Após 17 anos, desde que a Operação Naufrágio foi deflagrada pela Polícia Federal em Vitória, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou dez denunciados por corrupção, venda de sentenças e 'farra dos cartórios' envolvendo advogados, juízes, desembargadores e servidores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
Foram condenados um ex-juiz, quatro advogados, três ex-servidores do Tribunal de Justiça, uma servidora e um empresário que teria sido beneficiado pelo esquema (veja abaixo a lista completa e as penas impostas a cada um).
O ministro Francisco Falcão, relator da ação penal 623, apresentou um voto de mais de 600 páginas. Ele destacou que, de forma geral, "as tratativas e a prática dos ilícitos analisados ocorreram na clandestinidade e proporcionaram a sensação de camuflagem das articulações e de impunidade" - o acórdão do STJ, ao qual o Estadão teve acesso, preenche 734 páginas.
"Ao tempo dos fatos narrados na denúncia eram os réus imputáveis, detentores de potencial consciência da ilicitude, já que, por suas condições pessoais, era-lhe perfeitamente possível conhecer o caráter ilícito do fato, não agindo em erro de proibição", cravou o ministro.
Por maioria de votos, a Corte Especial do STJ acompanhou a divergência parcial inaugurada pelo ministro Mauro Campbell Marques e absolveu quatro dos réus.
Veja quem foi condenado na Operação Naufrágio:
- Adriano Mariano Scopel (empresário): 9 anos, 8 meses e 20 dias de prisão em regime inicial fechado;
- Paulo Guerra Duque (advogado): 21 anos, 2 meses e 20 dias em regime inicial fechado;
- Frederico Luis Schaider Pimentel (ex-juiz): 16 anos e 8 meses em regime inicial fechado;
- Roberta Schaider Pimentel (ex-servidora): 4 anos, 6 meses e 20 dias em regime inicial semiaberto;
- Dione Schaider Pimentel Arruda (ex-servidora): 4 anos, 6 meses e 20 dias em regime inicial semiaberto;
- Larissa Schaider Pimentel Cortes (servidora): 4 anos, 6 meses e 20 dias em regime inicial semiaberto;
- Leandro Sá Fortes (ex-servidor): 4 anos, 6 meses e 20 dias em regime inicial semiaberto;
- Henrique Rocha Martins Arruda (advogado): 4 anos, 6 meses e 20 dias em regime inicial semiaberto;
- Felipe Sardenberg Machado (advogado): 4 anos, 6 meses e 20 dias em regime inicial semiaberto;
- Johnny Estefano Ramos Lievori (advogado): 4 anos, 6 meses e 20 dias em regime inicial semiaberto.
O advogado Cláudio Oraindi Rodrigues Neto, que representa Felipe Sardenberg Machado, afirma que não há provas contra seu cliente e informou que vai recorrer para tentar reverter a condenação.
Frederico Pimentel, Dione, Larissa e Roberta informaram que não comentam processos em andamento.
O Estadão pediu manifestação das demais defesas. O espaço está aberto.
Nenhum dos desembargadores denunciados pelo Ministério Público Federal foi efetivamente julgado.
Desde o início da investigação, em 2008, Frederico Pimentel, Josenider Varejão e Elpídio Duque faleceram e Alinaldo Faria completou 70 anos e foi beneficiado pela prescrição.
No ínterim, o juiz Robson Luiz Albanez foi promovido a desembargador. Ele foi absolvido pelo STJ.
Também foram absolvidos a juíza aposentada Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel, a ex-servidora Bárbara Pignaton Sarcinelli e o advogado Gilson Letaif Mansur Filho.
No caso desses denunciados, o STJ entendeu que não havia elementos suficientes que justificassem a condenação pelos supostos crimes de corrupção.
Idas e vindas
O caso se arrasta desde 2008, em meio a uma sucessão de idas e vindas nas instâncias do Judiciário. Nos últimos 17 anos, cinco dos 26 denunciados faleceram. Outros seis foram beneficiados pela prescrição das acusações - para réus com mais de 70 anos, o prazo máximo da punição pelos crimes é contado pela metade.
O inquérito teve início no STJ, por causa do foro dos desembargadores investigados, mas ao final da investigação os magistrados estavam aposentados, o que levou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça a enviar o processo ao Tribunal do Espírito Santo.
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Os desembargadores Frederico Pimentel e Josenider Varejão foram aposentados compulsoriamente. Já Alinaldo Faria e Elpídio Duque pediram voluntariamente as aposentadorias.
Quando os autos chegaram ao Tribunal de Justiça, ainda na fase pré-processual, não houve quórum para julgamento. Mais da metade dos desembargadores declarou suspeição ou impedimento, o que inviabilizou a tramitação do caso no Estado.
O processo foi parar então no Supremo Tribunal Federal (STF). A denúncia foi distribuída ao gabinete da ministra Cármen Lúcia em 2013. Antes de a ministra analisar as acusações, um dos investigados, o juiz Robson Luiz Albanez, foi promovido a desembargador, em setembro de 2014.
Com a promoção, a competência para julgamento voltou a ser do STJ, instância responsável por julgar desembargadores, e o inquérito retornou em outubro de 2015 ao tribunal onde havia começado.
A denúncia só foi recebida seis anos depois. Por unanimidade, no dia 1º de dezembro de 2021, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça colocou 15 acusados no banco dos réus.
Os autos têm 43 volumes e 152 apensos. São milhares de páginas que levaram dias para serem digitalizadas. O processo começou físico, por causa do sigilo, e só foi convertido ao formato digital às vésperas do recebimento da denúncia.
No caso do desembargador Josenider Varejão Tavares, o Ministério Público Federal reconheceu a extinção de punibilidade em razão de sua morte em 3 de novembro de 2011. No acórdão do STJ há transcrição de diálogos do magistrado sobre '60 mil balas', uma referência a propinas, segundo a Procuradoria.
Grampos
A investigação que serviu de base para o processo, batizada de Operação Naufrágio, foi deflagrada pelo Superior Tribunal de Justiça em dezembro de 2008, e levou à cadeia oito investigados - entre eles, o então presidente do Tribunal do Espírito Santo, Frederico Guilherme Pimentel, outros dois desembargadores e um juiz. Eles eram acusados de integrar um esquema de venda de sentenças.
A denúncia, recheada de grampos, implicou o então juiz Robson Luiz Albanez. Ele foi pego em uma conversa interceptada pela PF com o advogado Gilson Letaif, o Gilsinho. No diálogo, o magistrado prometeu decidir uma ação em seu favor caso influenciasse pela sua promoção a desembargador.
"Ôh meu querido amigo, desculpe não ter ligado prá você... mas acho que solucionei o impasse", disse Robson a Gilsinho, que respondeu: "Ahh... como sempre Vossa Excelência é perfeito na concessão aí da jurisdição". Na mesma conversa, o juiz cobrou: "Que você ajude mais seu amigo... aí... e consiga me promover para o egrégio tribunal. (risos)". Do advogado, ainda recebeu a promessa: "Isso sem dúvida e tomaremos muito uísque nessa posse."
Em outro diálogo, o ex-juiz Frederico Luis Schaider Pimentel, conhecido como Fredinho, filho do desembargador Frederico Pimentel, em conversa com a servidora Dione Schaider Pimentel Arruda, sua irmã, afirma que o pai "tem que parar de administrar para o próprio Poder Judiciário, tem que administrar agora para os juízes e pros parentes dele", "começar a pensar nos parentes dele".
Corrupção
Os magistrados foram acusados de fraudar a distribuição de processos judiciais em conluio com servidores do Tribunal de Justiça para despachar em favor do interesse de uma das partes, em troca de propinas. As vantagens indevidas seriam pagas em dinheiro e em carros e motos de luxo, segundo o MPF.
A denúncia menciona pelo menos três processos em que os desembargadores teriam recebido propinas. O primeiro envolveu a disputa por um grande negócio portuário em Vitória, o Terminal Portuário "Cais de Paul - Berço 206". O segundo tratou de honorários advocatícios. E, por fim, o terceiro permitiu o retorno do cargo do ex-prefeito de Pedro Canário, Francisco Prates, o doutor Chicô, que havia sido afastado em uma investigação por peculato.
A denúncia também imputou aos magistrados fraudes em concursos para juízes e servidores do Tribunal de Justiça e corrupção na designação de oficiais aos cartórios do Espírito Santo, procedimento que o Ministério Público Federal chamou de "farra dos cartórios".
Segundo a denúncia, o desembargador Frederico Guilherme Pimentel chegou a instalar uma serventia extrajudicial em Cariacica, região metropolitana de Vitória, em 2008, por meio da qual destinava a arrecadação dos emolumentos a si e a seus filhos, noras e genros.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO CLÁUDIO ORAINDI RODRIGUES NETO, QUE REPRESENTA O ADVOGADO FELIPE SARDENBERG MACHADO
"A defesa, com as vênias ao Tribunal, entende que a decisão merece ser totalmente reformada em sede recursal, haja vista que em direito penal não é possível, muito menos ainda admissível num Estado Democrático de Direitos, que o acusado se presuma culpado. Não há provas de que ele tenha oferecido valores ao então Presidente do Tribunal para ser nomeado ao cargo. Recorrei da decisão, sem dúvidas."
COM A PALAVRA, OS DEMAIS CITADOS
A reportagem fez contato com as defesas dos citados. O Estadão também pediu manifestação do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o que não havia ocorrido até a publicação deste texto. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com).