Em meio às investigações sobre suposta compra de votos no Ceará - esquema de lavagem de dinheiro de emendas parlamentares nas eleições de 51 municípios em outubro de 2024 -, a Polícia Federal esbarrou em um vigia que recebe salário mensal de R$ 2,4 mil e abriu uma empresa com capital social de R$ 8,5 milhões. Segundo a Polícia Federal, não foram encontrados, durante diligências, "elementos que justifiquem" o fato de Maurício Gomes Coelho, o vigia, de 37 anos, ter constituído a MK Serviços em Construção e Transporte Escolar Ltda, contratada por administrações municipais a peso de ouro. O valor global dos contratos vai a R$ 318,9 milhões. O Estadão busca contato com o vigia. O espaço está aberto para manifestação.
A PF diz que "é possível inferir, com forte grau de segurança" que Maurício atua como "interposto de terceiros", ou seja, um laranja do esquema que se espraiou por grande parte do sertão cearense. Os investigadores destacam como a suspeita vai de encontro com uma denúncia que aportou no Ministério Público Eleitoral dando conta de que o vigia seria um laranja de Carlos Alberto Queiroz, o 'Bebeto do Choró'.
Prefeito eleito do município de Choró, com 12 mil habitantes, a 185 quilômetros de Fortaleza, Bebeto é investigado por suposta ligação com o braço do Comando Vermelho que se instalou nessa região do Estado para assumir o controle da compra de votos para aliados da facção. Ele está foragido.
A PF aponta relações próximas de 'Bebeto do Choró' com o deputado federal Júnior Mano (PSB). O Estadão procura contato com a defesa do prefeito foragido e pediu manifestação do deputado. O espaço está aberto.
Ao pedir a remessa ao Supremo Tribunal Federal da investigação aberta após o resgate de áudios de Bebeto, os federais destacaram indícios de que Júnior Mano "estaria diretamente envolvido no desvio de emendas parlamentares, utilizados para alimentar o esquema de compra de votos e consolidar sua base de apoio político".
Os detalhes sobre o papel de Maurício no organograma do grupo político constam de um relatório da PF, datado de novembro passado, após a apreensão do celular do vigia.
No dia 1º de janeiro, a Justiça Eleitoral suspendeu a posse de Bebeto, após a Polícia Federal encontrar diálogos atribuídos a ele - inclusive um áudio em que o prefeito eleito "reclama do preço a pagar pelos votos, indicando que estava muito caro".
O inquérito foi aberto no final de setembro para averiguar a informação de que 'Bebeto do Choró', junto de empresários, estaria oferecendo dinheiro "oriundo de atividades ilícitas dado o envolvimento em licitações em vários municípios deste Estado do Ceará através de empresas constituídas em nome de 'laranjas', a políticos com atuação em Canindé, município vizinho a Choró, para que assim possam manejar recursos em meio à campanha eleitoral além dos limites de gastos estabelecidos e fixado para os candidatos no pleito".
A investigação foi impulsionada pela denúncia da ex-prefeita de Canindé Rosário Ximenes em pleno período eleitoral. Segundo ela, Bebeto "enviaria dinheiro para outras prefeituras, cerca de 51, e teria para gastar nas eleições mais de R$ 58 milhões".
O depoimento de Rosário registrou ainda que Bebeto "financiaria carro, gasolina, brindes, compra de votos; que esses financiamentos são em troca da prefeitura, pois já foi vendido a iluminação pública, o lixo, os transportes, com doação de veículos em troca de votos".
Ao Ministério Público, ela citou diretamente a MK Transportes, empresa constituída pelo vigia Maurício. A ex-prefeita afirmou que a MK pertenceria, na verdade, a 'Bebeto do Choró'. Foi então que a Promotoria colocou a empresa na mira e passou a levantar os dados das licitações das quais teria participado em municípios cearenses, assim como as informações sobre contratos milionários fechados com as prefeituras.
Rosário disse que os recursos de Bebeto "vêm de licitações e emendas parlamentares que ele negocia". Ela apontou para Júnior Mano. "Concede as emendas, manda pra ele ('Bebeto do Choró') e ele lava."
"A lavagem consiste em contatar o gestor, oferecendo como exemplo um milhão com retorno de quinze por cento pra ele", registrou o depoimento de Rosário.
A citação a Júnior Mano alçou o caso ao STF. Segundo os investigadores, o parlamentar "exercia papel central na manipulação dos pleitos eleitorais, tanto por meio da compra de votos, quanto pelo direcionamento de recursos públicos desviados de empresas controladas pelo grupo criminoso" supostamente liderado por seu apadrinhado, 'Bebeto do Choró'.
Maurício e a MK seriam peças importantes do esquema, segundo a Promotoria. A investigação espreita pelo menos outras sete empresas que também teriam sido contempladas por meio de contratos de grande valor com gestões públicas cooptadas pelo crime organizado, A PF analisa todos os contratos que essas companhias fecharam com municípios cearenses.
O rastreamento mostra que a MK Serviços em Construção e Transporte Escolar Ltda,, por exemplo, fechou com 47 municípios contratos que somam R$ 318.927.729,42.
Em meio a esse levantamento, a PF resgatou uma notícia crime lavrada após a apreensão, no dia 25 de setembro, de R$ 600 mil em espécie que havia sido sacado, em pleno período eleitoral, por um sargento da Polícia Militar, Emanuel Elanyo Lemos Barroso, "no interesse" de Maurício.
O dinheiro foi encontrado sobre o tapete do banco do passageiro de uma Hilux. O carro estava no nome de um terceiro, um empresário que possui contrato de locação com a prefeitura de Milagres.
À PF, o sargento contou que havia atendido a um "chamamento de um colega policial" para acompanhar a irmã de Maurício". Segundo o policial, na manhã da apreensão, ele havia feito dois saques em agências bancárias a pedido de Maurício - um de R$ 399 mil e outro de R$ 198 mil.
O policial contou que já havia feito outros saques de "valores consideráveis" a pedido do vigia e que sempre "pegava o dinheiro, colocava em uma bolsa e lavava para a empresa".
Barroso disse que "não vê qualquer irregularidade em ir fazer esses saques, sobretudo porque estava de folga e tanto é assim que usava sua carteira de identidade, com seus dados, para os registros referentes a esses saques".
"Logicamente era instado a acompanhar esses saques e até acompanhar o dono da empresa porque ele tinha receio de circular com essas quantias sem um acompanhamento de alguém com condições de avistar e se antecipar aos riscos", depôs o PM no inquérito da Polícia Federal. "Até onde sabe, nenhuma das pessoas que recebeu valores decorrentes desses saques que providenciou são políticos ou pessoas envolvidas em campanha política, porque isso não foi cogitado nem informado pelo empresário."
Após diligências preliminares, a PF abriu, em outubro, a Operação Camisa 7 para fazer buscas em endereços de 'Bebeto do Choró' e na MK Transportes. Bebeto foi abordado pelos investigadores em uma praia de Fortaleza. Quando viu os agentes se aproximar, o prefeito eleito de Choró tentou se desfazer de seu celular e o arremessou em um espelho d'água de um prédio. A PF recuperou o celular. Bebeto se recusou a dar a senha do aparelho.
Na sede da MK, a Polícia encontrou uma máquina contadora de dinheiro e sacolas, "o que confirma que no recinto há a circulação de dinheiro em espécie", segundo a corporação.
COM A PALAVRA A MK E O DONO DA EMPRESA
Até a publicação deste texto, a reportagem buscou, sem sucesso, contato por e-mail com a empresa. O espaço está aberto para manifestações.
COM A PALAVRA, BEBETO DO CHORÓ
Até a publicação deste texto, a reportagem buscou, sem sucesso, contato com o prefeito. O espaço está aberto para manifestações.
COM A PALAVRA, O DEPUTADO JÚNIOR MANO
Até a publicação deste texto, a reportagem buscou, sem sucesso, contato por e-mail com a assessoria do deputado. O espaço está aberto para manifestações.