. Israel se tornou uma espécie de laboratório mundial para o combate à covid-19 devido à velocidade de sua campanha de vacinação. O tamanho desse impacto, no entanto, ainda precisa ser determinado.

Nos Estados Unidos, mais de 61 milhões de pessoas foram vacinadas, cerca de 13% da população elegível. Com isso, o país registrou queda de 44% na média móvel de novos casos e de 35% na média de mortes. Os dados são do monitoramento do jornal The New York Times.

No Brasil, o atraso nas compras de vacina, insumos e no registro dos produtos, além da falta de uma coordenação nacional da logística, preocupam os especialistas. Enquanto outros países têm uma ação efetiva para controlar a pandemia com as campanhas de vacinação, o Brasil vive a angústia da falta de imunizantes.

O Município do Rio de Janeiro, por exemplo, retoma nesta quinta-feira, 25, a vacinação para idosos em geral. Por falta de doses, a campanha estava suspensa desde a quarta-feira passada, 17. É como se o país, mesmo sendo um grande produtor agrícola, estivesse passando fome, compara Rodrigo Stabeli, pesquisador da Fiocruz e professor de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), referindo-se à grande capacidade de vacinação do País.

Comparando a velocidade da vacinação no Brasil com a de outros países, Casaca avalia que o País fica para trás na comparação do porcentual da população vacinada. "Em termos de imunização absoluta, o Brasil está abaixo de países como EUA, Reino Unido e Índia, mas acima de referências como Israel", analisa. Por outro lado, quando analisamos os dados relativos ao percentual da população imunizada em cada país, os números do Brasil são ainda bastante tímidos e preocupantes. No cenário de cobertura vacinal da população, o Brasil é um dos últimos nessa corrida", avalia.

Para recuperar esse terreno, Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, avalia que as próximas semanas devem ser focadas em estabelecer acordos relevantes para aquisição de vacinas. "A gente precisa conseguir maior número de doses. Não é 1 milhão ou 2 milhões aqui. Precisamos de acordos grandes com empresas que possam produzi-las ainda no primeiro semestre. Não tivemos vontade política para fazer acordos no momento certo. Não temos perspectiva real de controle para a doença para oferecer à população, perspectiva que pode ser vista em outros países que já estão se vacinando", diz o especialista.

Diante da escassez de vacinas e do aumento de casos e mortes por covid-19, prefeitos e governadores estão adotando medidas mais restritivas de circulação para conter aglomerações e a disseminação do vírus.

Atualmente, quatro estados adotam o toque de recolher (Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul e Paraná). O Estado de São Paulo vai adotar a medida a partir desta sexta-feira até o dia 14 de março. Segundo o governo estadual, a medida terá como foco a autuação de pessoas que promovam aglomerações, especialmente as de maior porte, com mais de 100 pessoas. Dentro do Estado, municípios como São Bernardo, também adotaram a restrição.

Outras cidades foram além. Depois de registrar cinco mortes pela covid-19 na sexta-feira, 19, em mais um dia de UTIs lotadas, a prefeitura de Araraquara (SP) decidiu decretar lockdown total. Devem permanecer fechados bancos, indústrias, supermercados, postos de combustíveis e todo comércio, além dos serviços públicos não essenciais.

Com isso, cidadãos e veículos estão proibidos de circular pelas ruas, exceto em casos de emergência. Nesta terça-feira, a medida foi prorrogada por mais 78 horas. O município também pediu ajuda ao Exército no combate à covid-19. Uma equipe do 13º Regimento de Cavalaria Mecanizada (13º RCMec), sediado em Pirassununga, circula pelas ruas da cidade para fiscalizar o cumprimento do bloqueio.

Os especialistas concordam com as medidas de restrição. "Se a gente não tomar decisões duras ainda no mês de fevereiro, teremos um péssimo mês de março", diz Carlos Lula, presidente do Conass. "É preciso pensar nas restrições no contexto de uma circulação maior das variantes do vírus", afirma Julio Croda, médico infectologista, pesquisador da Fiocruz e ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

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