Briga de Milei e vice expõe choque entre libertários e nacionalistas na direita argentina

Internacional
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"Traidora", foi o adjetivo usado pelo presidente da Argentina, Javier Milei, durante um discurso na Bolsa de Comércio de Buenos Aires em 10 de julho. Ele não citou nomes, mas todos entenderam se tratar de sua vice, Victoria Villarruel. Os dois acumulam desentendimentos desde o primeiro dia na presidência, mas desta vez o tom expôs uma fratura na direita do país, entre os libertários e os nacionalistas.

Logo após Milei criticar abertamente sua colega de chapa eleitoral, um exército de libertários saiu em defesa do presidente no Instagram de Villarruel, que respondeu quase um a um. A briga lembrou o rompimento público entre Donald Trump e Elon Musk semanas atrás. Ministros de Milei também utilizaram as redes e entrevistas na televisão para criticar a vice.

Tudo começou com uma votação no Senado no dia 10 de julho, que aprovou o aumento nos valores de aposentadoria e pensões para pessoas com deficiência. Como vice-presidente, Villarruel também acumula a função de presidente do Senado e detém o voto de minerva em caso de empate nas votações.

A votação, rechaçada pela Casa Rosada, foi convocada pela oposição kirchnerista e terminou aprovando a legislação quase por unanimidade, porque senadores governistas e aliados haviam abandonado a sessão. Villarruel até tentou adiar a votação, mas foi impedida pela oposição. Ainda assim, foi alvo das críticas quando o resultado saiu.

O governo é contra o aumento de gastos devido à sua política de ajuste fiscal. Mas a oposição, e parte da direita tradicional, defendem o reajuste para os aposentados e pensionistas, os mais impactados pela austeridade.

Milei chamou de "degenerados" os senadores que aprovaram a lei e prometeu vetá-la. Isso não impediu Villarruel de defender o texto em um comentário em seu Instagram.

"O poder libertário tem uma característica que também acontecia com a coalizão Frente de Todos e o kirchnerismo que é muita disputa interna", explica o cientista político e co-diretor da consultoria Escenarios Pablo Touzon. "Essa briga não começou agora, mas recrudesceu".

"Villarruel já não se comporta como alguém que está dentro do projeto político partidário do A Liberdade Avança de Milei", afirma o cientista político e professor da UBA Facundo Galván. "Ela se comporta como alguém que já tem um projeto político e partidário fora do governo."

Desde o começo

Embora essa seja uma ruptura explícita, a relação entre Milei e Villarruel é conflituosa desde o comelo. Os dois foram eleitos deputados federais em 2021, quando o partido A Liberdade Avança ainda era uma pequena força no Congresso. Para as eleições de 2023, Villarruel se tornou a única opção de Milei para ser vice em uma chapa totalmente libertária, especialmente depois que Milei brigou com os outros três deputados libertários.

Mas os dois representam duas direitas muito distintas, em alguns casos opostas. Milei é um libertário que defende a ausência total do Estado na regulação da economia. Já Villarruel, em suas próprias palavras, é uma nacionalista, cuja visão de soberania nacional foi moldada pelo militarismo.

O choque de visões apareceu assim que Milei ganhou a eleição. Milei planejava focar seu governo inteiramente em fatores econômicos, mas Villarruel desejava ver uma "linha dura" surgir na segurança e fazer uma revisão histórica da ditadura militar argentina.

A discrepância resultou em quebra de confiança. Milei havia prometido dar a Villarruel o ministério da Defesa, o que não se concretizou. Depois de um acordo de governabilidade com a centro-direita representada por Mauricio Macri, Milei deu o posto a Luis Petri, o candidato a vice do partido Juntos pela Mudança, de Macri.

Outro cargo almejado pela vice foi dado à Patricia Bullrich, o ministério de Segurança Pública. A ministra se tornou então uma defensora ferrenha de Milei, sendo a mais vocal do governo contra Villarruel.

Ruptura

"Ela Villarruel, não se sabe se por questões ideológicas ou por ressentimento daquela promessa descumprida, sentiu-se deixada de lado e começou a fazer muitos acordos e reuniões a fim de fazer sua própria organização política à parte do A Liberdade Avança", afirma Galván.

Outro pico de atrito foi quando Villarruel convocou, sem avisar ao presidente, a votação do Decreto de Necessidades e Urgências (DNU) no Senado sem ter a maioria necessária. O projeto, que era um dos tripés do início do governo, acabou derrubado na ocasião.

Desde então, os dois têm agendas públicas separadas e se alfinetam todas as vezes em que Milei abre as sessões legislativas. Ela também começou a costurar os próprios acordos políticos, segundo a imprensa argentina.

Villarruel chegou a renovar todos os seus assessores mais próximos, tirando os libertários e colocando militares - inclusive velhos amigos de seu pai morto - em cargos-chaves.

A diferença é que agora o governo libertário se vê cada vez mais empoderado por uma aprovação boa para promover de tempos em tempos expurgos no governo.

Às vésperas das eleições

A lavação de roupa suja ocorre a poucos meses das eleições legislativas argentinas, que servirão como termômetro da primeira metade do governo e definirão o futuro das políticas libertárias. No dia 26 de outubro, serão eleitos 127 deputados e 24 senadores, além de deputados provinciais.

É improvável que Villarruel ganhe força política até lá para eleger os seus próprios nomes, mas analistas não descartam algum ganho de terreno. Para os especialistas, Villarruel está mirando mesmo é um futuro cargo de presidente da Argentina.

"É muito provável que Villarruel continue sua carreira política e faça bom uso de seu próprio capital em uma eleição para deputada ou senadora e tente reconstruir seu perfil, porque ela tem uma vocação política firme e um nível de conhecimento muito amplo", afirma Facundo Galván.

"Ela não tem força e nem os apoios necessários para obter vitórias nessas eleições agora, já tão perto. Se ela for fazer isso, fará depois", afirma Touzon. "Os rumores é de que Villarruel teria uma espécie de estratégia ou plano de contingência caso o governo Milei fracasse".

Karina Milei, irmã do presidente, é a atual responsável por montar as listas de candidatos libertários para as eleições que se aproximam. Justo com quem Villarruel protagonizou os maiores embates dentro do governo. Há quem diga que Karina é hoje muito mais poderosa do que a vice. "Não sei porque ele não escolheu a irmã", desabafou Villarruel.

Brigas históricas com vices

A desavença entre Milei e Villarruel repete um longo histórico argentino de rompimentos entre presidentes e seus vices. O mais dramático foi de Fernando De La Rúa e seu vice Carlos "Chacho" Álvarez, que antecedeu a fatídica crise econômica e social de 2001.

Chacho, que já não era bem quisto pelo presidente, deixou o governo acusando De La Rúa de corrupção. Meses depois, a efervescência social forçou o presidente a fugir da Casa Rosada de helicóptero.

No governo anterior, Carlos Menem (1989-1999) também não teve bons relacionamentos com seus dois vices: Eduardo Duhalde e Carlos Ruckauf. Depois, Néstor Kirchner e Daniel Scioli (2003-2007) bateram cabeça em temas legislativos.

Cristina Kirchner (2007-2015) rompeu com Julio Cobos após seu vice dar o voto de minerva que resultou em uma derrota da então presidente no Senado. Quando a própria Cristina se tornou vice, de Alberto Fernández (2019-2023), ela protagonizou cenas constrangedoras com o mandatário, com relatos de Fernández tendo crises de choro sempre que precisava falar com a vice.

Nem mesmo Mauricio Macri e Gabriela Michetti escaparam de rumores de disputas internas quando governaram a partir de 2015, mas ao menos não chegaram a estampar grandes manchetes.

"Os vice-presidentes não possuem um histórico muito agradável na Argentina. Geralmente, eles traem aos presidentes, são pessoas que têm ambição pelo poder presidencial, mas não possuem poder. Não são figuras que recebem muita confiança dos presidentes", afirma Galván.

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou o uso de tornozeleira eletrônica pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) após considerar que o parlamentar descumpriu decisões do Supremo e viajou aos Estados Unidos sem autorização da Corte.

Moraes argumentou que o senador descumpriu medidas cautelares impostas anteriormente ao determinar a aplicação de tornozeleira eletrônica no parlamentar e ordem de recolhimento noturno.

Segundo Moraes, Marcos do Val "deliberadamente, descumpriu a imposição das medidas cautelares em claro desrespeito às decisões proferidas" pelo Supremo Tribunal Federal.

"A conduta do investigado demonstra absoluta afronta à determinação do Poder Judiciário, uma vez que Marcos Ribeiro do Val requereu autorização para viajar ao exterior, tendo sido indeferido o pedido, e claramente burlou às medidas, cautelares impostas", afirmou Moraes.

A imposição da tornozeleira eletrônica é prevista na Lei 12.25, de 2010, em casos de presos em regime domiciliar ou que estejam em saída temporária e como medida cautelar a investigados que estejam respondendo processo criminal - o caso de Marcos do Val.

Em nota, os advogados Iggor Dantas Ramos e Fernando Storto, responsáveis pela defesa do senador, afirmaram que a medida aplicada pela Justiça a Do Val "ultrapassa os limites da razoabilidade" e negaram que tenha havido descumprimento das medidas cautelares impostas pelo Supremo.

Em agosto do ano passado, Moraes determinou a suspensão do perfil do senador no Instagram, o bloqueio de até R$ 50 milhões na conta do parlamentar, e o bloqueou de seu passaporte. À época, do Val criticou as medidas que foram ordenadas após ataques do parlamentar à Corte e a investigações da Polícia Federal.

Em julho deste ano, Marcos do Val disse, no dia 24, que viajou aos Estados Unidos utilizando passaporte diplomático, o que representa um "drible" na decisão de Moraes.

Meses antes, em fevereiro, a defesa do senador chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal que reconsiderasse a decisão de apreensão do passaporte do parlamentar, mas teve o pedido negado pela Corte.

O parlamentar apresentou embargos de declaração (um recurso para esclarecer decisões) para tentar reverter um julgamento anterior da Primeira Turma do STF. Em dezembro do ano passado, a Corte já havia negado um pedido semelhante, no qual do Val argumentava que a retenção do documento "impede o exercício da própria função de senador da República, especialmente em eventos, comissões e organismos internacionais".

O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, um dos nomes cotados pelo PL para concorrer ao Senado por Santa Catarina nas eleições de 2026, participou de atos em duas cidades do Estado neste domingo, 3. O filho de Jair Bolsonaro (PL) esteve nas manifestações em favor do pai em Criciúma e na capital, Florianópolis.

Carlos passou o final de semana no Estado, um dos maiores redutos bolsonaristas do País. No segundo turno das eleições de 2022, Santa Catarina registrou o maior porcentual de votos no ex-presidente, sendo 69,27% dos votos válidos.

No sábado, 2, o o filho "02" de Bolsonaro almoçou com aliados na Grande Florianópolis. Já no domingo, 3, participou da manifestação em Criciúma. Mesmo sem subir no palanque, foi ovacionado pelos apoiadores do pai.

Ainda em Criciúma, o vereador tirou foto abraçado com a deputada federal Julia Zanatta (PL-SC), que também foi cotada por Bolsonaro para ser uma das candidatas do PL ao Senado. A parlamentar afirmou em junho deste ano que o ex-presidente ligou para ela avisando que decidiu apoiar o filho em seu lugar.

Em seguida, Carlos viajou 207 km até a capital, Florianópolis, para participar do ato pró-Bolsonaro. Lá, o vereador subiu no palanque ao lado do prefeito Topázio Neto (PSD) e do governador Jorginho Mello (PL).

Apesar da candidatura de Carlos ao Senado por Santa Catarina não ter sido confirmada oficialmente, a aparição nos atos em duas cidades foi entendida pelos catarinenses como um primeiro movimento na disputa pela vaga. A expectativa é que as visitas do filho "02" de Bolsonaro fiquem mais frequentes ao Estado.

No final de julho, Jorginho Mello negou acordo com Bolsonaro sobre a candidatura de Carlos. Segundo o governador, nos outros Estados, o ex-presidente costuma indicar todos os nomes do PL por falta de estrutura local do partido. Em Santa Cataria, como a legenda já está consolidada, segundo ele, os aliados acordaram que o ex-presidente indicará um nome, e o Jorginho Mello indicará o outro.

Carlos é vereador do Rio de Janeiro há 24 anos e pode ser a primeira vez a se candidatar a um cargo fora do Estado. O irmão mais novo, Jair Renan Bolsonaro (PL), também fez a rota migratória e foi eleito o vereador mais votado em Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina.

Em junho deste ano, Carlos disse em publicação no X (antigo Twitter) que considera abrir mão da vaga do Senado pelo Rio de Janeiro para se candidatar "em Estado em que puder ser mais útil ao projeto de libertar o Brasil".

Setores da economia catarinenses, como a indústria no Estado, já deram sinais de que não vão dar suporte à candidatura. Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) afirmou que não precisa "importar" políticos de outros Estados e que o candidato ao Senado deve estar ligado aos interesses catarinenses.

A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) foi vaiada durante um show da banda Roupa Nova em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. A senadora usou o microfone durante um momento em que a banda abriu espaço para perguntas da plateia na sexta-feira, 1º.

"Está tudo certo, a gente vive numa democracia", reagiu Soraya, que é ex-aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e relatou a CPI das Bets do Senado. A senadora do Mato Grosso do Sul candidatou-se à Presidência em 2022 pelo União Brasil. Obteve a 5ª colocação no pleito, com 600.955 votos.

O grupo musical se manifestou sobre o episódio por meio de uma nota oficial. No comunicado, a banda esclareceu que não sabia que a senadora faria uso do microfone.

"Reforçamos que o episódio não representa, de forma alguma, um posicionamento político da banda ou de um integrante isolado", disse a banda. "Esperamos sinceramente esse momento isolado não prejudique a conexão sincera que construímos com milhões de fãs ao longo dos anos, nem nos leve a rever o formato do show."

Em nota, Soraya lamentou o episódio. "A senadora lamenta que a polarização política tenha alcançado até espaços de cultura e lazer, onde deveria prevalecer o respeito mútuo. Reitera que estava ali como cidadã, fã da banda, e não em exercício de seu mandato", afirmou o gabinete da parlamentar, em nota.