Entenda o que Milei quer barrar no G-20 de Lula e por que ele pode levar reunião ao fracasso

Internacional
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A participação da Argentina no G-20 se tornou um entrave para os planos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ameaça levar a reunião de líderes globais no Rio a um fracasso diplomático. A derrubada do comunicado oficial do grupo seria um revés político na conta de Lula a ser festejado pelo presidente argentino Javier Milei.

Sob o comando do ultraliberal Milei, agora respaldado politicamente pelo retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, a Argentina passou apresentar pedidos de rediscussão de temas, recuou no apoio dado antes à proposta de taxação dos super-ricos, e indicou que pode mais uma vez barrar acordos isoladamente na reta final da Cúpula de Líderes no Rio, que ocorre entre 18 e 19 de novembro.

Milei abriu ao menos cinco frentes de embate: multilateralismo, gênero, desenvolvimento sustentável, tributação de grandes fortunas, clima e meio ambiente.

O Estadão ouviu relatos da reunião feitos por quatro diplomatas, de origem europeia e africana. Eles conversaram com a reportagem sob a condição de terem seus nomes e países mantidos em sigilo, por não terem autorização para discutir publicamente os assuntos. Procurado pela reportagem, o negociador-chefe argentino diz que só comentará ao final das negociações (veja abaixo).

A lista foi compartilhada com o Estadão por embaixadores que estão sentados à mesa de discussões prévia à chegada dos líderes globais ao Rio. Eles discutem os termos de um comunicado conjunto a ser divulgado com aval dos presidentes e primeiros-ministros das 20 maiores economias do mundo. Mas não conseguiram obter um entendimento, o que poderia, no pior cenário, impedir que essas potências econômicas enviassem ao mundo uma mensagem comum.

Chamados de sherpas no jargão diplomático, esses embaixadores discutem os termos da chamada Declaração de Líderes do G-20, dividida por temas cuja redação é cuidadosamente negociada, palavra a palavra. Sem consenso e com cenário adverso, a reunião final dos sherpas que deveria ter acabado foi estendida para este sábado, dia 16. O teor depois é submetido à aprovação dos líderes.

"Nada está acordado, até que tudo esteja acordado"

Quando uma cúpula multilateral é concluída sem comunicado comum, diplomatas reconhecem que houve um fracasso. Nesses casos, a mensagem final é assinada pelo país que preside o grupo, agora o Brasil, registrando onde houve acordos e desacordos. Outra solução seria obter um aval para que a declaração conjunta seja aprovada, mas com parágrafos inseridos para informar sobre a discordância de uma delegação em determinado tema. Isso já ocorreu com o capítulo sobre clima durante o governo Trump, no G-20 de Osaka, Japão, em 2020.

O cenário de derrubada da declaração é considerado remoto no Rio. Diplomatas dizerm que haveria uma enorme pressão sobre Milei, vindo de todos os outros países, para evitar o colapso da declaração conjunta. Um sherpa europeu afirmou que "nada está acordado, até que tudo esteja acordado".

A situação preocupa. Lula e Milei são rivais ideológicos e trocaram ofensas e provocações. Jamais se reuniram para conversar - e pedidos do libertário foram ignorados pelo petista. Não há sinal de que possam se encontrar a sós no Rio. Diante da ausência de diálogo, o presidente francês Emmanuel Macron, aliado de Lula, se dispôs a viajar a Buenos Aires e tentar convencer Milei a abandonar a postura atual. Milei vai poder discursar duas vezes no Rio. Ele escolheu falar sobre combate à fome e pobreza e reforma da governança global, diante dos demais líderes.

Membros de dois ministérios do Brasil, das Relações Exteriores e da Fazenda, também confirmaram as informações de resistências nas pautas política, de costumes e finanças. A Argentina cruzou uma "linha vermelha", segundo um integrante da equipe do ministro Fernando Haddad.

Embaixador cita atuação "radical"

Um embaixador europeu, com sete anos de experiência prévia em negociações do G-20, disse nunca ter visto uma atuação "tão radical" como a dos representantes de Milei e classificou a participação argentina como de "baixíssimo nível".

Depois de bloquear uma declaração ministerial em outubro do grupo de Empoderamento Feminino no G-20, agora a delegação de Milei pretende retroceder nos termos da linguagem usado no rascunho do comunicado final dos líderes.

Os europeus relataram que mesmo países do G-20 em que a igualdade de gênero é um tema atrasado - como Arábia Saudita e Egito - têm exposto uma posição mais discreta e caminham para maior inclusão, enquanto a Argentina parece andar no sentido inverso.

Os argentinos querem retirar menções a violência sexual e feminicídios, segundo um embaixador. No fim, haverá uma menção ao tema, mas ele pode ser bastante desidratado.

Os africanos relataram que de fato os argentinos levantaram uma série de objeções ao longo da semana, mas que achavam que o Brasil conseguiria "contornar a situação e costurar um acordo".

Segundo esses embaixadores, ambos responsáveis pela representação no G-20 dentro das respectivas chancelarias, a postura da delegação argentina não é propositiva. O intuito explícito é de apenas vetar temas ou rediscutir a linguagem.

Enquanto sua delegação no Rio recebia instruções e transmitia informações ao telefone, Javier Milei estava na Flórida com o ex-presidente Donald, agora eleito para um novo mandato nos Estados Unidos a partir de janeiro de 2025.

Integrantes do governo brasileiro e de demais países veem impactos evidentes do retorno de Trump dentro do G-20 e entendem que a afinidade de posições com o norte-americano dá respaldo para o que o libertário argentino ponha em marcha uma agenda de conflitos.

Embora sempre tenha ido às cúpulas do G-20, Trump tem como marca o isolacionismo e um histórico de questionamento a instituições como a ONU, a OMC e a Otan.

O que se vê no momento é um embate da agenda proposta pelos países do IBAS - grupo Índia, Brasil e África do Sul - no G-20 com as ideias que Trump defende.

Eles ponderam, no entanto, qual seria o peso e lembram que a postura beligerante, com vetos ideológicos por parte dos argentinos, começou antes da vitória do republicano. Dizem que a equipe que os representa no G-20 não foi trocada ainda, mas vem de fato alterando seus posicionamentos e provocando retrocessos nos acordos.

A única iniciativa da presidência brasileira que pode passar ao largo da blitze de Milei é a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, ao qual também não há garantias de que vá participar.

O projeto não precisa da aprovação de todos os países do G-20 - a participação se dá por adesão voluntária e mesmo não integrantes do grupo das 20 maiores economias do mundo podem ingressar.

A representação do governo Milei não é o único fator complicador. Há outra frente de disputa, no capítulo geopolítico, que opõe sobretudo Estados Unidos e Rússia, e uma segunda nos assuntos financeiros e de mudança climática, onde também fica clara a divisão entre os membros do G-7 e do Brics. Não há expectativa de que o recado seja ambicioso ao tratar das guerras em curso no mundo.

A tendência é de resultados tímidos nas duas frentes. Há disputa porque os países ricos, que jamais cumpriram a promessa, apontam o dedo para os atuais maiores poluidores, como China e Índia, e exigem que os países em desenvolvimento também paguem a conta da transição energética e mudança climática. Isso é considerado inaceitável por eles e pelo Brasil. Os russos vetam uma linguagem dura contra si ao abordar a guerra na Ucrânia, exigindo que seja adotado o mesmo padrão contra a ofensiva militar israelense na Faixa da Gaza. Nem sequer o termo guerra vem sendo usado. E o rascunho do documento final omite a Rússia e Israel.

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O governador Romeu Zema (Novo) nomeou o ex-promotor do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) Edson Resende para presidir a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), responsável por fiscalizar barragens e licenciar atividades minerárias no Estado.

Conforme reportagem da ONG Repórter Brasil, Resende se aposentou do Ministério Público mineiro no ano passado e fundou um escritório de advocacia que teve três mineradoras entre seus clientes, incluindo a Itaminas. A empresa está envolvida em discussões sobre a retomada da Mina da Jangada em Brumadinho, local do rompimento da barragem da Vale em 2019.

A nomeação ocorre menos de um mês após a Operação Rejeito, da Polícia Federal, que apura fraudes em licenciamentos ambientais de mineradoras no estado e prendeu o presidente anterior da Feam, Rodrigo Franco.

Segundo a PF, o grupo investigado favorecia empreendimentos por meio do pagamento de servidores de órgãos públicos como a própria Feam, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Minas Gerais, à qual a Feam está subordinada, afirmou ao Estadão que a escolha de Edson Resende "levou em conta sua reconhecida trajetória de mais de três décadas no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com atuação destacada na área ambiental e sólido conhecimento técnico-jurídico".

"Após a aposentadoria, Edson exerceu consultoria jurídica por período limitado, em conformidade com a legislação aplicável. Nessa condição, acompanhou a diretoria da Itaminas em visita institucional ao Ministério Público, sem ter atuado como representante formal da empresa, seja em inquérito civil ou em processo decisório correlato", diz o comunicado.

A pasta ressaltou que, para assumir a presidência da Feam, Edson se afastou do escritório Edson Resende Advocacia.

Edson Resende não respondeu à tentativa de contato até o momento. À Repórter Brasil, ele negou conflito de interesses e disse que apenas acompanhou a diretoria da Itaminas em uma reunião com promotores, sem representar formalmente a empresa.

"Conflito haveria se eu estivesse fazendo as duas coisas e tivesse a Itaminas ou qualquer outra empresa como cliente. A minha vida em defesa do meio ambiente é de 32 anos de atuação no Ministério Público, muito maior que o período de pouco mais de um ano que advoguei no escritório", afirmou.

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com maior interlocução política preferem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolha o senador Rodrigo Pacheco para a cadeira deixada por Luís Roberto Barroso. Mas o parlamentar não é unanimidade da Corte: outros ministros apostam que o advogado-geral da União, Jorge Messias, seria uma opção melhor para ocupar a vaga.

A bancada no STF que apoia Pacheco na disputa inclui os principais interlocutores de Lula na Corte: Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Cármen Lúcia, que é próxima do senador, completaria o time.

Na terça-feira, 14, Lula recebeu no Palácio da Alvorada Mendes, Dino e Zanin, além do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que integrou o STF. Os ministros se limitaram a dizer que querem um nome forte para a vaga, sem sugerir objetivamente um nome. Lula disse que faria isso. Também não informou quem seria o escolhido, nem perguntou a opinião dos integrantes do Supremo.

Isso indica dois pontos importantes. O primeiro é que Lula, por deferência ao Judiciário, quer conversar sobre a vaga com ministros do STF. O segundo é que o presidente vai tomar a decisão que considerar mais conveniente, ainda que não seja para aderir à preferência dos integrantes da Corte. Afinal, segundo a Constituição Federal, é uma escolha exclusiva do mandatário.

Apesar do forte apoio a Pacheco, nem todo ministro do Supremo tem essa preferência. Messias é evangélico. Espera-se dele, portanto, uma posição conservadora em votações sobre temas de costumes - o processo do aborto, por exemplo. Nesse aspecto, tem mais afinidade com outra ala do tribunal, que inclui André Mendonça, Kássio Nunes Marques e Luiz Fux.

Também na terça-feira, 14, Barroso recebeu os cumprimentos de autoridades e amigos em uma festa de despedida. Entre os presentes, estavam Nunes Marques e Fux, além de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo alguns dos presentes, a vaga aberta no Supremo não foi debatida. Os convidados contaram que as conversas giraram em torno de "amenidades".

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, para rejeitar o prosseguimento, no Brasil, da ação judicial movida nos Estados Unidos pela rede social Rumble e pela Trump Media contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

O STJ havia recebido no último mês de agosto uma notificação da Justiça Federal da Flórida para que Moraes seja intimado para responder à ação. O presidente da Corte, então, pediu um posicionamento da PGR sobre o assunto, que foi apresentado sob sigilo na semana passada.

A manifestação foi apresentada pelo subprocurador-geral da República Arthur Gueiros, responsável por processos de Estados estrangeiros que tramitam no STJ.

Ele argumentou que as decisões tomadas por Moraes não tratam de atos privados ou atos de gestão. Para a PGR, a jurisdição internacional não permite dar prosseguimento a uma ação aberta em país estrangeiro com o objetivo de punir um juiz em decorrência de sua atividade jurisdicional, sob risco de ferir a independência do Judiciário brasileiro. Por isso, a PGR opinou que o STJ não deve encaminhar a Moraes a notificação da Justiça da Flórida.

A ação, movida em fevereiro, acusa o ministro do STF de violar preceitos da liberdade de expressão nos Estados Unidos ao enviar ordens para retirar conteúdo publicado no Rumble e pede que suas decisões sejam consideradas ilegais no país.

O processo faz parte de uma série de iniciativas dos Estados Unidos contra o magistrado, que já teve seu visto cancelado e foi sancionado pela Lei Magnitsky, criada para punir terroristas e ditadores. A punição veda o acesso ao sistema financeiro dos Estados Unidos, o que inviabiliza uso de cartões de crédito, bancos e corretoras sediadas naquele país.