Uruguai: Orsi toma posse, com desafio de realizar 'mudança segura' para recuperar crescimento

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Yamandú Orsi, herdeiro político de José "Pepe" Mujica, tomou posse como presidente do Uruguai ontem assumindo o leme de um governo que prometeu fortalecer a rede de segurança social enquanto reverte anos de estagnação econômica.

A posse de Orsi, 57, marca o retorno da Frente Ampla do Uruguai - uma mistura de centro-esquerda de moderados, comunistas e sindicalistas linha-dura - após uma interrupção de cinco anos do governo do conservador Luis Lacalle Pou.

Aplausos irromperam quando Orsi recitou o juramento de posse perante o Congresso. Do lado de fora, na praça principal da cidade, milhares de uruguaios que assistiam à sua posse em telões gigantes gritaram em apoio.

A cerimônia ocorreu três meses após a vitória de Orsi em uma corrida eleitoral notavelmente civilizada entre dois moderados, elogiada como um antídoto à polarização que assola a região. Em seu discurso, ele criticou a crescente desilusão com as normas democráticas na América Latina, o que resultou em uma mudança para a direita, da vizinha Argentina à El Salvador.

"Todos nós sabemos bem que temos que valorizar nossa construção democrática em tempos em que a lógica excludente e as expressões de desconfiança na política tradicional proliferam", disse Orsi em seu discurso inaugural diante de uma reunião de líderes nacionais e estrangeiros no palácio legislativo em Montevidéu.

Ele declarou: "Sejamos sempre adversários, mas nunca inimigos. E nos distanciemos o máximo possível do cinismo".

Na noite anterior à cerimônia, Orsi jantou em Montevidéu com seus colegas regionais de linha semelhante, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e Gabriel Boric, do Chile.

A cena amigável consolidou Orsi como o mais recente na faixa de líderes de esquerda aliados da região - muitos dos quais têm lutado nos últimos anos para combater a crescente desigualdade e o crescimento estagnado.

Muitos uruguaios viam Orsi como o candidato nostálgico, relembrando o governo de 15 anos da Frente Ampla, entre 2005 e 2020. Durante esse tempo, a coalizão presidiu um ciclo histórico de crescimento econômico que reduziu a pobreza e consolidou a reputação pró-negócios do país. A coalizão também lançou reformas sociais pioneiras que renderam ao Uruguai aclamação internacional, incluindo a legalização do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e maconha recreativa.

Mas, em 2020, problemas emergentes como desigualdade crescente e aumento da criminalidade inauguraram o governo de centro-direita de Lacalle Pou com promessas de reforma do Estado inchado. No ano passado, a frustração pública sobre a persistência desses problemas ajudou a encerrar o mandato de Lacalle Pou, enquanto uma onda antisituacionistas varria o mundo.

Orsi prometeu implementar uma "mudança segura" para os 3,5 milhões de habitantes do Uruguai. Agora ele enfrenta um difícil ato de equilíbrio - entre satisfazer as demandas de seus eleitores mais radicais, que pediram a descontinuação de algumas das medidas de corte de custos do governo anterior, enquanto aumenta a competitividade para estimular o tão necessário desenvolvimento econômico.

"O país precisa recuperar um caminho de crescimento que gere não apenas uma quantidade maior, mas também qualidade de trabalho", disse. "Isso permite um piso salarial digno e, com isso, uma melhor distribuição de renda."

Com uma coalizão fragmentada, especialistas dizem que muitas das posições de Orsi ficarão claras somente depois que ele assumir o cargo e for forçado a fazer escolhas políticas difíceis.

"A comunidade empresarial está adotando uma atitude de observar e ver até que fique claro se Orsi está no comando ou se sua base esquerdista mais agressiva está no comando", disse o economista uruguaio Arturo C. Porzecanski, um membro global do Woodrow Wilson International Center for Scholars.

"Se Orsi não sair por cima e medidas que atrasam o relógio forem aprovadas, isso diminuirá a perspectiva econômica para os próximos anos."

Manter um orçamento apertado tornará difícil atender às expectativas dos unionistas que promoveram um referendo controverso para aumentar as pensões e reverter a decisão do antigo governo de aumentar a idade legal de aposentadoria de 60 para 65.

Orsi reconheceu o desafio em seu discurso, dizendo: "Muito diálogo, uma mão estendida e a capacidade de entender as diferentes sensibilidades expressas por nossa comunidade serão necessárias".

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O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a pagar R$ 150 mil por danos morais coletivos, em razão de declarações feitas em 2022, durante uma entrevista, em que afirmou que "pintou um clima" ao encontrar adolescentes venezuelanas.

A decisão, proferida nesta quinta-feira, 24, reformou a sentença de primeira instância, que havia rejeitado a ação movida pelo Ministério Público (MP). Porém, a defesa de Bolsonaro ainda pode recorrer no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Procurado por meio de sua defesa, Bolsonaro ainda não havia se manifestado até a publicação deste texto.

Em novembro de 2024, a 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF considerou improcedente a ação civil pública, sob o argumento de que não havia provas de conduta ilícita por parte de Bolsonaro. O MP recorreu, e a 5ª Turma Cível do TJDFT, por maioria, acolheu o recurso e reformou a sentença, responsabilizando o ex-presidente.

Diferente do entendimento da 1ª Vara da Infância, que classificou a fala como "infeliz", a 5ª Turma Cível considerou a declaração como "profundamente ofensivas e violadora de direito". Os desembargadores entenderam que a fala de Bolsonaro estigmatizou as adolescentes, não se enquadrando nos limites da liberdade de expressão.

Segundo a decisão, a multa paga pelo ex-presidente deverá ser revertida a fundos, projetos ou ações de promoção de direitos da infância. Além da indenização, a decisão impôs a Bolsonaro as seguintes obrigações, com multa de R$ 10 mil por cada descumprimento:

- Abster-se de utilizar imagens de crianças e adolescentes em material publicitário, vídeos, lives e/ou qualquer meio audiovisual sem prévio conhecimento e autorização dos responsáveis legais;

- Abster-se de incitar crianças e adolescentes a reproduzirem gestos violentos, como o gesto de "uso de arma";

- Abster-se de empregar conotação sexual a quaisquer situações envolvendo crianças e adolescentes, mediante palavras, gestos ou ações que as estigmatizem, as exponham ou as submetam a associação com práticas sexuais.

Relembre o caso

A declaração de Bolsonaro de que "pintou um clima" entre ele e meninas venezuelanas de 14 e 15 anos gerou polêmica nas redes sociais e motivou até pedidos de cassação do cargo durantes as eleições de 2022.

Em entrevista a um podcast em 14 de outubro de 2022, o então presidente disse que andava de moto por uma comunidade na região de São Sebastião (DF) quando avistou o grupo de adolescentes. Bolsonaro disse que pediu para entrar na casa delas e deu a entender que estavam se arrumando "para ganhar a vida", indicando possível exploração sexual de menores.

"Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, no sábado, numa comunidade, e vi que eram parecidas. Pintou um clima, voltei, 'posso entrar na sua casa?', entrei. Tinha umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. Aí eu te pergunto, menina bonitinha se arrumando sábado de manhã para quê? Para ganhar a vida. É isso que você quer para a sua filha?", afirmou.

Na mesma entrevista, Bolsonaro repercutiu a ideia falsa de que não teriam morrido crianças por covid no Brasil.

A declaração causou enorme repercussão nas redes sociais e passou a ser explorada por adversários da campanha à reeleição. Opositores chegaram a utilizar a hashtag "Bolsonaro é pedófilo" uma das mais compartilhadas no Twitter em 15 de outubro de 2022.

A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil publicou em seu perfil oficial do X (antigo Twitter) na tarde desta quinta-feira, 24, que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é "coração pulsante do complexo de perseguição e censura" contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A mensagem é a tradução de uma publicação do subsecretário de Estado para a Diplomacia Pública e Assuntos Públicos dos Estados Unidos, Darren Beattie.

"Graças à liderança do presidente Trump e do secretário Rubio, estamos atentos e tomando as devidas providências", continua a nota, se referindo ao secretário de Estado do governo de Donald Trump, Marco Rubio.

Na semana passada, o secretário anunciou revogação imediata do visto de Moraes e de outros ministros da Corte. A suspensão foi mais um capítulo na crescente tensão entre Brasil e Estados Unidos. No último dia 9, o presidente Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos EUA.

No mesmo dia, a Embaixada emitiu nota endossando Trump. A representação afirmou que Bolsonaro e sua família têm sido "fortes parceiros" dos norte-americanos e afirmou que a "perseguição política contra ele, sua família e seus apoiadores é vergonhosa e desrespeita as tradições democráticas do Brasil".

Na semana passada, a Embaixada criticou a atuação da Suprema Corte brasileira e a chamou de "Supremo Tribunal de Moraes".

Na última terça-feira, 15, o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) iniciou uma investigação sobre o Brasil, para apurar se práticas comerciais brasileiras prejudicam de alguma forma o comércio americano.

A Embaixada também enviou uma mensagem nesta quarta-feira, 23, diretamente aos imigrantes brasileiros que estão ilegalmente no país americano, incentivando-os a voltar para casa. A publicação reforça a política anti-imigração aplicada por Trump desde o início de seu segundo mandato na Casa Branca.

A delegada da Polícia Federal Marília Ferreira de Alencar, que ocupava o cargo de diretora de inteligência no Ministério da Justiça durante as eleições de 2022, disse em depoimento que confirmou que pediu um estudo que identificasse locais em que Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro tiveram mais de 75% dos votos no 1º turno do pleito presidencial daquele ano, mas nega ter passado os dados para a Polícia Rodoviária Federal operar as blitze na região Nordeste na segunda rodada.

"Pedi (o painel de dados) de todos os municípios, não só do Nordeste, e para todos os candidatos", disse Alencar. "Eu nunca pensei em usar esse BI (acrônimo de business inteligence, o painel) para a PRF ou para qualquer que fosse."

Em depoimento dado em maio, o ex-analista de inteligência da Coordenação-Geral de Inteligência do Ministério da Justiça Clebson Ferreira de Paula Vieira afirmou que recebeu encomendas de estudos sobre a distribuição de agentes da PRF às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2022.

As ordens, segundo ele, partiram da então secretária de Segurança Pública da pasta, Marília Ferreira de Alencar. "Recebi duas demandas, que passaram direto dela para mim. A primeira foi a análise de dados de concentração de votos acima de 75%, tanto para Lula quanto para Bolsonaro. Solicitou para mim que eu fizesse algumas impressões e algumas planilhas. A segunda foi a distribuição da Polícia Rodoviária Federal, um painel para possível tomada de decisão", disse no depoimento.

Vieira afirmou que, na época, suspeitou que aqueles dados seriam usados para fins eleitorais e percebeu enviesamento dos pedidos que recebia dos superiores. Em outra solicitação que relatou ter recebido, Marília teria encomendado uma análise sobre possíveis correlações entre votos em Lula e áreas dominadas pelo Comando Vermelho.

O trabalho foi solicitado após o petista fazer uma agenda de campanha no Complexo do Alemão, comunidade do Rio de Janeiro. Na época, aliados de Jair Bolsonaro usaram o ato de campanha para associar o adversário ao crime organizado.

"Foi pedida uma análise do seguinte aspecto: cruzar todas as urnas em territórios sob o Comando Vermelho para cruzar e ver se havia alguma correlação ou causalidade. O resultado foi inconclusivo", disse Vieira.

Um relatório produzido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN) e encaminhado à Polícia Federal aponta indícios de que as blitze feitas pela Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições presidenciais podem ter atrasado a chegada dos eleitores aos locais de votação.

O ex-diretor de operações da PRF Djairlon Henrique Moura confirmou, em maio ao STF, ter participado de uma reunião no dia 19 de outubro de 2022 em que, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi tratado de um "policiamento direcionado" que seria executado no segundo turno.

A denúncia traz uma conversa em um grupo de WhatsApp em que a ex-diretora de inteligência de Ministério da Justiça Marília de Alencar afirma que nessa reunião Anderson Torres foi "isento p... nenhuma" e "meteu logo um 22", em referência ao número de urna de Bolsonaro.

Alencar é a única mulher entre os 34 denunciados pela PGR por tentativa de golpe de Estado.

Segundo a denúncia, Marília é acusada de "utilização indevida da estrutura da Polícia Rodoviária Federal para obstaculizar o trânsito de eleitores a zonas eleitorais em regiões do Nordeste" e de coordenar o emprego das forças policiais "para sustentar a permanência ilegítima de Jair Messias Bolsonaro no poder".

No 8 de janeiro de 2023, a delegada era subsecretária de Inteligência do Distrito Federal.