Defesa da democracia, despolarização e vida simples são os legados de 'Pepe' Mujica

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O ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica teve uma vida marcada pela defesa da democracia, independente de ideologias políticas, contribuiu pelo fim da popularização da sociedade uruguaia e pregou a importância de uma vida simples, avalia o cientista político Adolfo Garcé, professor da Universidade da República, no Uruguai.

Mujica morreu nesta terça-feira, 13, aos 89 anos, em decorrência de um câncer de esôfago diagnosticado em abril do ano passado. Ele passou por tratamentos com quimioterapia, mas interrompeu quando descobriu que a doença havia se espalhado. Em janeiro deste ano ele concedeu sua última entrevista em tom de despedida.

"Há dois grandes momentos na vida de Pepe Mujica. O Mujica antes da ditadura, que foi preso político, o Mujica guerrilheiro, por um lado, e, por outro, o Mujica pós-ditadura, em liberdade a partir de 1985, o Mujica da legalidade, o Mujica que ajudou os antigos Tupamaros do MLN a se tornarem parte da legalidade", avalia Garcé.

Mujica entrou no grupo guerrilheiro Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros em 1960, de inspiração na Revolução Cubana. Como integrante, foi preso por cerca de 14 anos no total, até receber anistia junto com demais presos políticos. Em liberdade, contribuiu para transformar o movimento clandestino em partido político.

"Mujica tomou gosto pela competição eleitoral, tanto que acabou sendo a fração mais votada, o MPP, o Movimento de Participação Popular, do partido mais votado da Frente Ampla. Portanto, o primeiro grande legado de Mujica, além de tudo isso, é o fato de ele ter sido uma peça-chave na construção de um movimento político formidável que o levou à presidência e que levou Orsi à presidência dentro da Frente Ampla", completa.

Yamandú Orsi é o atual presidente do Uruguai e herdeiro político de Mujica, que foi eleito em 2024 graças ao apoio de seu padrinho. Mesmo doente, Mujica participou de alguns comícios do então candidato. Foi Orsi quem deu a notícia da morte.

Outro legado importante do ex-presidente, argumenta o professor, foi seu papel em despolarizar o Uruguai, hoje visto como um dos países com menor índice de polarização da região.

"Na década de 1960, Mujica contribuiu para polarizar, rachar e confrontar o Uruguai. Após a ditadura, mas principalmente durante o século XXI, o veterano Mujica, já adulto, primeiro como presidente e depois da presidência, contribuiu para o diálogo, para o encontro daqueles que pensam de forma diferente", diz.

Como exemplo dessa despolarização ele cita a vinda de Mujica para a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023, acompanhado do então presidente Luis Lacalle Pou e do ex-presidente Julio María Sanguinetti, cujas vertentes ideológicas eram distintas das suas.

"Esses tipos de gestos, de concórdia, de diálogo, de boa vontade, de despolarização, eram frequentes no veterano Pepe Mujica, como presidente e depois que ele se tornou ex-presidente. Esse é um legado importante", completa.

Por conta de seu um jeito simples de viver e pela filosofia do desapego que praticava, a imagem de Mujica que mais ficará na cabeça das pessoas, provavelmente, será de um presidente de um país andando de fusca azul e vivendo na fazenda. Esse estilo, argumenta Garcé, também ficará como um de seus legados mais importantes. "Ele dizia tantas vezes que não vale a pena viver amarrado ao trabalho, escravizado, como se o trabalho fosse a única coisa importante, que não vale a pena viver atrás de dinheiro, que não vale a pena viver atrás de coisas e que é necessário viver atrás de causas."

Por fim, Pepe Mujica se tornou um símbolo das esquerdas latino-americanas. Era amigo pessoal de Lula e Alberto Fernández, ex-presidente da Argentina, foi próximo de Cristina Kirchner e de Hugo Chávez. Mas isso não o impediu de se tornar um crítico das ditaduras de esquerda da região, como Nicolás Maduro na Venezuela e Daniel Ortega na Nicarágua.

"No cenário da esquerda, Mujica era conhecido por se dar bem com todos, desde a esquerda mais moderada, por exemplo, Lula no Brasil ou Tabaré Vázquez no Uruguai, até a esquerda mais radical, como o chavismo", afirma.

"Mas por ter se dado bem com Chávez, por ter cultivado um vínculo com Chávez, Mujica também não teve problemas nos últimos anos em liderar, o distanciamento da esquerda em relação ao chavismo e, em particular, aos últimos anos do regime de Maduro", continua.

"O presidente mais pobre do mundo"

Assim José Alberto Mujica Cordano, o Pepe Mujica, foi chamado pelo jornal espanhol El Mundo há uma década, quando se tornou presidente do Uruguai e ganhou fama mundial. A simplicidade do uruguaio, que preteriu à residência oficial para continuar morando em uma chácara nos arredores de Montevidéu, sempre foi um contraste com outros chefes de Estado.

Nas muitas vezes em que foi perguntado sobre esse modo de vida, Mujica refutou a ideia de que a austeridade era sinônimo de pobreza. "Meu mundo é este, nem melhor nem pior, é outro", disse certa vez. Com frequência, as respostas eram seguidas de um discurso de rejeição ao consumismo e críticas ao capitalismo.

Mujica foi militante da guerrilha urbana Tupamaros nos anos 1960, levou 6 tiros, ficou 15 anos presos, sendo 11 deles em uma solitária. Foi torturado. Esse período, segundo descreveu, foi crucial para formar sua visão de mundo.

Ele e os outros presos políticos foram libertados em 1985 sob uma anistia geral. O Tupamaro se juntou à coalizão de esquerda conhecida como Frente Ampla (FA) - do atual presidente - e se reorganizou como um partido político legal, o Movimento de Participação Popular (MPP), para as eleições de 1989. Mujica tornou-se uma das principais vozes do MPP. Foi eleito deputado pela primeira vez em 1994, aos 59 anos.

Em 2009, tornou-se presidente em um eleição de segundo turno contra Luis Alberto Lacalle. A presidência foi marcada por aprovação de leis pioneiras na América Latina, como legalizações do aborto e da maconha e casamento de pessoas do mesmo sexo. Mujica também aumentou os gastos sociais e o salário mínimo.

As políticas o alçaram a um dos políticos mais populares da esquerda mundial. Mas foi a filosofia de vida de Mujica que o tornou um símbolo. Pepe morou até o fim da vida numa chácara chamada La Puebla, nos arredores de Montevidéu, numa casa de um quarto com teto de zinco. Durante a presidência, doava 90% do seu salário de presidente e declarava sua profissão oficial como "chacareiro". O único bem em seu nome era um Fusca azul de 1987. "Dizem que sou um presidente pobre. Pobres são aqueles que precisam de muito", dizia.

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A Polícia Federal divulgou nota nesta segunda-feira, 10, manifestando preocupação a proposta de alteração no projeto antifacção apresentada pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). Em nota divulgada no site da corporação, a PF diz que o texto retira atribuições do órgão de investigação criminal.

"A proposta original, encaminhada pelo Governo do Brasil, tem como objetivo endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no Parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público", diz a nota.

Segundo a PF, o relatório do deputado Derrite, cujo nome não é citado na nota, "o papel institucional histórico da Polícia Federal no combate ao crime - especialmente contra criminosos poderosos e organizações de grande alcance - poderá sofrer restrições significativas".

A proposta do deputado, aponta a PF, obrigaria a instituição só poderia entrar em investigações a pedido de governos estaduais, "o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado".

"Essa alteração, somada à supressão de competências da Polícia Federal, compromete o alcance e os resultados das investigações, representando um verdadeiro retrocesso no enfrentamento aos crimes praticados por organizações criminosas, como corrupção, tráfico de drogas, desvios de recursos públicos, tráfico de pessoas, entre outros", diz a nota.

A PF diz que, pelas regras propostas pelo deputado, as operações recentes contra o crime organizado não teriam ocorrido se as regras do texto de Derrite já estivessem valendo.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes solicitou à Receita Federal a regularização do Cadastro de Pessoa Física (CPF) do ex-deputado federal Daniel Silveira, que pretende obter a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

Atualmente, Silveira cumpre pena em regime semiaberto, já podendo progredir para aberto, pois já cumpriu metade dos oito anos de condenação impostos pela Suprema Corte em 2022. Ele foi condenado por ameaças ao Estado Democrático de Direito e tentativa de interferência em processo judicial.

A liberação do CPF ocorreu após a defesa de Silveira alegar a necessidade de regularização do documento para obter a carteira de trabalho e poder, eventualmente, trabalhar.

Em despacho, Moraes destacou que "considerando que a alegação da defesa é contraditória com a informação obtida junto à Receita Federal, que aponta a situação de regularidade do CPF do apenado, esclareça-se o pedido formulado", dando prazo de cinco dias para resposta.

Além disso, a defesa solicitou a liberação do CPF para inscrição no portal Gov.br e a abertura de conta salário em banco.

Mesmo no regime semiaberto, Silveira segue sujeito a restrições como proibição de uso de redes sociais, monitoramento por tornozeleira eletrônica, passaporte cancelado, comparecimento semanal à Justiça e permanência obrigatória no Estado do Rio de Janeiro.

O ex-assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República no governo de Jair Bolsonaro, Filipe Martins, apontado como integrante do "núcleo 2" da trama golpista, lançou uma campanha virtual de arrecadação de recursos para custear advogados nos Estados Unidos. A iniciativa foi anunciada no último domingo, 9, em publicação no X (antigo Twitter), feita pelo advogado Jeffrey Chiquini.

Segundo Chiquini, a vaquinha foi criada por um grupo de apoiadores e amigos de Filipe Martins para arrecadar recursos destinados a custear os honorários de advogados criminalistas nos Estados Unidos. Segundo ele, a iniciativa também pretende ajudar nas despesas decorrentes das restrições que o ex-assessor enfrenta "há quase três anos".

Chiquini disse ainda que todo o valor arrecadado será destinado exclusivamente ao ex-assessor de Jair Bolsonaro e defendeu o engajamento dos apoiadores. Ele afirmou que o objetivo é "levar todos os responsáveis pela fraude no sistema migratório americano à Justiça dos EUA" e pediu que as pessoas "acessem o site, ajudem a divulgar e apoiem com o que puderem".

Preso preventivamente desde fevereiro de 2024, Filipe Martins passou seis meses detido no Paraná antes de ser autorizado a cumprir prisão domiciliar, decisão tomada diante do risco de fuga ao exterior. A ordem de prisão foi fundamentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fato de o nome do ex-assessor constar na lista de passageiros da comitiva do então presidente Jair Bolsonaro, que deixou o Brasil rumo a Orlando em 30 de dezembro de 2022.

Desde então, a defesa de Martins argumenta que, embora seu nome apareça na relação oficial do voo, ele não embarcou e permaneceu no País durante aquele período.

A vaquinha foi anunciada após as recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O magistrado havia determinado o afastamento da defesa de Martins por perda de prazo processual, mas recuou da decisão dias depois. O episódio gerou reação de perfis da extrema-direita nas redes sociais, que acusaram o STF de "cerceamento de defesa".

Apesar das manifestações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reuniu documentos e depoimentos que, segundo a denúncia, implicam diretamente Martins na tentativa de golpe de Estado.

Uma das principais provas citadas é a reunião de 7 de dezembro de 2022, na qual o então presidente Jair Bolsonaro teria apresentado aos comandantes das Forças Armadas uma minuta de decreto com medidas de exceção, considerada pela Polícia Federal como base jurídica para a execução do golpe.

Martins é réu no STF e será julgado em dezembro, nos dias 9, 10, 16 e 17, junto com outros integrantes do chamado "núcleo 2" da trama golpista, grupo composto por ex-assessores e aliados diretos de Bolsonaro que teriam sido responsáveis por ações de articulação e apoio logístico ao plano.