Papéis de Machado

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Quando organizou, para a Academia Brasileira de Letras, a monumental coleção de cinco volumes que reuniu a correspondência ativa e passiva de Machado de Assis (1839-1908) produzida entre os anos 1860 e 1908, o filósofo e ensaísta Sérgio Paulo Rouanet, mesmo diante do número substancial de 1.178 documentos, foi ao mesmo tempo cético e profético: "Numa obra desse tipo, todo final é sempre provisório", escreveu ele, no prefácio do quinto livro, devendo "ser considerada uma obra aberta". Segundo Rouanet, "no futuro, com efeito, é possível que o aparecimento de novas cartas mostre que nosso epistolário ainda está longe de ficar completo", para então arrematar: "Muitas cartas, hoje de paradeiro ignorado, serão certamente localizadas em arquivos particulares ou públicos".

"Ainda há, de fato, muitos documentos que não constam nessa coleção ou que estão parcialmente reproduzidos ali", comenta o pesquisador Felipe Pereira Rissato, exímio "caçador" de relíquias literárias, a ponto de ter apresentado recentemente 21 originais que não figuram na coleção organizada por Rouanet, entre cartas enviadas e recebidas por Machado. Todos pertencem ao arquivo da ABL, ou seja, a entidade ainda guarda tesouros desconhecidos do grande público.

"O número de cartas já encontradas em outros acervos ou mesmo publicadas anteriormente e que, por algum infortúnio, não entraram nos cinco tomos da Correspondência de Machado de Assis já é substancial, podendo certamente constituir um surpreendente sexto tomo", comenta ele, no artigo que escreveu para a Revista Brasileira, publicação da ABL.

O trabalho encabeçado por Rouanet (com o auxílio de Sílvia Eleutério e Irene Moutinho) consumiu sete anos de pesquisas, e foi encerrado com o lançamento do quinto volume em 2015. E a profecia do pesquisador se concretizou mais rapidamente do que ele mesmo imaginava - dois dias depois que esse quinto livro foi para a gráfica, em coedição com a Global, foi encontrada no arquivo da ABL uma carta enviada a Machado por Sousa Bandeira, durante uma viagem pela Europa, em 1906.

Três meses depois, a coleção recém-terminada tornava-se ainda mais defasada, com a doação, ao arquivo da ABL, de uma documentação pertencente ao crítico e jornalista José Veríssimo (1857-1916), grande amigo e defensor de Machado de Assis. Estavam ali nada menos que 12 cartas enviadas pelo autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas que, somadas às 50 missivas já conhecidas, chegou-se ao número de 62, tornando Veríssimo o interlocutor que mais cartas recebeu de Machado - ao menos, na atual contabilidade.

Rissato, que organiza agora (ao lado de Leopoldo Bernucci) a correspondência de outra grande figura literária, Euclides da Cunha, conta que as fontes de busca são diversas - além da ABL, constam ainda a Fundação Biblioteca Nacional, Casa de Rui Barbosa, Biblioteca da Marinha, Associação Brasileira de Imprensa e o Real Gabinete Português de Leitura, entre outras.

E, em alguns casos, uma instituição compensa a falta da outra. "Certa vez, fui pesquisar a publicação Casamento do Diabo, do Machado, em um exemplar da Revista Ilustrada do acervo da Biblioteca Nacional, mas a página estava arrancada, um vandalismo atroz. Mas confirmei a informação, pois encontrei o mesmo exemplar - intacto - na Biblioteca da Marinha", conta Rissato, que faz grandes achados ao vasculhar também em sites na internet.

Ao pesquisar o arquivo do jornalista e escritor português Fernando Castiço (1835-1888), por exemplo, percebeu que ele, em carta a Machado, afirmou que lia textos dele duas vezes por mês no jornal Comércio do Porto. "Não há referência de que nosso autor colaborasse com esse diário e, consultando suas páginas, também não há texto assinado por ele. Provavelmente, não assumia a autoria, mas Castiço ajuda a confirmar a existência desse trabalho", comenta Rissato.

Portugal, aliás, deverá fornecer novas e valiosas informações, pois há quatro anos o Arquivo Nacional Torre do Tombo, em Lisboa, recebeu uma doação de documentos que incluem manuscritos de Machado de Assis. "Até o momento, porém, o acesso não foi liberado", explica o pesquisador, sempre atento à rotatividade de posse de material importante - em dezembro, por exemplo, ele transmitiu ao vivo, em seu canal no YouTube, o leilão online de um cartão de visita que Machado enviou a uma amiga, D. Maroquinha Jacobina Rabelo, e que traz a data de 5 de julho de 1908.

No texto rascunhado, o escritor se desculpa pela ausência, pois se encontrava adoentado - ele morreria em 29 de setembro, de arteriosclerose, segundo a certidão de óbito. "Os cartões de visitas antigamente não eram assinados, pois já traziam impresso o nome do emissor, que só escrevia a mensagem. Mas esse exemplar traz também a assinatura de Machado, conferindo-lhe um valor ainda maior", explica Rissato. Ao final, o comprador desembolsou R$ 19.900 pelo cartão.

Ao contrário de outros escritores, como Mário de Andrade, que confessava sentimentos mais íntimos em suas cartas, Machado de Assis era um missivista comedido, discreto, revelando pouco sobre si mesmo. Mas há curiosas exceções - Rissato menciona a correspondência com o jovem poeta Mário de Alencar (1872-1925), filho do célebre José de Alencar. "Como Machado, ele também era epilético e ambos trocavam informações sobre as dificuldades e os incômodos. Mário, aliás, venerava o amigo, a ponto de até tentar imitar sua caligrafia. Por causa disso, as más línguas diziam que, graças à admiração e à epilepsia, Machado deveria ser o verdadeiro pai do rapaz." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.