O ministro Joel Ilan Paciornik, da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconheceu a ilegalidade de parte de um grampo telefônico realizado pela Polícia Federal para monitorar o vereador Gaturiano Cigano (União Brasil), da Câmara de Petrolina (PE) - sertão pernambucano, a 700 quilômetros do Recife -, no âmbito da Operação Errantes, investigação deflagrada em fevereiro de 2022 para conter fraudes contra a Previdência estimadas em R$ 100 milhões.
A decisão acolheu parcialmente recurso em habeas corpus interposto pela defesa do vereador contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF-5), que negou a anulação da escuta telefônica.
Cigano é acusado de "estelionato previdenciário". Ele foi o principal alvo da Operação Errantes. Na ocasião, a PF fez buscas em seu gabinete na Câmara de Petrolina em busca de documentos que o ligassem a uma quadrilha especializada na obtenção indevida de Benefícios de Prestação Continuada (BPC) - um salário mínimo pago pelo INSS a pessoas com mais de 65 anos ou portadoras de deficiência.
Ao STJ, Cigano alegou, por sua defesa, "ausência de fundamentação" da decisão que o incluiu como alvo da interceptação, que, segundo ele, não teria sido devidamente motivada, assim como os despachos judiciais que prorrogaram o grampo. Também sustentou que a medida não poderia ter sido autorizada em inquérito aberto com base em denúncia anônima.
Outro ponto abordado pela defesa, a cargo do criminalista Átila Machado, diz que o prazo de monitoramento extrapolou os 15 dias e que "a escuta foi inclusive realizada neste período, tendo até mesmo embasado a denúncia do Ministério Público".
Átila Machado requereu a declaração da nulidade das interceptações e de todas as provas dela derivadas. "Nós suscitamos que, após o término do período que autorizava a interceptação telefônica e antes que fosse concedida nova autorização, a Polícia Federal grampeou de forma ilegal o vereador, já que não havia decisão que permitia a escuta."
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do recurso ou por seu desprovimento.
Em sua decisão, o ministro Joel Ilan Paciornik, inicialmente, registrou que "não procede a assertiva da nulidade da interceptação telefônica, a qual teria sido requerida em inquérito aberto com base em denúncia anônima, pois como assentado na Corte de origem, foi instaurado procedimento preliminar ao inquérito com a finalidade de se averiguar a plausibilidade da referida denúncia, o que depois de constatada deu início ao procedimento inquisitivo".
Paciornik anotou, ainda, que "conforme consignado pelas instâncias ordinárias, as interceptações telefônicas foram precedidas de apuração realizada pela autoridade policial, a qual pleiteou a medida excepcional haja vista a sua imprescindibilidade para a conclusão das investigações".
Mas o ministro destacou que o término de um período de escutas ocorreu em 8 de junho de 2021. "Todavia foram realizadas escutas na parte da manhã do dia 9 de junho de 2021, antes do despacho que as prorrogou no final da tarde. Assim, essas escutas não são válidas, pois foram realizadas sem autorização judicial, a qual só foi concedida depois que elas foram feitas, e, desta forma, devem ser desentranhadas dos autos da ação penal."
O ministro decidiu que "não se deve considerar como inválidas as interceptações realizadas no dia 9 de junho de 2021, horas antes da decisão que prorrogou as escutas por mais quinze dias, pois o referido pedido de prorrogação foi requerido antes do escoamento do prazo da escuta anterior e deferido no mesmo dia, dando continuidade às interceptações telefônicas".
Paciornik acatou parcialmente o recurso da defesa do vereador pernambucano "apenas para determinar que sejam desentranhadas dos autos as escutas realizadas no dia 9 de junho de 2021, antes do deferimento da sua prorrogação, e envio, de ofício, à empresa de telefonia".
COM A PALAVRA, A DEFESA
O criminalista Átila Machado, que representa o vereador Gaturiano Cigano, declarou ao Estadão que o ministro Joel Ilan Paciornik reconheceu a ilegalidade do procedimento da PF.
"O ministro ressaltou que essas escutas não são válidas, pois foram realizadas sem autorização judicial, a qual só foi concedida depois que elas foram feitas.
Com o reconhecimento da ilegalidade da interceptação telefônica a ação penal que tramita em Petrolina deve ser trancada, já que as conversas interceptadas sem autorização judicial foram usadas pelo Ministério Público Federal para formular a acusação", afirma Átila Machado.
O criminalista informou que 'como realizar interceptação telefônica sem autorização judicial é crime, serão tomadas medidas na esfera penal e administrativa contra o delegado federal que grampeou ilegalmente o vereador'.