Berlim e o cine conectado à covid

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Para quem está com problemas de se manter produtivo e criativo durante a pandemia, foi um tapa na cara a seleção do 71º Festival de Berlim, que encerrou na sexta-feira sua fase virtual, na esperança de realizar uma versão ao vivo em junho. Mesmo com a produção audiovisual semiparalisada há mais de um ano, cineastas do mundo inteiro conseguiram escrever, filmar ou adaptar projetos em plena crise da covid-19.

O vencedor do Urso de Ouro é um deles. Bad Luck Banging or Loony Porn, do romeno Radu Jude, resolveu assumir as máscaras, fazendo uma produção que vai ficar marcada pelo seu tempo. O diretor fazia questão que fosse assim. "Eu até entendo cineastas que querem realizar filmes eternos, mas sou totalmente contra porque eu quero que o filme seja de sua época e do seu lugar", disse ele em entrevista com a participação do Estadão.

Cada diretor lidou com os desafios deste ano difícil de maneira diferente. Ganhador do Grande Prêmio do Júri, Wheel of Fortune and Fantasy, de Ryusuke Hamaguchi, foi rodado parcialmente depois do período de confinamento no Japão. Hamaguchi já tinha filmado as duas primeiras partes, mas faltava a terceira. A sorte é que todas elas têm poucos atores, mas a equipe diminuiu ainda mais. "E eu acrescentei uma coisa meio de ficção científica na trama", disse Hamaguchi. No caso, um vírus de computador.

O sul-coreano Hong Sang-soo, que levou o Urso de Prata de roteiro, também rodou seu Introduction pós-pandemia. Mas a única referência à covid-19 é a cena em um restaurante - sempre obrigatória nos filmes do cineasta - em que os personagens comentam que ele está sempre vazio agora.

Também exibido em competição, Memory Box, dos libaneses Joana Hadjithomas e Khalil Joreige, fala da Guerra do Líbano nos anos 1980 e se baseia em uma experiência real dos diretores - na adolescência, Joana escreveu diários e trocou cartas e fitas com uma amiga que havia deixado o país, enquanto Joreige fotografou Beirute na época do conflito. Mesmo assim, o longa ecoa tanto a pandemia quanto a explosão no porto da cidade, que deixou mais de 200 mortos e chocou o mundo. "É muito estranho porque estamos falando do período da guerra, mas o filme é confinado, e aí de repente todo o mundo estava revirando as coisas em casa durante a covid-19", disse Joreige.

Exibido fora de competição, em sessão especial, Language Lessons, de Natalie Morales, não é sobre a pandemia. "Mas não existiria se não fosse ela", disse a diretora. O filme também foi inspirado numa história que aconteceu com o ator Mark Duplass, que no confinamento decidiu aprender espanhol para ajudar uma escola guatemalteca à beira da falência. Logo, ele estava discutindo assuntos profundos com sua professora. No longa, Adam (Duplass) contrata a costa-riquenha Cariño (Morales) para aulas de espanhol online. O filme foi quase inteiramente feito no Zoom, com cada um cuidando de seu próprio figurino e maquiagem.

A francesa Céline Sciamma, que apresentou Petite Maman na competição, e o canadense Denis Côté, de Social Hygiene, também enxergaram na pandemia uma oportunidade. Os roteiros já estavam escritos. "Achei que ele era mais relevante do que nunca", disse Sciamma em coletiva de imprensa. Petite Maman começa com a morte da avó de Nelly. A menina ajuda a mãe Marion a encaixotar seus pertences, até que, num passeio pela floresta, encontra Marion em versão criança. O filme fala de perda, luto, herança, memória.

Já o bem-humorado Social Hygiene, que rendeu a Côté um prêmio de direção da seção Encontros, parece um filme sobre a pandemia. Antonin (Maxim Gaudette) é um bon vivant transformado em ladrão e fonte de decepção para cinco mulheres em sua vida: sua irmã Solveig (Larissa Corriveau), sua mulher Églantine (Evelyne Rompré), sua amante Cassiopée (Eve Duranceau), a coletora de impostos Rose (Kathleen Fortin) e uma das vítimas de seus crimes, Aurore (Éléonore Loiselle). Os personagens, às vezes, usam roupas de época, mas fazem referências a coisas modernas, como o Facebook. Os diálogos, em geral entre Antonin e um personagem, se dão ao ar livre, com grande distanciamento.

Mas, incrivelmente, Social Hygiene nasceu bem antes da pandemia, quando Côté passou férias em Sarajevo. Sem conhecer ninguém na cidade, ele acabou escrevendo um roteiro sobre distanciamento social, antes de virar obrigatório. "Acreditem em mim: escrevi essa história, com esse título, em 2015", contou o diretor ao Estadão. Em maio do ano passado, sua amiga Larissa Corriveau perguntou se ele não tinha nada que pudesse ser feito naquele momento. O diretor se lembrou das páginas de cinco anos antes, mas precisou ser convencido. Côté nega veementemente que se trate de um filme de pandemia. "Acho a covid-19 deprimente e extremamente chata. Posso me projetar daqui a seis meses ou um ano e acho que não vamos falar mais sobre isso, vai ser uma coisa do passado, a não ser, claro, para quem foi diretamente afetado."

No caso da diretora chinesa Shengze Zhu, a pandemia era algo pessoal. Hoje baseada nos Estados Unidos, ela nasceu e foi criada em Wuhan, o primeiro epicentro da pandemia. A River Runs, Turns, Erases, Replaces, exibido na seção Fórum, era um projeto de documentação das transformações radicais na paisagem de sua cidade natal a partir do rio, central na vida de seus moradores. "Wuhan foi ficando irreconhecível para mim cada vez que eu voltava para lá", explicou ela.

"Pensei que uma mudança tão vertiginosa poderia causar problemas."

Shengze Zhu começou a rodar em 2016 e planejava finalizar em 2021. Mas, quando a covid-19 tomou a cidade, ela achou que seu plano não fazia mais sentido. "Embora as imagens sejam as que eu tinha capturado antes, a maneira como editei está bem distante do projeto original. O que aconteceu no ano passado teve profunda influência em mim e nos habitantes." A diretora incluiu depoimentos em formato de cartas de gente que perdeu marido, pai, irmão para a doença. "O filme já era sobre mudança e perda. A pandemia só reforçou esse sentido."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Airyn De Niro, filha do ator Robert De Niro e da atriz Toukie Smith, decidiu contar sua própria história como mulher trans negra. Aos 29 anos, ela falou à revista Them sobre sua experiência com a transição de gênero, os desafios da autoaceitação e a escolha por trilhar uma trajetória profissional independente.

Durante a conversa, Airyn relatou que sua primeira ida a um salão especializado em cabelos afros marcou um momento importante de transformação. Inspirada pelo visual da atriz Halle Bailey em A Pequena Sereia, ela deixou o local com dreadlocks rosa e, pela primeira vez, sentiu-se confortável com o que via no espelho. "Foi como se tudo se encaixasse", disse. "Senti que era isso que eu deveria estar fazendo."

Dias depois, fotos suas ao lado do pai chamaram atenção da imprensa internacional, que noticiou sua aparência de forma sensacionalista, segundo ela, muitas vezes com informações incorretas ou sem citá-la diretamente. "Há uma diferença entre estar visível e ser vista. Eu estive visível, mas nunca senti que fui realmente vista", desabafou.

Airyn decidiu iniciar o uso de hormônios em novembro de 2024 como parte do processo de transição. "Sempre fui muito feminina, mesmo antes de saber exatamente o que isso significava", contou.

Com o tempo, começou a pensar em como manter essa feminilidade ao envelhecer. "Quem quer ser um homem velho?", questionou. Ela também revelou que, ao ver outras mulheres trans sendo abertas sobre suas experiências, passou a imaginar que talvez não fosse tarde para ela - se referindo a si mesma como uma "late bloomer" (alguém que floresce mais tarde).

Filha de pais famosos, mas criada longe dos holofotes, ela contou ter enfrentado exclusão na adolescência por ser uma jovem negra, fora dos padrões de beleza e com expressão de gênero que fugia ao esperado. "Sempre me diziam que eu era demais ou de menos em alguma coisa: grande demais, pouco magra, pouco negra, pouco branca, muito feminina ou pouco masculina", relembrou. Mesmo com o apoio da família em manter sua vida privada, afirmou ter vivenciado isolamento entre colegas de escola e dificuldade em se reconhecer nas representações midiáticas.

Ela destacou que a transição também a aproximou de referências femininas negras que sempre admirou, como Laverne Cox, Marsha P. Johnson e Michaela Jaé Rodriguez. "A transição também me aproximou da minha negritude. Me sinto mais próxima dessas mulheres quando abraço essa nova identidade", afirmou ela, que diz também se inspirar na própria mãe.

No campo profissional, Airyn tenta construir sua carreira por conta própria, apostando em testes para voz original de videogames e audições para séries, como Euphoria. "Quero que pessoas negras, LGBT+ e de corpos maiores tenham suas próprias referências. Sempre quis modelar, como minha mãe. Estar em uma capa de revista ao lado dela seria um sonho", disse.

Atualmente, ela estuda para se tornar conselheira em saúde mental e deseja oferecer apoio a jovens em situação de vulnerabilidade. "Pessoas negras e LGBT+ precisam de mais acolhimento e acesso a profissionais que entendam suas vivências", afirmou. "É muito benéfico trabalhar com alguém que compartilhe parte da sua experiência."

Ao final da entrevista, ao ser questionada sobre o que gostaria que o público enxergasse nela, Airyn foi direta: "Alguém que está tentando se curar de não ter se sentido bem consigo mesma por muito tempo. E, nesse processo, buscando ajudar outras pessoas a também se sentirem melhor com quem são."

Wagner Moura participou do podcast Dinner's On Me, apresentado por Jesse Tyler Ferguson, o Mitchell de Modern Family, divulgado na última terça-feira, 29.

No episódio, o ator fala sobre a entrada de última hora em Ladrões de Drogas, série da AppleTV+ dirigida por Ridley Scott, relembra o início do relacionamento com a mulher, Sandra Delgado, e comenta sua relação com novelas brasileiras: "Eu amo novelas. Cresci assistindo".

Como Wagner Moura entrou para o elenco de 'Ladrões de Drogas'

Moura contou que foi chamado às pressas para substituir outro ator na série. "Me ligaram na sexta-feira para embarcar no sábado, experimentar o figurino no domingo e gravar na segunda", disse. "Falei: 'Sou um ator sério, gosto de me preparar'. Mas também pensei: talvez isso vá me sacudir de um jeito novo. Fui."

Ele gravou as primeiras cenas praticamente sem conhecer o personagem. "Estava ali escutando o Brian e respondendo, tentando entender o personagem enquanto a câmera rodava. Ridley Scott grava com seis câmeras ao mesmo tempo. Foi mais rápido que novela."

Além de destacar a intensidade do processo, Moura também mencionou como as novelas brasileiras influenciaram sua formação como ator. "Eu amo novelas. Cresci assistindo", afirmou.

Na série, Wagner vive um personagem que se passa por agente da DEA para realizar assaltos com o parceiro, interpretado por Brian Tyree Henry. "Ele é um cara que passa a série inteira tentando sair desse ciclo de violência. Mas, para isso, ele precisa se separar do Ray, que é o personagem do Brian, o amor da vida dele."

Segundo o ator, a série evita estereótipos e aposta em uma abordagem mais sensível. "São dois homens, um latino e um negro. Quando você se aproxima dos personagens, vê que são o oposto do clichê. São pessoas muito vulneráveis, que não querem estar ali."

"Se o sistema não fosse tão brutal, essas pessoas poderiam ter uma vida completamente diferente. Isso me interessou. Os personagens são interessantes, não são aquele clichê de testosterona. Tem muita ternura."

Vida pessoal e volta ao teatro

Na conversa, o ator relembrou como conheceu a mulher, Sandra Delgado. "A gente se conheceu no Carnaval de Salvador. No dia seguinte, ela já estava dormindo lá em casa. Três meses depois, a gente já morava junto."

Eles estão juntos há mais de 20 anos e têm três filhos. "Acho que sou um pai muito melhor agora do que quando tinha 30 anos. Muito melhor", disse.

Além dos projetos para TV, o ator contou que voltará ao teatro com uma adaptação de Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen. "Não é exatamente a peça, mas uma adaptação. Vamos começar no Brasil e depois levar para a Europa - Avignon, Edimburgo, esses festivais."

"Estou muito animado, mas também apavorado", disse, lembrando que sua última peça foi Hamlet, em 2009. "O teatro exige outra escuta. Preciso disso agora."

Míriam Leitão foi eleita imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) nesta quarta-feira, 30. A jornalista e escritora de 72 anos ocupará a cadeira 7, que pertenceu ao cineasta Cacá Diegues, morto em fevereiro.

A eleição aconteceu na sede da ABL no Rio de Janeiro, com urnas eletrônicas cedidas pelo TRE-RJ. Míriam venceu com 20 votos, superando o economista, ex-senador e ministro Cristovam Buarque, que recebeu 14 votos. No total, 16 nomes estavam inscritos na disputa, incluindo Tom Farias, Rodrigo Cabrera Gonzales e Edir Meirelles.