Por que a Argentina não consegue vencer a inflação e o que propõem Massa e Milei?

Internacional
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
O segundo turno das eleições na Argentina sera disputados entre dois candidatos com ideias opostas em quase tudo, incluindo a solução para o descontrole da inflação que assola a economia. De um lado se encontra o peronista Sérgio Massa, atual ministro da Economia, que deseja alcançar o equilíbrio fiscal e a taxa de câmbio competitiva sem renunciar os gastos sociais do Estado. Do outro está Javier Milei, um candidato libertário que promete um pacote radical de livre mercado, com cortes de gastos em até 15% do PIB e a dolarização da economia.

Analistas apontam os projetos opostos no tema inflacionário como a diferença fundamental entre Massa e Milei. Além disso, o tema é fundamental não só para a eleição de 19 de novembro como para o futuro da Argentina.

O país tem uma inflação de 138% este ano e sofreu uma desvalorização de quase 95% da moeda local, o peso, nos últimos quatro anos. Nos próximos 30 dias, Massa e Milei irão se esforçar para convencer os eleitores de que suas ideias são capazes de solucionar a crise econômica.

O problema da inflação na Argentina, no entanto é crônico O país viveu três grandes crises econômicas (incluindo a atual) nas últimas quatro décadas e nunca conseguiu resolvê-las por completo. Apesar de ciclos econômicos melhores em determinados momentos, o déficit fiscal insistente, a alta dívida externa, a falta de credibilidade da moeda e a escassez de dólares seguem prejudicando o cenário macroecômico. Com isso, a inflação sobe e o peso se desvaloriza. O efeito é um aumento de argentinos em situação de pobreza e fome.

Mas como começou esse problema e como os candidatos pretendem resolvê-lo? Entenda abaixo.

Por que a inflação na Argentina é tão alta?

Em resumo: o déficit público é alto (a Argentina gasta mais do que arrecada), as reservas de dólares no país são baixas (o país importa muito mais do que exporta) e os calotes no pagamento da dívida pública diminuíram a confiança dos investidores no país.

"Não é somente uma razão que faz a Argentina ter um problema fiscal tão grande, mas uma soma de razões", diz o professor de economia da ESPM, Leonardo Trevisan.

Há anos, a Argentina precisa emitir dívidas (contrair empréstimos) ou emitir notas (imprimir dinheiro) para arcar com suas despesas. Como os investimentos estão cada vez menores por causa da desconfiança de investidores, o governo recorre cada vez mais a segunda opção - e a escolha eleva a inflação por aumentar a circulação de moedas.

Os fenômenos se retroalimentam. Com uma inflação alta, a Argentina aumenta subsídios sociais e congela preços para tentar diminuir o impacto econômico na sociedade. "A Argentina subsidia 79% da energia, tem subsídios no transporte público, em outros setores. Mas isso a faz gastar mais e alonga o problema, ao mesmo tempo que não se pode cortar tudo de maneira brusca", acrescentou Trevisan. A raiz desse problema está na década de 1980.

O início do problema da inflação na Argentina

Assim como outros países latino-americanos, incluindo o Brasil, a Argentina enfrentou na década de 1980 uma crise inflacionária que resultou dos altos endividamentos contraídos durante os governos da ditadura (1976-1983). Após o retorno da democracia, as taxas de inflação explodiram e chegaram a ultrapassar os 3.000% em 1989, que resultou na queda do governo de Raúl Afonsin, o primeiro presidente pós-ditadura.

Em comparação, o Brasil, que também vivia hiperinflação no período, chegou a um recorde de 2.477% em 1993, um ano antes do Plano Real, que deu fim à hiperinflação do país.

Ciente da necessidade de controlar a hiperinflação, a Argentina tentou solucionar o problema três anos antes do Brasil. Em 1991, o país criou a lei da convertibilidade e fixou a paridade entre o peso e o dólar (ou seja, um peso valia US$ 1). A inflação despencou nos anos seguintes, com o Índice de Preço ao Consumidor (IPC) chegando ao patamar de 0,16% em 1996, mas a valorização do dólar, gerada pelo aumento da taxa de juros dos Estados Unidos naqueles anos, e a crise no mercado da Ásia encareceram os produtos argentinos e diminuíram os investimentos.

A solução encontrada para conter a crise foi se endividar. Em dezembro de 2001, isso acabou na catástrofe do corralito, que congelou os depósitos bancários e os limites semanais para saques. Milhares de pessoas foram às ruas protestar, e a crise resultou na renúncia do presidente Fernando De la Rúa. O país também aplicou o primeiro calote (default) e não pagou sua dívida externa, gerando uma desconfiança entre investidores. Outros calotes foram aplicados desde então.

Nos anos seguintes, o dólar desvalorizou e as commodities latino-americanas aumentaram de preço, deixando o peso barato. Outros países optaram por fazer ajustes na política monetária para valorizar suas moedas, mas o governo do peronista Néstor Kirchner escolheu manter o peso como estava para torná-lo mais competitivo. "Algumas reformas não foram feitas, o que causa uma diferença com o Brasil, que conseguiu resolver seu problema de hiperinflação, por exemplo", explicou o economista argentino e professor associado da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fabio Giambiagi.

A política de Néstor Kirchner foi seguida pela sucessora, sua esposa Cristina Kirchner. O país cresceu com taxas altas e aumentou sistematicamente os gastos do Estado.

A Argentina arrecadou mais do que gastou entre 2004 e 2009, mas a continuidade da política expansionista e o fim do ciclo das commodities fizeram o país voltar para o vermelho. Para pagar as suas contas, o país precisava emitir dívidas (pegar empréstimos) ou imprimir dinheiro. Não tinha a confiança dos investidores para escolher a primeira opção; com a segunda, colocou mais moeda em circulação no país, o que elevou a inflação.

Ao assumir o governo em 2015, o direitista Mauricio Macri, eleito devido ao descontentamento popular por causa da inflação, aplicou uma série de medidas que causou uma corrida cambial em 2018. A inflação duplicou em um único ano, chegando a quase 48%. Macri também contraiu empréstimo com juros altíssimos para atrair os investidores, deixando o país com uma inflação de 53,83% no término do seu mandato, em 2019, e uma dívida pública de US$ 277,6 bilhões.

O governo de Alberto Fernández não conseguiu mudar o cenário e o agravou ainda mais com as políticas aplicadas na pandemia de coronavírus. O resultado é uma inflação que supera 130% e uma taxa de pobreza de 40,1% da população.

Quais são as propostas de Sérgio Massa e Javier Milei para resolver a hiperinflação?

Sérgio Massa

O peronista Sérgio Massa, que ocupa o cargo de ministro da Economia, afirma pretender alcançar o equilíbrio fiscal, o superávit primário e ter uma taxa de câmbio competitiva em sua gestão. No entanto, Massa também afirma pretender a continuidade de políticas peronistas, caracterizadas pelos gastos públicos. "O que está por vir é mais distribuição de renda, mais educação pública, mais investimento nas universidades", disse a uma emissora local durante a campanha.

As políticas que implementou como ministro da Economia, cargo que assumiu em julho de 2022, já no cenário de hiperinflação, não são vistas por analistas como políticas que buscaram mudanças estruturais. Internamente, Massa ampliou subsídios e aplicou o controle de preços, o que levou à falta de produtos na gôndolas de mercados. "As políticas foram apelidadas de 'Plan Platita', que caracteriza algo populista para aliviar momentaneamente o bolso dos eleitores e ganhar a eleição", declarou Fabio Giambiagi.

Segundo Giambiagi, não está claro como Massa irá aliar o ajuste das contas argentinas com as políticas de gastos públicos que pretende manter. Também paira sobre o candidato o histórico de mudanças políticas, caracterizada pelo pragmatismo. No passado, Massa apresentou soluções pró-mercado para a Argentina. "Ele vai ter que mexer, mas não está muito claro como isso vai ser feito", declarou.

À frente da Economia, Massa também conseguiu negociar com a China o pagamento de uma parte da dívida pública e conseguiu um desembolso imediato de US$ 7,5 milhões do FMI. As medidas também podem ser cruciais para o futuro da economia. "São medidas que podem afetar o poder do dólar na Argentina ou mesmo gerar um novo problema, se o país não conseguir cumprir compromissos com a China", disse Leonardo Trevisan, da ESPM.

Javier Milei

O candidato libertário Javier Milei promete uma mudança radical nas políticas fiscais do país, com a dolarização da economia e corte nos gastos públicos de até 15% do PIB, uma fração vista por economistas como impossível. No limite, ele defende também a extinção do Banco Central, emissor dos títulos da dívida pública e da moeda em circulação.

As medidas podem conter a inflação, mas não se sabe quais condições políticas Milei terá para implementá-las. "Isso depende do quanto de confiança Milei chegará ao cargo. E isso é uma incógnita, porque estamos falando de pessoas que aplicariam uma mudança radical sem nunca ter estado na administração pública", afirmou Giambiagi.

O novo formato do Congresso eleito no domingo deu a Milei a terceira maior bancada tanto no Senado quanto na Câmara.

Os planos de MIlei também não estão isentos de riscos. A dolarização da economia, por exemplo, levaria ao fim da autonomia da Argentina no comando da macroeconomia, e pode deixar o país em uma situação ainda pior no futuro.

Ou seja, o país perde a capacidade de desvalorizar a moeda ou emitir dívida pública, o que em alguns casos é necessário dentro de determinadas condições econômicas

. "Quando você dolariza, você perde a autoridade sobre a macroeconomia. Você submete a sua economia a uma outra realidade, que é a dos Estados Unidos", disse Trevisan.

Contra o candidato também pesa a retórica ferina contra os adversários. Milei chegou a falar em cortar parcerias com a China, o maior parceiro econômico do país - e que está disposto a arcar com uma parte da dívida pública. Analistas indicam que isso pode afastar ainda mais os investidores do país.

Em outra categoria

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demitiu nesta segunda-feira, 5, a ministra Cida Gonçalves do comando do Ministério das Mulheres. A ex-ministra do Desenvolvimento Social Márcia Lopes assume o cargo. Com a substituição no Ministério das Mulheres, Lula pretende se aproximar do eleitorado feminino para a campanha eleitoral de 2026, quando quer concorrer a novo mandato. Pesquisas mostram que o presidente vem perdendo cada vez mais popularidade nesse público e também entre evangélicos e moradores do Nordeste.

Esta é a 12.ª troca na Esplanada no atual mandato do petista. A mudança no ministério ocorreu na seara do PT. Tanto a nova ministra Márcia Lopes como Cida Gonçalves, de saída do cargo, são filiadas ao partido.

Ex-titular do Desenvolvimento Social no segundo mandato de Lula, Márcia Lopes tem o trabalho bem avaliado pelo presidente e terá a missão de dar mais visibilidade à pasta. "O presidente quer ver as mulheres mais contentes, mais protegidas. Quer que elas se sintam respeitadas, acolhidas, ouvidas", disse a nova titular das Mulheres. "Temos de mudar a cultura machista."

A nova ministra é irmã de um aliado histórico de Lula, Gilberto Carvalho, que foi chefe de gabinete da Presidência da República durante os oito primeiros anos dos governos do PT e ministro-chefe da Secretaria-Geral durante o primeiro governo de Dilma Rousseff.

Além de ministra do Desenvolvimento Social em 2010, secretária executiva da pasta e secretária nacional de Assistência Social, Márcia Lopes também tem experiência em cargos eletivos. Foi vereadora em Londrina - entre 2001 e 2004 - e ocupou o posto de secretária de Assistência Social da cidade. Filiada ao PT desde 1982, Márcia Lopes tem 67 anos.

Assédio

A saída de Cida Gonçalves era dada como certa desde o ano passado. A situação dela se agravou após denúncias de assédio moral que sofreu de integrantes da equipe, como mostrou o Estadão. A Comissão de Ética Pública da Presidência, porém, arquivou as acusações.

Cida Gonçalves se reuniu com Lula na última sexta-feira, 2. Na oportunidade, não houve anúncio de saída da ministra do cargo. Anteontem, Márcia Lopes deu declarações à imprensa antecipando o convite de Lula para assumir a pasta.

Com a demissão de Cida, a gestão Lula tem a segunda troca em uma semana. Na sexta-feira, o titular da Previdência Social, Carlos Lupi, pediu demissão do cargo após reunião com o presidente. A saída foi consequência do escândalo dos descontos indevidos de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A conta-gotas

A reforma ministerial aguardada no início do ano, até aqui, tem sido realizada a conta-gotas. Esta é a terceira mudança no governo Lula promovida por questões de "desempenho" - ou seja, sem uma acusação que motive o afastamento do ministro.

A primeira foi a troca na Secretaria de Comunicação Social. Paulo Pimenta foi demitido e substituído por Sidônio Palmeira. Em março deste ano, Lula demitiu Nísia Trindade do Ministério da Saúde. Em seu lugar, assumiu Alexandre Padilha, que comandava a Secretaria de Relações Institucionais. A deputada Gleisi Hoffmann, por sua vez, foi indicada para o ministério responsável pela articulação política.

Outras duas mudanças realizadas neste ano foram as demissões de Lupi e de Juscelino Filho, das Comunicações. Os dois casos, no entanto, não estão relacionados a uma avaliação negativa do governo do desempenho dos ministros, mas por acusações e escândalos nos quais seus nomes foram envolvidos.

Lupi pediu demissão por causa da investigação de fraudes no pagamento de benefícios do INSS. Mesmo sem ter seu nome citado nas apurações, conduzidas pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, o agora ex-ministro sofreu um grande desgaste, principalmente após a revelação de que ele fora informado das denúncias de fraude em 2023 e que as providências só surgiram após quase um ano.

Juscelino Filho, por sua vez, foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. A defesa do ex-ministro alega que ele é inocente. A acusação é de que Juscelino desviou emendas parlamentares destinadas por ele durante seu mandato de deputado federal. O ex-ministro destinou emendas à prefeitura de Vitorino Freire (MA), cidade que era administrada por sua irmã Luanna Rezende. O caso foi revelado pelo Estadão.

Até o momento, porém, Lula não fez mudanças que afetam a participação dos partidos do Centrão no governo. Essa era uma das principais expectativas em torno da reforma ministerial, já que um dos objetivos era reestruturar a Esplanada e garantir uma governabilidade maior ao presidente na reta final de seu mandato.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta terça-feira, 6, a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra mais um núcleo que integra o inquérito do golpe de Estado.

O "núcleo 4" da suposta trama golpista, acusado de atuar na produção e disseminação de desinformação e ataques ao sistema eleitoral, é composto por Ailton Gonçalves Moraes Barros, Ângelo Martins Denicoli, Carlos César Moretzsohn Rocha, Giancarlo Gomes Rodrigues, Guilherme Marques de Almeida, Marcelo Araújo Bormevet e Reginaldo Vieira de Abreu.

Assim como das outras vezes, o ministro do STF Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, reservou três sessões para o julgamento: às 9h30 e às 14h desta terça-feira, e às 9h30 desta quarta, 7. Após a leitura da denúncia, os advogados vão apresentar as defesas e, depois disso, os cinco ministros do colegiado vão decidir se tornam réus, ou não, os sete denunciados.

"Eles propagaram notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizaram ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçavam os interesses do grupo. Todos estavam cientes do plano maior da organização e da eficácia de suas ações para a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional", diz trecho da denúncia, se referindo ao grupo como responsável pelas "operações estratégicas de desinformação".

Este será o terceiro julgamento sobre o recebimento de denúncias relacionados ao caso. O primeiro núcleo, do qual faz parte o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete militares de alta patente, e o núcleo dois, composto pelo ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, o general Mário Fernandes, entre outros, já tiveram as denúncias aceitas e agora serão julgados em ações penais.

Quem são os acusados

Ailton Gonçalves Moraes Barros é capitão reformado do Exército. Segundo a PGR, ele "incitava militares e difundia os ataques virtuais idealizados pelo grupo". Também é dele, segundo a investigação, a ordem para iniciar a campanha de difamação contra general Freire Gomes, após não ter topado a incursão golpista. "Se FG tiver fora mesmo. Será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral", teria dito Ailton em troca de mensagens com general Braga Netto.

Ângelo Martins Denicoli é major da reserva do Exército e apontado como "elo do grupo criminoso com o influenciador Fernando Cerimedo". Segundo a investigação, Denicoli alimentava uma nuvem com materiais para o influenciador, que divulgou um dossiê em novembro de 2022, em uma live no YouTube, com informações falsas sobre o sistema de votação brasileiro. A investigação, no entanto, não conseguiu apurar se o argentino só buscava engajamento ou sabia dos planos golpistas. Também segundo a PGR, Alexandre Ramagem contava com ajuda de Denicoli desde a fase preparatória da trama criminosa e, segundo o tenente-coronel Mauro Cid, o major integrava um grupo de pessoas empenhadas em encontrar fraudes nas urnas eletrônicas.

Carlos César Moretzsohn Rocha é engenheiro e foi presidente do Instituto Voto Legal, contratado pelo Partido Liberal (PL) para prestar serviços de auditoria do funcionamento das urnas eletrônicas. Segundo a investigação, um mesmo conteúdo falso publicado pelo influenciador argentino Fernando Cerimedo serviu para embasar a representação eleitoral protocolada pelo PL que pediu verificação extraordinária das urnas após segundo turno das eleições 2022. Em troca de mensagens, Rocha foi informado por Éder Balbino, da empresa Gaio, contratada para dar suporte técnico à análise, sobre inconsistências nos dados que tentava usar para embasar uma possível fraude, mas mesmo assim se apoiou no argumento falso.

Giancarlo Gomes Rodrigues é subtenente do Exército e estava cedido à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante os fatos apurados na investigação. Segundo a denúncia, Giancarlo realizou 887 pesquisas de "alvos" no sistema "First Mile" da Abin, a mando do chefe Marcelo Araújo Bormevet, também integrante do núcleo. Os materiais produzidos eram posteriormente repassados a perfis falsos e perfis cooptados, que serviam de vetores de propagação de notícias falsas em redes sociais. Esses seriam os "verdadeiros beneficiários políticos", e as pesquisas "claramente não partiam de decisões estratégicas de Estado ou do trabalho regular na Agência Brasileira de Inteligência", segundo a investigação.

Guilherme Marques de Almeida é tenente-coronel do Exército e foi apontado pela denúncia como "propagador em larga escala" de conteúdos falsos sobre o Poder Judiciário. "As mensagens identificadas revelaram que o militar, valendo-se de seus conhecimentos especiais, desempenhava, na organização criminosa, o papel necessário de criar e propagar, em larga escala, conteúdos espúrios sobre o Poder Judiciário e as eleições brasileiras, com o intuito de perpetuar o sentimento de desconfiança popular contra os poderes constitucionais", diz trecho da denúncia. O tenente-coronel trocou mensagens durante a live do influenciador argentino, que mostraram sua ciência sobre o objetivo da transmissão ser o de manter as pessoas mobilizadas em frente às instalações militares.

Marcelo Araújo Bormevet é policial federal e ex-integrante da Agência Brasileira de Inteligência. Segundo as investigações, ele era o chefe de Giancarlo e o responsável por ordenar que o subordinado coletasse informações sobre determinados alvos, incluindo ministros do Supremo Tribunal Federal. Essas informações eram usadas tanto para produzir notícias falsas quanto para atender pedidos do então presidente, como levantar dados sobre o inquérito policial envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho mais novo de Jair Bolsonaro.

Reginaldo Vieira de Abreu é coronel do Exército e ficou conhecido pelo codinome "Velome" nos autos da investigação da tentativa de golpe. Ele teria participado de uma troca de mensagens final de 2022 onde era discutida a apresentação, para Bolsonaro, de relatórios sabidamente falsos que atestariam uma suposta fraude nas eleições daquele ano. Ele também teria vigiado os passos do ministro do STF Gilmar Mendes em Lisboa, como parte da tentativa de golpe.

Quem já foi julgado

A PGR fatiou a denúncia de tentativa de golpe em cinco núcleos. Até agora, os ministros da Primeira Turma já julgaram e aceitaram as denúncias contra o "núcleo 1" ou "núcleo crucial", do qual ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados próximos fazem parte, e do "núcleo 2" ou "núcleo de gerência".

Em 26 de março, Bolsonaro e outros sete foram tornados réus por tentativa de golpe de Estado. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou para aceitar a denúncia da PGR, e foi seguido por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente do colegiado. Esse grupo é considerado o "núcleo crucial" da tentativa golpista, pois "deles partiram as principais decisões e ações de impacto social" para a conspiração.

Além de Bolsonaro, são réus o general Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), general Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), deputado Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), general Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência).

No julgamento do "núcleo 2", em 22 de abril, os ministros também aceitaram a denúncia e tornaram réus os seis integrantes do grupo: Fernando de Sousa Oliveira, Filipe Garcia Martins, Marcelo Costa Câmara, Marília Ferreira de Alencar, Mário Fernandes e Silvinei Vasques. Esse grupo é considerado o "núcleo de gerência", pois todos os integrantes tinham "posições profissionais relevantes" no governo e "gerenciaram as ações" golpistas, segundo a PGR.

O ato convocado para esta quarta-feira, 7, por Jair Bolsonaro (PL), em Brasília, terá parte da Esplanada dos Ministérios fechada e um bloqueio policial na frente do Congresso Nacional.

O ato desta quarta será a primeira vez em que manifestantes bolsonaristas se reúnem em Brasília desde os atos de 8 de Janeiro. A manifestação busca pressionar o Congresso Nacional a votar o projeto de anistia aos condenados pela depredação, o qual contém brechas que podem beneficiar o próprio ex-presidente.

O ato começa às 16 horas, na Torre de TV de Brasília. Os participantes vão marchar até a Avenida José Sarney, a penúltima avenida antes do Congresso. Nesta altura, que fica entre o Ministério da Justiça e o Palácio do Itamaraty, serão colocados gradis para impedir que os bolsonaristas avancem até os prédios dos Três Poderes. A distância percorrida pelos manifestantes no centro de Brasília será de aproximadamente três quilômetros.

Em reunião na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) realizada nesta segunda-feira, 5, ficou definido que três das seis faixas do Eixo Monumental e da Esplanada dos Ministérios serão fechadas devido ao ato.

Duas faixas serão destinadas aos participantes do ato, enquanto outra será reservada para o fluxo dos veículos da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF). As restantes poderão ser utilizadas por motoristas.

Na reunião, os organizadores apresentaram diferentes expectativas de participantes, que variaram entre 2,5 mil e 5 mil pessoas. A previsão é que o ato seja encerrado às 17h30, no mais tardar às 18 horas.

De acordo com o deputado distrital Thiago Manzoni (PL), que participou da reunião da SSP-DF, os representantes da segurança pública do DF pediram apoio dos organizadores para transmitir as informações dos representantes do governo da capital federal.

"O principal pedido dos organizadores é que sejam respeitadas essas duas faixas que estarão bloqueadas, para que o trânsito não seja prejudicado e que os manifestantes atendam a todos os pedidos das forças de segurança. Eles [membros da segurança pública] pediram parceria dos organizadores, o que foi pronto atendido pelo pessoal da organização, no sentido de transmitir as informações dos pedidos das forças de segurança", disse Manzoni.

Assim como as outras manifestações convocadas por Bolsonaro, o organizador do ato será o pastor evangélico Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Ao Estadão, Malafaia disse que, além do aparato policial, os participantes vão gravar todo o ato com câmeras. Na frente dos manifestantes, haverá um trio elétrico.

"Vai ter um trio elétrico e vem quem tiver, e vamos embora. Vamos fazer uma caminhada pacífica até o Congresso Nacional", disse Malafaia.

De alta hospitalar desde o domingo, 4, Bolsonaro pretende participar da marcha até o Congresso. Porém, a equipe médica que o acompanha orienta que o ex-presidente não vá ao ato. Há a recomendação de que ele evite aglomerações por conta do risco de possível infecção. O ex-presidente ficou 22 dias internado após fazer uma cirurgia complexa no intestino.

A convocação de Bolsonaro ocorreu no mesmo dia em que foi noticiado que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, preparou um projeto de lei alternativo para reduzir a pena dos envolvidos no 8 de Janeiro. O texto de Alcolumbre, porém, aumenta a punição para os mentores da trama golpista.