Em acenos a Rússia e Irã, Lula critica Otan e 'instrumentalização' da AIEA

Internacional
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Em acenos políticos a Rússia e Irã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou neste domingo, dia 6, diretamente duas instituições globais na abertura da Cúpula do Brics, no rio. O petista mirou na Aliança do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a quem acusou de "instrumentalização".

O presidente atacou recente decisão dos países da Otan que, pressionados por Donald Trump, acordaram elevar para um patamar de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) os respectivos investimentos em defesa. Antes, o patamar era de 2%, embora nem todos o cumprissem, o que motivou reclamações de Trump para que contribuíssem mais e até ameaças de deixar o grupo.

"A recente decisão da Otan alimenta a corrida armamentista. É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento", disse Lula. "Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política. É sempre mais fácil investir na guerra do que na paz."

Na última reunião, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, bajulou Donald Trump, comparando-o a um "papai" que intervinha em uma briga de estudantes, ao atuar na mediação de conflitos.

Os EUA são a principal potência miltiar e econômica da Otan, aliança ocidental que o presidente russo Vladimir Putin acusa de se expandir para o Leste e cercar seu país - uma das alegações dele para invadir a Ucrânia, em 2022.

Desde o início da guerra, cujo estopim foi a invasão militar russa, Lula foi duramente criticado por dizer mais de uma vez que os Estados Unidos e a Europa - países que foram a maior parte das forças da Otan - incentivavam e prolongavam a batalha ao fornecer equipamentos e dinheiro para a Ucrânia.

Lula compara ataque contra irã à invasão do Iraque: intervenções "ilegais"

Ao se referir aos bombardeios de Israel e dos EUA na guerra contra o Irã, o petista invocou um argumento de Teerã, segundo o qual a agência da ONU que supervisiona o programa nuclear iraniano estaria a serviço do Ocidente. O Irã rompeu temporariamente a colaboração com a AIEA.

O Irã declarou que os ataques aéreos às instalações nucleares de Fordow, Natanz e Isfahan foram realizados "sob a sombra da indiferença e até mesmo com o apoio da Agência Internacional de Energia Atômica".

Em maio, a agência reportou que o Irã enriquecia urânio em ritmo acelerado a 60%, mais próximo dos 90% necessários para fabricação de uma bomba atômica. Israel e EUA dizem que regime dos aiatolás no Irã patrocina o terrorismo e usaram o argumento da possível obtenção de armas para realizar a série de bombardeios.

Lula fez uma comparação com a invasão do Iraque, quando os EUA derrubaram o regime de Saddam Hussein com o argumento de que ele escondia armas químicas de destruição em massa, o que não seria comprovado depois.

"Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais", disse Lula. "Assim como ocorreu no passado com a Organização para a Proibição de Armas Químicas, a instrumentalização dos trabalhos da Agência Internacional de Energia Atômica coloca em jogo a reputação de um órgão fundamental para a paz", disse o petista.

Catástrofe nuclear

Lula afirmou que "o temor de uma catástrofe nuclear voltou ao cotidiano" e que violações da integridade territorial - uma referência aos bombardeios - "solapam os esforços de não-proliferação de armas atômicas".

"Sem amparo no direito internacional, o fracasso das ações no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria tende a se repetir de forma ainda mais grave. Suas consequências para a estabilidade do Oriente Médio e Norte da África, em especial no Sahel, foram desastrosas e até hoje são sentidas. No vazio dessas crises não-solucionadas, o terrorismo encontrou terreno fértil. A ideologia do ódio não pode ser associada a nenhuma religião ou nacionalidade", disse o presidente.

O discurso de Lula no Brics - sigla que representa bloco de países formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - ecoou embates com decisões de Donald Trump, embora sem citações. O petista falou em ameçadas aos "regimes de clima e comércio" e "investida sem precedentes" ao sistema de saúde global e exigências absurdas sobre patentes que restringem acesso a medicamentos. Isso depois do tarifaço de Trump e de retirar os EUA da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Acordo de Paris.

Também contraria esforços anteriores do governo brasileiro, especialmente da diplomacia, para contestar a visão de que o Brics virou instrumento de política da China e da Rússia e tem viés antiocidental.

Lula afirmou ainda que o Brics é um "herdeiro" direto do movimento de países não-alinhados, que remonta à conferência de Bandung, e hoje reúne representatividade no Sul Global para "prevenir e mediar conflitos". "Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque", disse Lula. "O direito internacional se tornou letra morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias."

O presidente cobrou novamente a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para que inclua mais países como membros permanentes - atualmente são apenas cinco: EUA, China, França, Rússia e Reino Unido.

Lula reiterou que órgão vive uma "paralisia" e perdeu credibilidade - "ultimamente sequer é consultado antes do início de ações bélicas", provocou. "É mais do que uma questão de Justiça, é garantir a própria sobrevivência da ONU. Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso", afirmou Lula.

O petista discursou na abertura da Cúpula do Brics, durante a sessão de debates focada nas guerras e disputas geopolíticas, sob o tema "Paz e Segurança e Reforma da Governança Global". As falas dos demais chefes de Estado, de governo e de delegação não foram transmitidas ao vivo.

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A Polícia Federal divulgou nota nesta segunda-feira, 10, manifestando preocupação a proposta de alteração no projeto antifacção apresentada pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). Em nota divulgada no site da corporação, a PF diz que o texto retira atribuições do órgão de investigação criminal.

"A proposta original, encaminhada pelo Governo do Brasil, tem como objetivo endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no Parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público", diz a nota.

Segundo a PF, o relatório do deputado Derrite, cujo nome não é citado na nota, "o papel institucional histórico da Polícia Federal no combate ao crime - especialmente contra criminosos poderosos e organizações de grande alcance - poderá sofrer restrições significativas".

A proposta do deputado, aponta a PF, obrigaria a instituição só poderia entrar em investigações a pedido de governos estaduais, "o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado".

"Essa alteração, somada à supressão de competências da Polícia Federal, compromete o alcance e os resultados das investigações, representando um verdadeiro retrocesso no enfrentamento aos crimes praticados por organizações criminosas, como corrupção, tráfico de drogas, desvios de recursos públicos, tráfico de pessoas, entre outros", diz a nota.

A PF diz que, pelas regras propostas pelo deputado, as operações recentes contra o crime organizado não teriam ocorrido se as regras do texto de Derrite já estivessem valendo.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes solicitou à Receita Federal a regularização do Cadastro de Pessoa Física (CPF) do ex-deputado federal Daniel Silveira, que pretende obter a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

Atualmente, Silveira cumpre pena em regime semiaberto, já podendo progredir para aberto, pois já cumpriu metade dos oito anos de condenação impostos pela Suprema Corte em 2022. Ele foi condenado por ameaças ao Estado Democrático de Direito e tentativa de interferência em processo judicial.

A liberação do CPF ocorreu após a defesa de Silveira alegar a necessidade de regularização do documento para obter a carteira de trabalho e poder, eventualmente, trabalhar.

Em despacho, Moraes destacou que "considerando que a alegação da defesa é contraditória com a informação obtida junto à Receita Federal, que aponta a situação de regularidade do CPF do apenado, esclareça-se o pedido formulado", dando prazo de cinco dias para resposta.

Além disso, a defesa solicitou a liberação do CPF para inscrição no portal Gov.br e a abertura de conta salário em banco.

Mesmo no regime semiaberto, Silveira segue sujeito a restrições como proibição de uso de redes sociais, monitoramento por tornozeleira eletrônica, passaporte cancelado, comparecimento semanal à Justiça e permanência obrigatória no Estado do Rio de Janeiro.

O ex-assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República no governo de Jair Bolsonaro, Filipe Martins, apontado como integrante do "núcleo 2" da trama golpista, lançou uma campanha virtual de arrecadação de recursos para custear advogados nos Estados Unidos. A iniciativa foi anunciada no último domingo, 9, em publicação no X (antigo Twitter), feita pelo advogado Jeffrey Chiquini.

Segundo Chiquini, a vaquinha foi criada por um grupo de apoiadores e amigos de Filipe Martins para arrecadar recursos destinados a custear os honorários de advogados criminalistas nos Estados Unidos. Segundo ele, a iniciativa também pretende ajudar nas despesas decorrentes das restrições que o ex-assessor enfrenta "há quase três anos".

Chiquini disse ainda que todo o valor arrecadado será destinado exclusivamente ao ex-assessor de Jair Bolsonaro e defendeu o engajamento dos apoiadores. Ele afirmou que o objetivo é "levar todos os responsáveis pela fraude no sistema migratório americano à Justiça dos EUA" e pediu que as pessoas "acessem o site, ajudem a divulgar e apoiem com o que puderem".

Preso preventivamente desde fevereiro de 2024, Filipe Martins passou seis meses detido no Paraná antes de ser autorizado a cumprir prisão domiciliar, decisão tomada diante do risco de fuga ao exterior. A ordem de prisão foi fundamentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fato de o nome do ex-assessor constar na lista de passageiros da comitiva do então presidente Jair Bolsonaro, que deixou o Brasil rumo a Orlando em 30 de dezembro de 2022.

Desde então, a defesa de Martins argumenta que, embora seu nome apareça na relação oficial do voo, ele não embarcou e permaneceu no País durante aquele período.

A vaquinha foi anunciada após as recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O magistrado havia determinado o afastamento da defesa de Martins por perda de prazo processual, mas recuou da decisão dias depois. O episódio gerou reação de perfis da extrema-direita nas redes sociais, que acusaram o STF de "cerceamento de defesa".

Apesar das manifestações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reuniu documentos e depoimentos que, segundo a denúncia, implicam diretamente Martins na tentativa de golpe de Estado.

Uma das principais provas citadas é a reunião de 7 de dezembro de 2022, na qual o então presidente Jair Bolsonaro teria apresentado aos comandantes das Forças Armadas uma minuta de decreto com medidas de exceção, considerada pela Polícia Federal como base jurídica para a execução do golpe.

Martins é réu no STF e será julgado em dezembro, nos dias 9, 10, 16 e 17, junto com outros integrantes do chamado "núcleo 2" da trama golpista, grupo composto por ex-assessores e aliados diretos de Bolsonaro que teriam sido responsáveis por ações de articulação e apoio logístico ao plano.