Governo impede festival de jazz 'antifascista' de captar recursos via Lei Rouanet

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No dia 20 de junho de 2020, os organizadores do Festival de Jazz do Capão, na Chapada Diamantina, na Bahia, fizeram um post no Facebook e Instagram em que diziam: "Não podemos aceitar o fascismo, o racismo e nenhuma forma de opressão e preconceito". A frase acompanhava uma imagem de um microfone com os dizeres: "Festival Antifascista e Pela Democracia".

O Festival de Jazz do Capão, que já está em sua nona edição, foi surpreendido por um parecer técnico desfavorável da Fundação Nacional das Artes (Funarte) para que ele pudesse captar recursos por meio de leis de incentivo fiscal. Esta é a primeira vez que o Festival de Jazz no Capão não poderá usar a Lei Rouanet.

O documento foi assinado no dia 25 de junho, pelo parecerista Ronaldo D. Gomes e por Marcelo Nery Costa, diretor executivo da Funarte, e os organizadores do festival vieram a público nesta segunda-feira, 12, para comentar o assunto e publicaram trechos do parecer em que citam a tal postagem de 2020, em que o evento se posicionava como antifascista.

Nery foi nomeado para este cargo na Funarte em maio. Ele atuava na Autoridade de Governança do Legado Olímpico, dentro do Ministério do Esporte, onde foi assessor de diretor executivo, diretor executivo e presidente substituto do órgão.

Política e religião

O parecer, que cita Deus em diversos trechos, chama a atenção para o "desvio do objeto, risco à malversação do recurso público incentivado com propositura de indevido uso do mesmo" e ao longo desta segunda, nas redes sociais, membros da Secretaria Especial da Cultura reafirmam o seu caráter político para justificar a reprovação, este ano, do projeto.

O parecer começa com uma citação atribuída a Johann Sebastian Bach: "O objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma". Mais adiante, quando vai discutir a "aplicabilidade da lei federal de incentivo à cultura em objeto artístico cultural", lemos, logo na abertura: "Por inspiração no canto gregoriano, a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus." Após um trecho de um canto, o texto segue: "A Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador."

André Porciuncula, Secretário Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, também conhecido como "Capitão Cultura" (ele é capitão da PM), escreveu no Twitter que a "cultura não ficará mais refém de palanque político/partidário, ela será devolvida ao homem comum".

Ao que o ex-ator e atual secretário do pasta Mário Frias respondeu: "Enquanto eu for Secretário Especial da Cultura ela será resgatada desse sequestro político/ideológico!"

Frias também disse que "a lei é bastante clara" e que "apenas eventos culturais serão financiados com a verba federal da Rouanet.

No dia 20 de outubro de 2020, uma portaria publicada no Diário Oficial e assinada por André Porciuncula homologava "projetos culturais que, após terem atendido aos requisitos de admissibilidade estabelecidos pela Lei 8.313/91, Decreto 5.761/06 e a Instrução Normativa vigente, passam a fase de obtenção de doações e patrocínios". Entre eles estava o Festival de Jazz do Capão. Ele foi autorizado a captar R$ 147.290,00 entre os dias 21 de outubro e 31 de dezembro. O festival, no entanto, não foi realizado no ano passado.

O Festival de Jazz do Capão se divide em apresentações ao público em dois dias de evento, além de workshops com os músicos convidados.

"Continuaremos empenhados em manter o Festival de Jazz do Capão vivo, convictos de estar contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade inclusiva, plural e democrática", escreveram os organizadores no Facebook.

Mário Frias é o segundo secretário especial da Cultura desde a demissão de Roberto Alvim, que fez apologia ao nazismo e criou o Prêmio Nacional das Artes, que depois foi cancelado. Apoiado por Jair Bolsonaro, Alvim chegou a dizer que a arte nacional dos próximos 10 anos seria heroica e nacional. "A cultura é a base da pátria, e quando a cultura adoece, o povo adoece junto. É por isso que queremos uma Cultura dinâmica, mas enraizada na grandeza dos nossos mitos fundantes. A pátria, a família, a coragem do povo e sua profunda ligação com Deus amparam nossas ações na criação de políticas públicas. As virtudes da fé serão alçadas ao território sagrado das obras de arte", disse à época.

Quando a Prefeitura de Itajaí cancelou um evento LGBT (Roda Bixa) em maio, Mário Frias comemorou no Twitter e disse que a decisão local estava evitando que o Governo tomasse medidas jurídicas. O evento havia sido contemplado com a Lei Aldir Blanc. Em outra ocasião, Frias e Porciuncula participaram da live Cultura e Arte Cristã, que buscava explicar como usar as leis de incentivo à cultura. Enquanto isso, produtores e especialistas do meio cultural alertam para a paralisia do setor e falta de canais de comunicação para a aprovação de novos projetos que poderiam ativar cadeias de emprego.

Em outra categoria

Anora foi o grande vencedor do prêmio de Melhor Filme do Oscar 2025. Ainda Estou Aqui, longa brasileiro que concorria na categoria, não foi escolhido pelos votantes.

O longa custou US$ 6 milhões para ser produzido - um dos menores orçamentos da história da premiação - e, nas últimas estimativas, faturou cerca de US$ 38 milhões de bilheteria ao redor do mundo.

Indicações de 'Anora' ao Oscar 2025

Anora foi indicado em seis categorias no Oscar 2025: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Original e Melhor Edição.

Outros prêmios

Em maio de 2024, Anora venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e se colocou como um sério concorrente ao Oscar. Ao longo da temporada, no entanto, viu os filmes rivais ganharem mais destaque e, apesar de ser bastante elogiado pela crítica, passou a ser tratado como um azarão.

A maré mudou nas últimas semanas. Surpreendentemente, o longa venceu o prêmio de Melhor Filme no Critics Choice Awards. Confirmando o bom momento, também foi vitorioso no Directors Guild Awards, no Producers Guild Awards e no Writers Guild of America Awards, três dos principais prêmios dos sindicatos de Hollywood.

Sobre o que é

Em Nova York, a jovem stripper Anora (Mikey Madison) conhece o filho de um oligarca russo e engata um improvável romance. Após um casamento impulsivo em Las Vegas, a família de Ivan Zakharov (Mark Eydelshteyn) planeja retornar para os Estados Unidos com um único objetivo - anular a união entre o casal. Descrito como um "conto de fadas às avessas", o longa subverte a história da Cinderela para falar sobre as falhas do Sonho Americano.

Elenco

Em Anora, Mikey Madison interpreta Ani, uma jovem stripper que se deslumbra com a vida de luxos que o dinheiro pode proporcionar. O papel rendeu a atriz uma indicação ao prêmio de Melhor Atriz. Já Mark Eydelshteyn é Ivan Zakharov, filho de um oligarca russo que contrata os serviços de Ani por tempo indeterminado.

Yura Borisov interpreta Igor, um capanga russo da família Zakharov. O papel rendeu ao ator uma indicação ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante. Completam o elenco Karren Karagulian e Vache Tovmasyan, que interpretam outros dois capangas da família Zakharov, e Aleksei Serebryakov e Darya Ekamasova, que vivem o pai e a mãe de Ivan, respectivamente.

Entrevistas

Em entrevista ao Estadão, Sean Baker e Mikey Madison discorreram sobre o que torna Anora um longa tão único. Em especial, falaram sobre a temática de trabalhadores sexuais - uma constante no trabalho de Baker - e sobre como o filme busca quebrar as expectativas do público.

"Sempre pensei em Anora como algo fora do 'mainstream' e um pouco divisivo por causa de seus temas, mas ele parece estar agradando às pessoas de maneira universal. E isso é maravilhoso", afirmou Sean Baker.

Críticas

O filme foi bastante elogiado pela crítica internacional. No site Rotten Tomatoes, que agrega análises de profissionais da indústria, o longa conta com 93% de aprovação. No New York Times, a obra de Sean Baker foi descrita como o "nascimento de uma estrela".

"Esse papel exige que ela [Mikey Madison] vá ao extremo, com elementos de pastelão, romance, comédia e tragédia, além de dançar com pouquíssima roupa e dar uns socos poderosos", escreveu a crítica Alissa Wilkinson. "E a cada momento Madison fica mais fascinante."

"Anora é uma fábula moderna e obscena, povoada por strippers e capangas. Como a maioria dos filmes de Baker, fala sobre os limites do sonho americano, sobre as muitas paredes invisíveis que se interpõem no caminho das fantasias de igualdade e oportunidade, sobre como se erguer pelas próprias pernas", finalizou.

Polêmicas

A principal polêmica de Anora decorreu da falta de um coordenador de intimidade no set de filmagem de Sean Baker. O cargo, que vem ganhando cada vez mais importância em Hollywood, é responsável por supervisionar cenas íntimas que envolvam sexo simulado e nudez.

Em uma era pós-Me Too, o trabalho do supervisor garante que todos os envolvidos se sintam seguros e possam se manifestar caso algo os deixe desconfortável. Em Anora, cenas de sexo e nudez compõem uma boa parte do filme. Baker e a equipe, no entanto, optaram por não utilizar um coordenador de intimidade durante as gravações do longa.

"Foi uma escolha que fiz. A produção me ofereceu, se eu quisesse, um coordenador de intimidade", afirmou Mikey Madison no quadro Actors on Actors, da Variety. A atriz explicou que a decisão foi tomada por ela e por Mark Eydelshteyn e que, apesar da polêmica, a experiência foi extremamente positiva para ela.

Onde assistir

Em cartaz, Anora estreou nos cinemas brasileiros em 23 de janeiro. Não há previsão, no momento, para exibição em plataformas de streaming.

Os indicados ao Oscar de Melhor Filme em 2025

Anora

O Brutalista

Um Completo Desconhecido

Conclave

Duna: Parte 2

Emilia Pérez

Ainda Estou Aqui

Nickel Boys

A Substância

Wicked

'O Brutalista' vence Oscar de melhor trilha sonora. O filme disputou categoria com Conclave, O Robô Selvagem, Wicked e Emilia Pérez. O longa venceu prêmio de melhor fotografia também.

Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional na noite deste domingo, 3. É o primeiro longa brasileiro a conquistar o feito. O diretor Walter Salles dedicou prêmio a Eunice Paiva. Ele também dedicou estatueta a Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. "É uma coisa extraordinária", disse sobre vitória.

A produção superou os concorrentes Emília Pérez (França), A Semente do Fruto Sagrado (Alemanha), A Garota da Agulha (Dinamarca) e Flow (Letônia). O francês, que venceu o Prêmio do Júri em Cannes 2024 e foi indicado a 13 categorias do Oscar, incluindo a de melhor filme, foi considerado como o favorito nos primeiros momentos da disputa, mas acabou se envolvendo em diversas polêmicas.