O ex-presidente José Sarney criticou o uso das emendas parlamentares como ferramenta eleitoral, classificou como lamentável a polarização política e disse acreditar que "faltam muitas" lideranças políticas no País atualmente. O político participou do evento "40 anos de Democracia no Brasil", realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) nesta quarta-feira, 21.
"Não subsiste de maneira nenhuma que o País possa aceitar uma casa dividida. A população não aceita. Nós queremos união e, ao mesmo tempo, a solução dos nossos problemas de uma maneira consensual, não através do ódio", afirmou em conversa com jornalistas após o evento.
Sarney ainda ressaltou que existe uma politização do Judiciário e uma judicialização da política que se acentuaram ainda mais atualmente. Questionado se uma nova Constituinte poderia resolver os problemas do sistema político atual, Sarney respondeu que o País não tem, neste momento, "condições políticas para se fazer uma Constituinte, nem para mudar a Constituição".
Para ele, o texto atual, especialmente no que diz respeito aos direitos civis e humanos, "é muito bom" e "tem cumprido seu objetivo". "Eu acho que nós não temos mais condições nenhuma de ver qualquer golpe. Acho que golpe nunca mais nesse país", declarou.
Ao comentar a decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que aprovou nesta quarta-feira, 21, o fim da reeleição e mandatos de cinco anos para prefeitos, governadores e presidente da República, Sarney recorreu a pensamentos do ex-ministro europeu Alexis de Tocqueville. Segundo ele, o filósofo se opunha à reeleição porque, em sua interpretação, ela faz com que o presidente, ao assumir, já comece a governar pensando na recondução, o que seria muito danoso. "E no segundo mandato, já não tem objetivo nenhum, faz um governo pior do que no primeiro", afirmou.
Na avaliação de Sarney, a prioridade do País deve ser resolver o sistema eleitoral, que, segundo ele, tem enfraquecido o Congresso, contribuído para os ataques ao Legislativo e dificultado a formação de partidos sólidos.
Ele defende o fim do atual sistema proporcional com lista aberta, no qual o eleitor vota em uma pessoa e não diretamente no partido. Na visão do ex-presidente, esse modelo enfraquece as siglas, estimula interesses individuais e compromete o funcionamento institucional do Congresso. Para ele, essa dinâmica alimenta ainda a desconfiança sobre o Legislativo.
A saída, segundo Sarney, seria adotar o voto distrital e fortalecer os partidos. "Temos que criar partidos fortes. Eles são a sustentação da operação eleitoral", destacou.
Questionado sobre a postura de partidos de direita e centro-direita em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Sarney desconversou: "Na minha idade, na minha posição hoje no país, eu não quero me meter em qualquer, como se diz geralmente, bola dividida. Não tenho mais pernas para isso. Quero que encontrem uma solução que seja melhor para o país".
O ex-presidente Michel Temer (MDB) estava confirmado no evento, porém, não compareceu. Temer recentemente declarou que vê disposição de governadores de direita em se unirem e lançar candidatura única em 2026. A fala foi interpretada por bolsonaristas como uma sinalização que o ex-presidente vê Bolsonaro como carta fora do baralho para o ano que vem.