Transmissão descontrolada de vírus pode fazer do Brasil 'celeiro' de variantes

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A disseminação sem controle do novo coronavírus no Brasil está deixando cientistas nacionais e estrangeiros em alerta sobre o impacto que isso pode ter sobre a pandemia como um todo, em especial no surgimento de novas variantes do Sars-CoV-2. Uma preocupação é que o País se torne uma espécie de "celeiro" de mutações, dificultando ainda mais o combate à covid-19.

Quanto mais o vírus circula, e se replica dentro dos seres humanos, maior a chance de ele acumular mutações e gerar novas variantes. É um processo que faz parte da natureza desse organismo, mas é favorecido em cenários de descontrole como o que vemos no Brasil, que enfrenta o pior momento da pandemia em um ano em meio a um relaxamento das medidas de segurança. Enquanto o número de casos e de mortes vem caindo em várias partes do mundo, aqui só tem subido.

Somente nesta quarta-feira, 3, foram registrados mais de 74 mil novos casos, o maior valor em todo o mundo, e 1.840 mortes, recorde desde o início da pandemia no País. Os Estados Unidos tiveram cerca de 60 mil novas infecções.

Nesse movimento de evolução do vírus, de vez em quando podem aparecer variantes muito diferentes, como é o caso da P.1, que surgiu em Manaus, e também das originadas no Reino Unido e na África do Sul. Por causa disso elas são chamadas de VOCs (variantes de preocupação, na sigla em inglês). Em geral, sabe-se que vírus, no decorrer de uma epidemia, podem apresentar de uma a duas mutações por mês. No caso da P.1 e das demais, foram cerca de 20 de uma tacada só. Por isso elas preocupam.

O motivo para isso ocorrer ainda não é bem compreendido pela ciência. São como os acidentes de avião, compara a imunologista Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da USP. "É uma sucessão de eventos raros. Há milhares de aviões no ar e uma hora ocorrem vários erros e um cai. Mas quanto mais aviões estiverem no ar, maior a chance. Ter 20 mutações em um mês é inesperado. Alguma coisa aconteceu e a gente não entende bem", afirma.

A cientista - que está colaborando com estudos que buscam entender a transmissibilidade da P.1 e como ela pode escapar de anticorpos, permitindo assim a reinfecção - pondera, no entanto, que a variante só se torna um problema quando, além de adquirir muitas mutações, ganha espaço para infectar muitas pessoas. "A P.1 é realmente mais transmissível. Se não tomar cuidado, a chance é maior de se contaminar com ela", diz.

Ainda não há evidências para dizer se esta variante tomou conta da epidemia no Brasil nem se é a responsável pela explosão de novos casos observada na maior parte do País. Sabe-se que a P.1 é a principal linhagem em Araraquara (interior de São Paulo) e em Porto Alegre - cidades que viram seus sistemas de saúde lotarem -, e em Manaus, onde o colapso dos hospitais levou pacientes a morrerem por falta de oxigênio. Apesar do avanço das variantes, o Brasil reduziu no começo do ano o número de sequenciamentos genéticos, essencial para rastrear as cepas.

O virologista Mauricio Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, reforça a ressalva feita por Ester de que o simples fato de a variante com mais mutações surgir não pode ser considerada a única explicação para o cenário de caos que se instalou no País."Estamos dando oportunidade para esse acaso acontecer", afirma ele.

"É muito conveniente para a sociedade, políticos e autoridades afirmarem que a culpa é da variante mais transmissível. Como se tivessem feito tudo para conter o problema, mas a variante tomou conta da cidade. Se tivéssemos tomado as medidas de segurança, não teria acontecido. A forma de prevenir é a mesma: distanciamento social e uso de máscara. O fato é que damos toda a oportunidade do mundo para que o vírus gere a maior quantidade do mundo de mutações", diz.

Nogueira explica que o surgimento das variantes é matemático. "A cada X multiplicações, vai ter mutação. Quanto mais multiplicar, mais variantes vai gerar. Agora no Brasil é onde o vírus mais está se multiplicando, é onde já há o maior número de novos casos por dia. Se essa variante tem a oportunidade de ser transmitida quando a pessoa onde a mutação surgiu pega um avião lotado, vai ao cinema, ao restaurante... aí estamos nos tornando um celeiro de variantes e distribuindo-as à vontade dentro do País", alerta.

Para o virologista Felipe Naveca, pesquisador da Fiocruz Amazônia à frente dos estudos que mostraram a prevalência da P.1 em Manaus e como a linhagem é mais transmissível, esse é um risco que pode ocorrer onde houver o descontrole.

"O Brasil e todos os países que deixaram o vírus correr solto estão sendo incubadoras de novas variantes. Relatos nesta semana apontam para mais duas prováveis novas variantes de preocupação nos Estados Unidos: na Califórnia e em Nova York. Em todos os países com esse discurso de que devemos deixar o vírus circular para dar imunidade (de rebanho), a gente está vendo o que está acontecendo", comenta.

De acordo com o pesquisador, nos últimos três ou quatro meses houve aceleração da evolução do vírus. "Isso está claro. Não somos só nós, todos os grupos de pesquisa estão mostrando isso. O surgimento da linhagem do Reino Unido, da África do Sul e do Brasil - com algumas mutações em comum relacionadas ao escape de anticorpos e a maior transmissão - mostram que o vírus deu um salto de evolução", diz Naveca.

"Então, a chance de termos novas variantes cada vez mais adaptadas ao ser humano é muito grande se a gente continuar dando essa liberdade para o vírus. A gente precisa urgentemente diminuir a transmissão do vírus", frisa.

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A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.