Queda de Bashar al-Assad marca um novo realinhamento no Oriente Médio

Internacional
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
A luta para depor o regime de Bashar al-Assad demorou mais de 13 anos, causando mortes e destruição incalculáveis, porque potências externas transformaram a Síria em um campo de batalha por procuração para as suas próprias ambições.

A queda do governo de Assad, no domingo (8) de manhã, ocorreu depois de uma campanha relâmpago que apanhou os seus amigos e inimigos de surpresa. A deposição foi desencadeada pelos próprios sírios, enquanto os principais benfeitores do regime estavam enfraquecidos e distraídos por convulsões em outros lugares.

O resultado desta mudança tectônica terá, certamente, um impacto profundo no Oriente Médio e no equilíbrio de poder global.

Muito dependerá de quão ordenada será a transição para uma nova administração liderada pelos rebeldes e até que ponto as facções sírias rivais - incluindo as minorias curda e alauita - serão capazes de evitar novos conflitos.

Já surgiram vencedores e perdedores, embora estes ganhos e perdas possam se revelar ilusórios em um país tão traumatizado e tão mergulhado na violência como a Síria.

"Vemos uma enorme mudança na região. A Turquia tornou-se mais forte, a Rússia tornou-se mais fraca, o Irã tornou-se fraco", disse Badr Jamous, um importante político da oposição anti-Assad. "Mas serão os sírios que desempenharão um grande papel agora, não como antes. Todos terão de ouvir a nossa voz e as nossas decisões."

O Irã, cuja embaixada em Damasco foi saqueada imediatamente após a tomada do poder pelos rebeldes, perdeu o seu principal aliado no "eixo da resistência" e a ligação terrestre vital à sua milícia Hezbollah, no Líbano.

A Rússia - que durante muito tempo se vangloriou de que, ao contrário dos EUA no Afeganistão ou no Vietnã, nunca abandona os seus vassalos - também sofreu um golpe humilhante, com novas incertezas em torno do futuro das suas cruciais bases navais e aéreas no Mediterrâneo.

A Turquia, por enquanto, está em ascensão. Com a saída de Assad, Ancara exercerá, claramente, uma autoridade muito maior sobre o seu vizinho do sul e sobre todo o levante, um impulso às aspirações do presidente Recep Tayyip Erdogan.

A Turquia apoia abertamente a milícia do Exército Nacional Sírio, que concentrou a sua energia, principalmente, nas batalhas com os curdos sírios nas últimas semanas. Os confrontos continuavam no domingo. A Turquia também forneceu apoio tácito à força rebelde síria, Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS.

Rotulada como organização terrorista pelos EUA devido às suas ligações anteriores com a Al Qaeda, a HTS liderou a ofensiva rebelde que tomou as cidades de Aleppo, Hama e Homs antes da queda de Damasco, no domingo. A própria capital síria foi capturada, principalmente, por rebeldes do sul da Síria, muitos deles insurgentes outrora apoiados pela Arábia Saudita, que mais tarde se reconciliaram com o regime como parte de um processo de pacificação supervisionado pela Rússia.

"A Turquia tem a principal responsabilidade de garantir que o resultado disto seja uma maior estabilidade e o regresso dos refugiados, e uma nova Síria, em vez de uma nova guerra civil e um redesenho das linhas no mapa entre árabes, curdos e outras facções", disse Charles Lister, diretor do programa para a Síria no Instituto do Oriente Médio. "A Turquia tem os meios."

As autoridades em Ancara - tal como em praticamente todas as outras capitais - ficaram chocadas com o inesperado sucesso dos rebeldes sírios. O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, disse em Doha, no domingo, que preservar a unidade e a integridade territorial da Síria é o principal objetivo de Ancara, assim como a luta contra os "terroristas" nas áreas controladas pelos curdos na Síria.

"Do ponto de vista da Turquia, o novo elemento de risco e perigo é o colapso do Estado sírio", disse Sinan Ulgen, antigo diplomata turco e diretor do think tank Edam, em Istambul. "A fragmentação da unidade política da Síria poderá levar à emergência de um estado da entidade curda, com o provável apoio dos EUA e de Israel."

Ao contrário da milícia do Exército Nacional Sírio, o HTS absteve-se de combater os curdos nas últimas semanas. O grupo permitiu que as milícias curdas evacuassem com segurança partes de Alepo e falou da necessidade de proteger a diversidade étnica e religiosa da Síria.

As monarquias do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita e o Qatar - que outrora financiaram os rebeldes sírios - também trabalham para garantir que a queda de Assad não desencadeie uma nova onda de agitação contra os governantes da região e um ressurgimento de grupos extremistas ou movimentos.

"Há muitos traumas na região. Boas notícias transformam-se em más notícias muito rapidamente", disse Majed al-Ansari, conselheiro sênior do primeiro-ministro do Qatar. "Não queremos que o que aconteceu em outras nações após a Primavera Árabe aconteça na Síria. Gostaríamos muito de ver uma transição para um Estado viável que dê apoio ao povo."

Israel, que neste fim de semana deslocou tropas para a Síria ao longo das Colinas de Golã, obteve uma conquista estratégica com o desmembramento do "eixo de resistência" liderado pelo Irã, o seu inimigo mais relevante. Foi o sucesso anterior de Israel na devastação da milícia Hezbollah do Líbano, que costumava fornecer a Assad a sua infantaria mais capaz, que permitiu aos rebeldes sírios dominarem as forças armadas do regime.

As autoridades israelenses, no entanto, também estão preocupadas com a ascensão de um Estado islâmico sunita apoiado pela Turquia nas suas fronteiras - um Estado que poderá tentar recuperar as Colinas de Golã, que Israel capturou em 1967, e que poderá se aliar ao grupo militante Hamas da Palestina.

O líder do HTS, Ahmed al-Sharaa, descendia de sírios que escaparam à ocupação israelense do Golã, o que explica o nome de guerra de Abu Mohammed al Jawlani. O comandante rebelde, que regressou a Damasco com uma aparição triunfante na antiga mesquita Umayyad da capital, no domingo, disse que abraçou a política islâmica pela primeira vez durante a segunda intifada palestina.

O Iraque tem preocupações semelhantes, com as autoridades preocupadas que os acontecimentos na Síria possam desencadear uma nova insurreição sunita internamente. Afinal, Jawlani pegou uma arma pela primeira vez quando era um insurgente islâmico sunita no Iraque, de maioria xiita, em 2003. Em uma mensagem de vídeo ao primeiro-ministro iraquiano Mohammed al-Sudani na semana passada, Jawlani instou as milícias xiitas do Iraque a ficarem longe da Síria e recomendou que não tentassem resgatar Assad - conselho que acabou por ser seguido por Bagdá.

Prevenir uma repercussão do conflito sírio no Iraque poderá voltar a ser a prioridade do Irã, disse Seyed Emamian, co-fundador do Grupo de Reflexão sobre Governo e Política em Teerã. "Para o Irã, é muito importante não só apoiar os seus aliados no eixo da resistência, mas também a segurança do Iraque - porque se algo acontecer dentro do Iraque, as fronteiras iranianas seriam muito vulneráveis, e poderia ser uma questão de segurança nacional", disse.

Os EUA - que mantêm tropas no enclave curdo sírio e em uma área desértica na fronteira com a Jordânia - permaneceram à margem enquanto o colapso do regime de Assad se desenrolava. O presidente eleito, Donald Trump, endossou a posição, escrevendo num post nas redes sociais, no sábado, que a Síria "não é a nossa luta" e que os EUA "não deveriam ter nada a ver com isso". Quanto à Rússia, Trump disse não havia razão para Moscou estar na Síria.

Nas redes sociais russas, a queda de Damasco foi tratada como uma catástrofe geopolítica, com o ideólogo nacionalista Alexander Dugin a descrevendo como um "evento trágico". A Rússia enviou tropas para a Síria em 2015, uma medida que conteve os rebeldes e evitou um colapso, aparentemente, iminente do regime.

"O que aconteceu foi um enorme golpe para a influência e o prestígio regional da Rússia", disse Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center. "Apoiar o regime de Assad, interferindo na guerra civil síria ao lado de Assad com os iranianos, foi uma das principais demonstrações da capacidade da Rússia de dar um soco acima do seu peso."

As bases na costa mediterrânea da Síria - a instalação naval em Tartus, que a Rússia arrendou por 49 anos em 2017 e o campo de aviação em Khmeimim - são cruciais para a capacidade da Rússia de demarcar a sua autoridade no Oriente Médio e na África.

Alguns diplomatas envolvidos nas negociações sobre a Síria entre a Rússia, o Irã, a Turquia e os principais países árabes que tiveram lugar em Doha, no Qatar, no sábado - horas antes da queda de Assad - disseram que a Rússia, provavelmente, recebeu compromissos de que poderia manter estas bases como parte da uma transição.

Não está claro, no entanto, até que ponto esses compromissos seriam honrados pelos rebeldes sírios, especialmente tendo em conta o histórico da Rússia de bombardear cidades sírias até reduzi-las a escombros ao longo da última década. Um fator é que o futuro governo sírio estaria, provavelmente, interessado em pelo menos alguma cooperação militar com Moscou porque a maior parte do seu armamento é de origem russa ou soviética.

"Os militares sírios foram treinados pelos russos e o software para governar os militares é russo", disse Ammar Kahf, diretor executivo do think tank Omran, que está ligado à oposição síria. "A Síria poderia se tornar um Estado neutro que tenha boas relações com os EUA e boas relações com a Rússia, mas os militares sírios permaneceriam, sobretudo, ligados aos russos."

Por enquanto, os rebeldes sírios tratam a Rússia numa categoria diferente da do Irã. Uma declaração rebelde após a queda de Alepo disse que o povo sírio não tem divergências com a Rússia. Enquanto os rebeldes saqueavam a embaixada do Irã em Damasco, a missão russa foi poupada.

Embora o Irã tenha sido atingido, não perdeu necessariamente toda a influência na Síria. O Taleban, do Afeganistão, um movimento islâmico sunita, também saqueou a missão diplomática iraniana em Mazar-e-Sharif, com militantes matando vários diplomatas em 1998. Mas na década seguinte, Teerã conseguiu estabelecer uma boa relação de trabalho com os Taleban - laços que se solidificaram quando grupo regressou ao poder em Cabul em 2021.

Em outra categoria

O tenente-coronel das forças especiais do Exército Rodrigo Bezerra de Azevedo foi o único militar a comparecer nesta terça-feira, 11, ao Supremo Tribunal Federal (STF) para acompanhar o julgamento do núcleo 3 da trama golpista, do qual faz parte. O "kid preto", como são chamados os agentes especiais, foi à Corte sem farda.

O grupo é acusado de ter orquestrado e colocado em prática ações operacionais que viabilizariam a tentativa de golpe de Estado, o que incluiria o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes.

Azevedo foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de ser o agente de codinome "Brasil" na operação Copa 2022, que colocaria em prática a tentativa de assassinato de Moraes. Ele está preso preventivamente desde novembro do ano passado. Uma das principais provas contra o militar é o fato de ele ter utilizado o mesmo aparelho de celular identificado pela Polícia Federal (PF) nas semanas seguintes à operação de neutralização do ministro do STF.

A defesa do militar alega, contudo, que ele estava em casa no dia 15 de dezembro de 2022, quando teria sido colocado em prática o plano de assassinato de autoridades. A PF não demonstrou evidências de que Azevedo estaria em Brasília no dia da operação.

Segundo a PGR, Azevedo e os outros "kids pretos" acusados de integrarem o núcleo operacional da trama golpista "integraram, de maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa constituída desde pelo menos o dia 29 de junho de 2021 e operando até o dia 8 de janeiro de 2023, com o emprego de armas".

"Essa organização utilizou violência e grave ameaça com o objetivo de impedir o regular funcionamento dos Poderes da República e depor um governo legitimamente eleito", afirmou o procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Os "kids pretos" são os agentes das Forças Especiais do Exército treinados para operações de alta complexidade.

A Polícia Federal (PF), com o apoio da Controladoria Geral da União (CGU), deflagrou nesta terça-feira, 11, a Operação Lamaçal para apurar eventuais crimes contra a Administração Pública e lavagem de capitais. O foco da investigação são desvios de verbas públicas federais do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), repassadas ao município de Lajeado, no Vale do Taquari (RS), em razão das enchentes de maio de 2024, as maiores da história do Estado.

O principal alvo da investigação é o ex-prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo, que atuou na gestão municipal entre 2017 e 2023 e atualmente é o secretário de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do governo do Rio Grande do Sul. A PF investiga contratos da gestão dele como procurador-geral de Lajeado, firmados logo após a declaração de calamidade pública. A reportagem do Estadão tentou contato com o secretário de Estado, Marcelo Caumo, mas ele não retornou às ligações. O governo do Estado do RS afirma que a investigação não tem relação com a atuação de Caumo enquanto secretário estadual (veja mais abaixo).

Apreensão de veículos e bloqueio de contas

Durante a operação, foram cumpridos 35 mandados de busca e apreensão e determinadas medidas cautelares, como a apreensão de 10 veículos e o bloqueio de ativos de até R$ 4,5 milhões. As buscas ocorreram nos municípios de Lajeado, Muçum, Encantado, Garibaldi, Guaporé, Carlos Barbosa, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Porto Alegre.

O inquérito aponta irregularidades em uma dispensa de licitação realizada pela Prefeitura de Lajeado para a contratação de serviços terceirizados, como psicólogos e assistentes sociais. Há indícios de que a contratação direta, justificada pela calamidade, tenha ocorrido sem buscar a proposta mais vantajosa, com valores possivelmente acima dos de mercado. O montante dos dois contratos inicialmente levantados pela PF soma aproximadamente R$ 120 milhões.

O que diz o governo do RS

O governo do Estado do RS afirma que a investigação não tem qualquer relação com a atuação de Marcelo Caumo enquanto secretário de Estado.

À época dos fatos relatados, Marcelo Caumo atuava na administração municipal na cidade de Lajeado. Ainda que a apuração seja sobre contratos firmados antes do ingresso dele no quadro do Executivo estadual, o governo reforça sua absoluta disposição para auxiliar a Polícia Federal na investigação dentro do que for possível.

O governo do Estado afirma que aguardará os desdobramentos da apuração, resguardando o direito de defesa e contraditório dos envolvidos.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu nesta segunda-feira, 10, em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a condenação dos deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA) e Pastor Gil (PL-MA), além do suplente de deputado Bosco Costa (PL-SE), por corrupção com emendas parlamentares.

Segundo a PGR, os deputados condicionaram a destinação de R$ 6,67 milhões em emendas ao município de São José de Ribamar, na região metropolitana de São Luís, ao pagamento de R$ 1,67 milhão em propinas. Os parlamentares negam irregularidades.

A Procuradoria afirma que as provas são "irrefutáveis" e que a autoria e a materialidade dos crimes estão comprovadas por diálogos e documentos obtidos na investigação.

"Embora os deputados Josimar e Bosco Costa tenham negado a autoria das emendas, aproveitando-se da baixa transparência dos dados públicos sobre a procedência desses recursos, as provas confirmam serem eles os responsáveis pelas destinações", diz a PGR.

O vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand, enviou ao STF os últimos argumentos da acusação no processo. As defesas ainda vão apresentar suas alegações finais, última etapa antes do julgamento. O relator do processo é o ministro Cristiano Zanin.

Além da condenação, a PGR pede a perda dos mandatos e o pagamento de uma indenização por danos morais coletivos.

A PGR afirma que Josimar Maranhãozinho "ostentava a posição de liderança" do suposto esquema e, nessa condição, "coordenava a destinação dos recursos patrocinados pelos demais congressistas" e depois distribuía as propinas.

"Não há dúvida de que os réus, sob a chefia do deputado Josimar, constituíram e integraram organização criminosa", diz a Procuradoria nas alegações finais.

Os repasses teriam ocorrido entre dezembro de 2019 e abril de 2020, de acordo com a denúncia. Na época, o prefeito de São José de Ribamar era José Eudes Sampaio Nunes. A PGR afirma que ele foi "insistentemente abordado para ceder à solicitação de propina".

As defesas vêm pedindo o arquivamento da ação por falta de provas.