Julián Fuks: 'O romance se vê hoje numa certa encruzilhada'

Geral
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

"Quem seria crítico, se pudesse ser escritor?", indagou o titã da crítica literária George Steiner. A dicotomia implícita em sua pergunta, no entanto, parece ruir: em uma entrevista publicada postumamente, o próprio Steiner admitiu que seu principal arrependimento foi nunca ter se arriscado na literatura; o maior crítico da atualidade, o inglês James Wood, acaba de lançar no Brasil seu segundo romance de ficção, Upstate; e um dos principais ficcionistas brasileiros, Julián Fuks, autor entre outros livros do multipremiado A Resistência, acaba de lançar um alentado estudo crítico sobre a história do romance - ou algo parecido.

Isso porque o próprio Fuks entrega os pontos logo de cara no livro, dizendo que escrever a história do romance seria impossível. O que ele empreende em Romance: História de uma Ideia (Companhia das Letras) é mais um passeio pela evolução do conceito de realismo, ou seja, o que os principais autores de cada geração almejaram com suas obras.

A tese de Fuks é a de que o romance tem como principal aspiração o retrato fiel da realidade - embora os meios para se chegar a esse retrato variem muito ao longo de sua história, compreendendo desde autores que mimetizam o real nos mínimos detalhes, como o Tolstoi de Guerra e Paz, até quem busque o real na fantasia, como o García Márquez de Cem Anos de Solidão. Por isso, uma das principais características do gênero romanesco é o paradoxo: a cada vez que ele se afirma, ele tende a se negar em seguida; a cada vez que provoca ruptura, também presta tributo à tradição.

Há diversas origens possíveis para o que chamamos hoje de romance literário: autores latinos que, ainda nos primeiros séculos da Era Comum, deixaram de lado a linguagem poética ou teatral e se aventuraram a contar histórias em prosa, como o sírio Luciano de Samósata e o numídio Apuleio, ambos vivendo sob Roma; a grande escritora japonesa do século 11 Murasaki Shikibu, autora de Genji Monogatari; ou o renascentista francês François Rabelais, tido por Mikhail Bakhtin como grande precursor da literatura moderna.

Fuks, entretanto, ensaia outras origens para o romance moderno: Dom Quixote de la Mancha (1605), de Miguel de Cervantes, em que, "como nunca antes, se dramatiza a relação entre o indivíduo e os interesses sociais, culturais e políticos"; e Robinson Crusoe (1715), de Daniel Defoe, cuja aventura "não é a da ilusão nostálgica, não é a da antiquada loucura, e sim a do lucro a ser alcançado pelo mais racional empreendedorismo". Mas ambas são descartadas, "porque a modernidade ainda não estava constituída".

Finalmente, seu estudo encontra em O Vermelho e o Negro (1830), de Stendhal, uma base de partida mais sólida. "É Julien Sorel, e não Quixote, e não Crusoe, o homem solitário que parte à procura de um sentido, sabendo dessa vez que não o encontrará em lugar algum que todo empenho seu há de ser infrutífero." Fuks afirma que, de acordo com o crítico alemão Erich Auerbach, a obra de Stendhal funda o romance moderno "pelo radicalismo com que enquadra a vida de um homem numa realidade histórica concreta, em evolução constante, sem uma imagem modelar de sociedade, sem concessão a ilusões ou a falsos idealismos".

A partir de Stendhal, Fuks faz então um passeio pela ascensão, apogeu e crise do romance, por nomes como Balzac, Flaubert, Dostoievski, Tolstoi, Proust, Joyce, Woolf, Beckett, Cortázar, García Márquez e Sebald até chegar ao contemporâneo Coetzee. Embora seja um recorte bastante específico, o estudo de Fuks é de grande utilidade para iluminar aspectos do realismo ao longo da história e para compreender o atual estado do romance e quais caminhos ele tem pela frente.

Leia trechos da entrevista concedida por Julián Fuks ao Estadão por videochamada:

Como a pesquisa acadêmica impacta sua ficção?

Todo escritor está pensando seu ofício. Cada romance guarda em si em alguma medida uma teoria própria do romance, se apresenta como uma proposta estética, uma forma que vai ser assimilada tanto vivencialmente quanto teoricamente pelo leitor. Isso está por toda parte, mas eu mesmo sempre me vi muito propenso a pensar a literatura antes de escrever. Em algum momento defini que seria escritor, mas sempre vivi uma série de obstáculos, travas, que me levavam a estudar literatura. Achava que a melhor maneira de me aproximar do ofício era conhecer intimamente os dramas de outros escritores. Então me pus a construir duas carreiras simultâneas, me dividindo entre a ficção e o estudo da literatura, mas aos poucos fui me dando conta de que ambas eram o mesmo ofício, a mesma preocupação, o mesmo olhar, com duas maneiras distintas de expressar, e às vezes nem tão distintas assim. Sem dúvida, esse trabalho, que foi o mais sistemático e completo possível que eu pude fazer com a forma do romance, que é a que mais tem me interessado literariamente, com certeza vai guardar alguma relação com tudo o que eu vier a escrever no futuro.

O que permaneceu imutável de Cervantes, Defoe e Stendhal até a contemporaneidade?

A figura que mais utilizo e que parece mais precisa para descrever os movimentos do romance é o paradoxo, então o que há de mais imutável é sua forma em constante mutação. Se vemos quais são as marcas flexíveis, maleáveis do romance, uma delas é essa ambição, essa tentativa máxima de aproximação do real. O romance é o que tentou chegar mais perto da experiência do indivíduo no mundo, narrar com precisão e acurácia o que se dá ao nosso redor e na nossa intimidade. Isso é um traço fundamental que vai se renovando com o tempo porque a maneira de se aproximar do real vai se tornando sempre insatisfatória.

O que o romance tem, de Stendhal para cá, que o diferencie de ficcionistas em prosa da Antiguidade?

Existiria outra forma de pensar a origem do romance que torna seu tempo mais dilatado e busca a origem na narrativa grega em prosa de milênios atrás. Seria uma aceitação de características muito diferentes, de um conjunto de procedimentos que mais dizem respeito a como narrar. Interessaria no romance simplesmente a narrativa de certo fôlego. Isso seria a única marca possível de se depreender e com isso chegaríamos aos romances antigos e os incorporaríamos. Mas sem dúvida há alguns traços distintivos no romance moderno, como o foco maior no indivíduo, em suas circunstâncias concretas e a relação com seu tempo e sua sociedade. Existe uma série de características que não se apresentavam (na Antiguidade) a não ser como prenúncios.

A todo momento você explora a ideia do paradoxo que é o romance, que enquanto ainda está em construção já é ruína, quando se proclama seu auge, já se anuncia sua crise. Quais são os paradoxos do romance hoje?

O romance se vê hoje numa certa encruzilhada. Ele não está com os caminhos bem estabelecidos e definidos, há um contexto de disputa. Há quem defenda um retorno, em linhas gerais, às possibilidades narrativas, expressivas e representativas do século 19, um retorno ao tempo do apogeu, à possibilidade de construção de uma narração que reflita o mundo tal como se apresenta ao nosso redor. Há aqueles que veem no romance a necessidade da reflexão formal, que veem a pertinência do romance na sua convulsão, na sua disposição de transformar-se a si mesmo continuamente e pensar a finalidade do próprio narrar. Ao mesmo tempo há a tentativa de buscar a conciliação desses pendores e tocar o real com uma linguagem nova. A gente está sempre imerso num conjunto de tensões que nunca se resolvem. Não chegaremos a essa solução. O escritor resolve se aproximar mais de uma ou de outra tendência, respeitando alguma convenção literária ou tentando romper com alguma convenção. Os escritores estão sempre num limiar entre práticas que os afundam numa certa instabilidade. Isso em alguns sentidos é paralisante e em outros pode ser muito produtivo.

Seria a história do romance, então, não a história do realismo, conforme seu livro sugere, mas a história da apreensão do real por vias que subvertem o realismo?

Se a gente visita a história do romance e vê que ela está constantemente em disputa, a disputa se dá entre realismo e antirrealismo, entre realismo e outra coisa. O romance se cria e imediatamente ganha força como realista, mas ao mesmo tempo se criam seus antípodas, os escritores antirrealistas, escritores contra o romance. A história do romance é também a história do antirromance. De fato, temos simultaneamente a tese e a antítese. Temos uma tentativa positiva de construção de um gênero e uma negativa de destruição, mas que tem também muito valor criativo. É um conflito que mantém o gênero em movimento. O realismo talvez seja a marca central do romance, mas tão potente quanto ele são as inúmeras formas de resistência ao realismo.

ROMANCE - HISTÓRIA DE UMA IDEIA

Autor: Julián Fuks

Ed.: Companhia das Letras

(216 págs., R$ 59,90)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em outra categoria

Selton Mello mostrou imagens inéditas de seu último dia de gravações na casa que representou o lar da família Paiva no filme Ainda Estou Aqui neste sábado, 1, véspera do Oscar 2025. No vídeo, compartilhado em suas redes sociais, o ator faz uma selfie caracterizado como Rubens Paiva.

"Meu último dia aqui na casa, me despedindo aos poucos", diz Selton na gravação, enquanto mostra alguns cômodos.

A casa original onde a família Paiva morava ficava no Leblon, e não existe mais. A produção do filme encontrou, então, uma casa semelhante na Urca, bairro da Zona Sul do Rio.

A casa na Urca virou ponto turístico no Rio de Janeiro após o enorme sucesso do filme, que já levou mais de 5,5 milhões de pessoas aos cinemas somente no Brasil.

Ainda Estou Aqui está indicado a 3 Oscars (Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz) e Selton Mello, que já terminou de filmar o remake de Anaconda na Austrália, estará presente na cerimônia nos EUA.

O Oscar acontece neste domingo, 2, em Los Angeles, a partir das 21h, e será transmitido pelo canal pago TNT e pelo streaming da Max. A transmissão da TV Globo começa às 21h55.

Antes de passar pelo tapete vermelho do Oscar 2025 neste domingo, 2, Fernanda Torres mostrará uma prévia de seu look no Instagram. A própria atriz garantiu aos seguidores que irá matar a curiosidade. Ela está indicada na categoria Melhor Atriz.

"Antes do tapete vermelho, estarei junto de vocês no @oficialfernandatorres para uma espiadinha. Fiquem ligados aqui, até amanhã", escreveu em uma foto publicada nos Stories.

Fernanda Torres estará no Oscar neste domingo representando Ainda Estou Aqui, filme dirigido por Walter Salles que recebeu três indicações ao prêmio da Academia. Além de Selton Mello e produtores como Rodrigo Teixeira e Maria Carlota Bruno, uma equipe de 22 pessoas estará presente na cerimônia.

O Oscar está marcado para começar às 21h (horário de Brasília), com transmissão ao vivo na TNT, Max e TV Globo.

Ivete Sangalo não deixou passar nenhum deslize logo na estreia do carnaval de Salvador, e durante seu tradicional trio no circuito Barra-Ondina, na sexta-feira, 28, chamou a atenção dos foliões que tentavam organizar as rodas de dança.

A cena aconteceu enquanto Ivete abria uma roda na multidão, um momento tradicional em seus shows, onde os foliões abrem espaço na pista antes de correrem ao centro em sintonia com a batida da música. No entanto, a espontaneidade foi substituída por alguns foliões que decidiram "organizar" as formações, tirando a fluidez do momento.

"Tem muito administrador de roda (aí embaixo). Vai administrar a sua própria roda! Essa roda é minha!", disparou Ivete do alto de seu trio elétrico.

Ivete, que tem três décadas de experiência no carnaval de Salvador, seguiu animando o público após a repreensão, garantindo que a energia contagiante da festa se mantivesse.

O episódio viralizou nas redes sociais, com muitos fãs apoiando a postura da cantora e destacando seu carisma ao lidar com a situação. "Amei que ela botou ordem até nas rodas acesso", publicou um usuário do X (antigo Twitter).