Como a presidente do México se prepara para as promessas de Trump sobre imigração e drogas?

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A vitória de Donald Trump para um segundo mandato e a recente posse de Claudia Sheinbaum inauguram uma nova fase na complexa relação entre Estados Unidos e México. De um lado, Trump volta à Casa Branca após uma campanha com uma retórica ainda mais incisiva em relação ao país vizinho. De outro, Sheinbaum assume a liderança do México ecoando o discurso nacionalista de seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador, mas com um tom mais assertivo.

Poucos países deverão ser tão afetados pelo resultado das eleições americanas quanto o de Sheinbaum. Parte dos 312 votos do colégio eleitoral americano que deram o triunfo a Trump foram conquistados a partir das inúmeras promessas do republicano em relação ao México, sobretudo no que diz respeito à migração.

Trump diz que irá terminar a construção do muro na fronteira e fala em detenção e deportação em massa de migrantes - quase metade dos estimados 11 milhões de pessoas vivendo ilegalmente nos Estados Unidos são mexicanos. Além disso, na última segunda-feira, 25, ele prometeu uma tarifa de 25% ao México, bem como ao Canadá, até que as drogas e os migrantes parassem de atravessar as fronteiras.

Em resposta à ameaça de tarifas de Trump, Sheinbaum sugeriu na terça-feira, 26, que o México poderia retaliar com suas próprias tarifas e disse que estava disposta a conversar sobre essas questões, mas que, segundo ela, as drogas eram um problema dos EUA.

"Uma tarifa seria seguida por outra em resposta, e assim por diante até colocarmos em risco negócios comuns", disse Sheinbaum, referindo-se às montadoras dos EUA que têm fábricas em ambos os lados da fronteira.

A resposta ríspida de Sheinbaum indica que o republicano possa ter de lidar nos próximos quatro anos com uma liderança no México menos disposta ao apaziguamento, diferentemente de López Obrador, com quem Trump desenvolveu um relacionamento amigável.

Um dia após a vitória de Trump, a reação imediata de Sheinbaum ao resultado eleitoral já deu sinais da postura que seria adotada pelo México: "Não há motivo para preocupação (…) O México será sempre um país independente e soberano. Haverá um bom relacionamento. Não competimos entre nós, nos complementamos (…) Há muita unidade e muita força na economia mexicana", disse a presidente mexicana, no dia 6 de novembro.

Não foi exatamente a soberania mexicana que prevaleceu no primeiro mandato de Trump. Quando ele ocupou a Casa Branca pela primeira vez, ameaças de tarifas sobre produtos mexicanos e a implementação do programa "Remain in Mexico" forçaram a parceria pragmática do lado de López Obrador que, tentando evitar confrontos, cedeu a diversas demandas americanas, aceitando, por exemplo, o programa que impôs que migrantes fossem enviados de volta ao México enquanto aguardavam decisões de asilo nos EUA.

Sheinbaum agora afirma que "não há subordinação", mas não está claro o quanto a presidente mexicana irá resistir. Trump disse na quarta-feira, 27, que Sheinbaum havia concordado em "parar" a migração durante uma conversa entre os dois, "fechando efetivamente" a fronteira entre seus países. A mexicana, por sua vez, confirmou que conversou com Trump, mas rebateu as afirmações sobre o fechamento de fronteiras, afirmando que a posição do México é " de não fechar".

Especialistas temem que o México tenha pouco espaço para negociação diante de uma ameaça tarifária em um momento em que a economia do país latino está desacelerando.

Cerca de 80% dos produtos mexicanos são exportados para os Estados Unidos. De acordo com o think tank Capital Economics, uma tarifa de 10% sobre produtos importados do México significaria uma redução de 1,5% no PIB mexicano.

"O México provavelmente não tem outra alternativa senão aceitar o Remain in México", diz Ana Covarrubias Velasco, membro do Centro de Estudos Internacionais do Colégio del México (Colmex), sobre o programa de Trump que exige que solicitantes de asilo nos EUA aguardassem no México enquanto seus casos eram processados.

"Teria de ser adotada uma estratégia de negociação muito agressiva para conseguir que Trump repatriasse os migrantes para os seus países de origem, ou para conseguir que os Estados Unidos fornecessem os recursos e o México deportasse os migrantes para os seus países de origem", sugere a especialista.

Na última quinta-feira, 21, relatou a agência Reuters, Sheinbaum afirmou que já tem um plano para receber os mexicanos deportados, mas que quer apresentar a Trump uma "abordagem humanista" e mostrar ao governo republicano que as deportações em massa não eram necessárias, enfatizando a importância dos mexicanos nos EUA, incluindo para a economia.

"Receberemos mexicanos e temos um plano para isso, mas antes disso, vamos trabalhar para demonstrar que eles não precisam deportar nossos compatriotas que estão do outro lado da fronteira", disse Sheinbaum. "Pelo contrário, eles até beneficiam a economia dos Estados Unidos."

Expectativa de cooperação no combate ao narcotráfico

A repressão à imigração respinga diretamente no combate ao narcotráfico. Na desafiadora travessia pela fronteira sul, cartéis mexicanos "lucram" cobrando taxas de coiotes e tornam a migração ainda mais perigosa, sequestrando migrantes em troca de resgate.

Em meio à epidemia dos opioides que assombra os Estados Unidos, Trump tem uma retórica notoriamente agressiva em relação ao narcotráfico. O republicano já fez declarações no passado sobre designar os carteis como organizações terroristas, o que permitiria ações mais invasivas no território mexicano.

Tom Homan, o homem que Trump indicou como o "czar da fronteira" disse em uma entrevista na Fox News que o novo governo usará "o poder total das operações especiais dos Estados Unidos para eliminá-los".

Tal como o seu antecessor, Sheinbaum nunca aceitaria que as forças dos EUA operassem de forma independente em solo mexicano. Mas ela parece estar sutilmente se distanciando da postura de López Obrador de não enfrentar os cartéis, e dá sinais que pode empreender mais esforços na luta contra o tráfico de drogas.

Sheinbaum já revelou que pretende profissionalizar a Guarda Nacional, fortalecer as capacidades de inteligência e investigação e aumentar a coordenação entre as autoridades estaduais e nacionais. Alguns resultados já são claros: em um mês com o novo governo, o México apreendeu mais de 390 mil comprimidos de fentanil - um crescimento exponencial se comparado com a média de 50 gramas confiscados por semana em 2020, segundo a Associated Press.

Para James Gerber, pesquisador no Centro para os Estados Unidos e México, essa é área onde pode prevalecer uma cooperação muito maior entre Sheinbaum e Trump

"Com base em seu tempo como prefeita da Cidade do México, Sheinbaum está mais disposta a trabalhar com agências de inteligência dos EUA para tentar suprimir fluxos de drogas e violência de cartéis", diz Gerber. "Isso seria positivo para o relacionamento bilateral e pode dar a ela mais espaço para manobrar em outras questões, como migração e comércio."

Nesse sentido, também cabe o interesse de Sheinbaum em cooperar porque o uso da força militar americana contra cartéis de drogas mexicanos seria totalmente corrosivo para as relações bilaterais. "Tal movimento colocaria as relações bilaterais na pior situação possível e complicaria ou encerraria todas as outras tentativas de cooperação", diz Gerber.

Renovação do USMCA em vista

Com o avanço da administração Trump, a renovação do USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá) será uma questão crítica nas relações entre os dois países. Durante a renegociação do NAFTA, que resultou no USMCA, Trump pressionou por mudanças significativas, muitas das quais foram apresentadas como vitórias por sua administração, mas com impactos superficiais. Agora, com a revisão do acordo prevista para 2026, a preocupação é que Trump busque modificações mais profundas que possam prejudicar a economia mexicana.

Sob a liderança de Sheinbaum, o México tem se preparado para essa nova fase, sabendo que qualquer reavaliação do USMCA terá grandes implicações para seu setor industrial, especialmente na indústria automobilística, um dos pilares do comércio entre os países. Segundo Gerber "a proximidade dos dois países e o tamanho de suas economias tornam o comércio bilateral inevitável para ambos".

Contudo, o pesquisador alerta que "se Trump impuser níveis draconianos de tarifas, haverá uma reação significativa nos Estados Unidos, já que muitas empresas dependem de importações mexicanas e enviam suas exportações para lá."

O governo de Sheinbaum provavelmente buscará equilibrar a necessidade de proteger os interesses comerciais do México com a complexa dependência econômica do país em relação aos Estados Unidos.

Em questões como a indústria automobilística e a agricultura, a pressão para manter o fluxo comercial e a competitividade de suas exportações será fundamental. Para Ana Velasco, "a redução da dependência comercial do México em relação aos Estados Unidos nunca foi alcançada, e agora o discurso é fortalecer a região norte-americana e aceitar o nearshoring".

Por outro lado, o México já introduziu alterações em sua Constituição que podem ser usadas por Trump como um argumento para exigir renegociações. Essas modificações, que visam a flexibilização de políticas internas em setores estratégicos, como energia, podem ser um ponto de tensão, especialmente se Trump tentar usar isso como base para mudanças no USMCA.

A relação bilateral se complicará ainda mais se Trump decidir explorar questões como as tarifas sobre importações chinesas, o que poderia impactar negativamente as cadeias de suprimentos e obrigar o México a se alinhar com os interesses americanos de forma mais direta. "A estratégia de Sheinbaum tem que ser negociar cada uma dessas questões, provavelmente longe dos olhos do público", sugere Gerber.

Ana Covarrubias reforça que "em vez de procurar alternativas para reduzir a dependência do México, acredito que a estratégia será a negociação para evitar um golpe comercial devido a questões como a migração e o tráfico de drogas. Tanto os Estados Unidos como o México beneficiam de uma menor gestão do problema da imigração e da segurança; a chave da questão é como isso será alcançado, no caso mexicano, sem chegar à submissão grosseira aos Estados Unidos."

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça pediu nesta segunda-feira, 10, informações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a possibilidade de indicar uma mulher negra para a vaga deixada pelo ministro Luís Roberto Barroso na Corte.

Mendonça é o relator de um mandado de segurança apresentado pela Rede Feminista de Juristas, que pede uma liminar obrigando o presidente a nomear uma mulher para a vaga na Suprema Corte.

No despacho, o ministro determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) seja notificada e se manifeste sobre o pedido. A ação sustenta que a escolha de Lula deve considerar a realidade social brasileira, lembrando que advogadas negras representam a maioria da advocacia no País, mas nunca houve uma ministra negra no STF.

"Compreende-se a priorização de mulheres negras para o assento em razão da sumária e histórica exclusão. (...) Mulheres negras, que são um segmento populacional considerável no Brasil, estão totalmente excluídas, ou seja, não possuem nenhuma representação neste espaço; daí a prioridade máxima na indicação de uma mulher negra, para encerrar o quadro grave de exclusão", diz trecho da petição.

O mandado é assinado pelas advogadas Luana Cecília dos Santos Altran, Raphaela Reis de Oliveira, Juliana de Almeida Valente, Cláudia Patrícia de Luna Silva e Maria das Graças Pereira de Mello.

O documento também observa que os nomes cotados para a vaga são todos homens, entre eles, o atual advogado-geral da União, Jorge Messias, dado como indicação certa para a cadeira na Corte.

As autoras da ação afirmam ainda que, em 134 anos de história, o STF teve apenas três mulheres entre mais de 170 ministros, e nenhuma delas era negra. Atualmente, a única ministra que compõe a Corte é Cármen Lúcia.

O texto também cita que, quando a ministra Rosa Weber se aposentou, em setembro de 2023, o presidente Lula escolheu o então ministro da Justiça, Flávio Dino, para ocupar a vaga.

"É direito de todas as mulheres, negras e não negras, diretamente afetadas por este ato, exigir o cumprimento de leis de proteção a seus direitos humanos fundamentais e demandar uma sociedade que não trate tais direitos como mera decoração sem qualquer utilidade", afirma outro trecho do mandado.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou nesta terça-feira, 11, uma nota pública em que pede mais discussão sobre o projeto de lei antifacção, cujo relatório está sendo elaborado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). As alterações de Derrite no texto, de autoria do governo Lula, têm gerado atrito com integrantes do Executivo, da Polícia Federal e da Receita Federal. A previsão é que a proposta seja votada nesta quarta-feira, 12.

Na nota, a ANPR afirma reconhecer "a importância e a urgência do debate" sobre o projeto e destaca que a retomada de territórios dominados por facções é "uma tarefa inadiável". A entidade adverte, no entanto, que a pressa na tramitação pode comprometer a qualidade do texto.

"A celeridade desejada na tramitação de um projeto dessa relevância não pode se confundir com açodamento. A aprovação de um texto sem a devida maturação técnica pode produzir efeitos contrários aos seus próprios objetivos, gerando insegurança jurídica e desorganização no sistema de persecução penal", diz o documento.

A associação de procuradores ressalta que o combate ao crime organizado deve ser baseado em "medidas eficazes, duradouras e juridicamente consistentes - e não respostas reativas ou de natureza simbólica".

A organização defende que o Ministério Público Federal, "titular da ação penal pública e responsável por parcela central do enfrentamento à macrocriminalidade", seja incluído no debate, e se coloca à disposição do relator para "contribuir na construção de um texto coeso, harmônico e eficaz".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o texto do projeto antifacção em 31 de outubro, em meio à repercussão da megaoperação policial que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro. Ele foi, então, enviado ao Congresso.

Na semana seguinte, Derrite se afastou do comando da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, reassumindo temporariamente sua vaga como parlamentar e sendo designado como relator da proposta pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

O substitutivo elaborado pelo relator desagradou a Polícia Federal ao sugerir que a corporação só poderia atuar em crimes considerados de competência da segurança pública estadual se isso fosse solicitado pelos governadores.

O deputado alterou o trecho para sugerir que a PF participe das investigações em caráter "integrativo" com a polícia estadual. Essa participação pode ocorrer por solicitação do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual, ou por iniciativa própria da PF, mediante comunicação às autoridades estaduais.

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), afirmou na segunda-feira, 10, que "em vez de fortalecer o combate ao crime organizado, o relator faz o oposto: tira poder da PF, protege redes de lavagem e impede a cooperação direta entre polícias, na contramão do que foi proposto na PEC da Segurança".

Conforme mostrou a coluna de Marcelo Godoy no Estadão, o promotor Lincoln Gakiya, que investiga a o Primeiro Comando da Capital (PCC) e está jurado de morte pela facção, afirmou que o texto pode excluir não só a PF, mas também o Ministério Público, afetando investigações contra o crime organizado.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli e André Mendonça, protagonizaram uma discussão durante uma sessão da Segunda Turma da Corte, realizada nesta terça-feira, 11.

O episódio ocorreu durante o julgamento da Reclamação Constitucional referente a um processo de 2005, em que um juiz processou um procurador da República por supostos "ataques feitos em entrevistas à imprensa e em sua vida pessoal".

A discussão girava em torno de quem deveria arcar com a indenização tendo como possibilidade o próprio procurador ou o Ministério Público Federal (MPF).

Anteriormente, o Supremo já havia firmado o entendimento conhecido como Tema 940, que estabelece que, quando um agente público (como um juiz, promotor ou servidor) causa algum dano no exercício de suas funções, a ação de indenização deve ser movida contra o Estado (União, estado ou município), e não diretamente contra o servidor.

No caso mencionado, o STF determinou que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) julgasse a ação seguindo a regra do Tema 940.

No entanto, o MPF alegou que o TRF-2 não cumpriu a determinação do Supremo, ou seja, não aplicou o Tema 940 ao julgar o caso. Por isso, o MPF recorreu novamente ao STF para reclamar do descumprimento da decisão anterior.

Durante o julgamento, André Mendonça iniciou o seu voto apresentando um resumo do caso, mas ao ouvir as considerações o ministro Toffoli decidiu contestá-las.

Toffoli defendeu que o entendimento do TRF-2 estava correto e votou pela negação do pedido do MPF. "Cria-se um precedente muito ruim para todos os servidores públicos do país. Se ele agiu fora da competência funcional, ele responde diretamente", afirmou Toffoli.

Mendonça rebateu, afirmando que à época era comum esse tipo de conduta por parte de membros do Ministério Público. "Naquele momento ainda era corrente esse tipo de conduta - conceder entrevistas no curso das operações ou em relação à própria atuação em ações judiciais", disse Mendonça.

Diante disso, Toffoli retrucou novamente: "Com a devida vênia a Vossa Excelência, nós estamos aqui abrindo um precedente perigoso", alertou Toffoli. "Não acho", respondeu Mendonça.

A discussão durou cerca de dois minutos, e Mendonça acompanhou o voto divergente do ministro Edson Fachin.