'Pensei que iria morrer após uma emboscada do Hamas', diz brasileiro que sobreviveu ao ataque

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"Os soldados israelenses me disseram para sair de onde eu estava porque corria risco de morte", afirmou o analista bancário Rafael Birman, brasileiro que mora em Israel desde 2018 e que sobreviveu ao ataque terrorista do Hamas no dia 7 de outubro, que deixou 1.400 mortos.

Em entrevista ao Estadão, o brasileiro de 30 anos conta como conseguiu fugir da rave brasileira de música eletrônica Universo Paralelo, onde 260 pessoas foram mortas pelo grupo terrorista Hamas. Birman participou de uma cerimonia no Memorial do Holocausto de São Paulo na quinta-feira, 9, que prestou homenagem as 1.400 vitimas do atentado terrorista do grupo Hamas em Israel e também realizou uma cerimonia por conta do aniversário de 85 anos da chamada Noite dos Cristais, o nome que se dá aos ataques sofridos por judeus realizados na Alemanha Nazista entre os dias 9 e 10 de novembro de 1938.

O brasileiro conta que viu carros destruídos e pessoas feridas durante o trajeto. O veículo de Birman chegou a ser atingido por tiros em meio a uma emboscada por terroristas do Hamas. "Descobrimos que 40 terroristas estavam lá atirando na gente e no carro do exército. Eu achei que ia morrer. Um dos soldados que estava protegendo a gente acabou perdendo a perna, mas ele está vivo".

Confira trechos da entrevista

Como foi a decisão de ir para um festival perto da fronteira com a Faixa de Gaza?

Eu sempre tive vontade de conhecer o festival do Universo Paralelo, a minha cunhada já tinha ido na edição que foi na Bahia e ela me mandou o link do evento desta edição que teria em Israel e eu comprei logo que ela me mandou. Fiquei super empolgado e estávamos planejando a nossa ida para o festival, mas depois de três meses a minha cunhada não tinha comprado ainda e eu chamei muitos amigos que também não compraram o festival.

Muitos amigos acabaram não indo por conta do valor da festa ou por outros planos, mas não por medo. Ninguém sabia que ia ser tão próximo de Gaza. Estes eventos em Israel só tem o local divulgado uma hora antes do evento para evitar ataques terroristas e aglomerações desnecessárias, mas quando divulgaram a localização eu fiquei preocupado.

Fiquei apreensivo e comentei com um amigo que estava bem ansioso em relação a essa festa, mesmo antes de saber onde seria. Quando descobri, questionei para os meus amigos se seria seguro ir para uma festa em um local próximo a Faixa de Gaza, mas duas pessoas que eu conheço me disseram que já haviam ido em festas naquele local e que era seguro. Muitas festas desde os anos 2000 são realizadas naquela região do sul de Israel e outro evento tinha sido realizado no dia anterior ao festival. No dia seguinte, eles iriam ter outra festa por lá.

Por esse motivo eu acabei indo, mas eu estava com uma sensação ruim e agora eu entendo o porquê. Acredito muito em energias e eu estava me sentindo muito mal antes do evento. Até cheguei a brincar com uma amiga quando soube a localização do evento, afirmando que eu esperava sobreviver a festa que seria próxima de Gaza.

Se puder me contar um pouco de como foi a sua fuga do festival, desde o momento em que sentiu que algo errado estava acontecendo

No primeiro momento, a primeira coisa que soubemos foi dos mísseis e é uma área que cai muito míssil, pela proximidade com a Faixa de Gaza. Então a produção do evento já parou a música e todas as pessoas começaram a correr, procurando por abrigo. Os policiais do evento aconselharam que ficássemos por lá e não fossemos para o nosso carro naquele momento por conta do risco de um míssil acertar o carro.

Mas eu fui um dos primeiros que foi até o carro. Argumentei para os meus amigos que não podíamos esperar mais. Não é igual a Tel-Aviv que temos um minuto para acharmos abrigo, então fui o primeiro a ir correndo para a saída do estacionamento.

Estava dirigindo e tentei evitar a aglomeração, por isso joguei o meu carro para o gramado e optei por caminhos não convencionais. Tentamos ir para o norte, mas vimos um carro destruído e uma menina ensanguentada pedindo para não irmos para o norte porque tinham terroristas naquela estrada e as pessoas começaram a entrar em desespero.

Neste momento, eu optei por sair da rodovia e pegar uma estrada paralela de terra, mas fomos encurralados por terroristas do Hamas. Eu não vi eles, mas começamos a ouvir tiros e quando a janela traseira do meu carro explodiu, soubemos que algo estava acontecendo e que os terroristas estavam atirando no carro.

Tivemos sorte porque logo depois um carro das Forças de Defesa de Israel chegou no local e começou a trocar tiros com os terroristas para nos proteger. Eu joguei o carro de lado, abri a porta e me joguei no chão e falei para os meus amigos fazerem o mesmo. Passamos 20 minutos lá, com os terroristas do Hamas trocando tiros com as tropas israelenses. Descobrimos que 40 terroristas estavam no local atirando na gente e no carro do exército.

Um dos soldados que estava protegendo a gente acabou perdendo a perna, mas ele está vivo. Eu entrei em contato com ele e combinamos de nos encontrarmos quando eu voltar para Israel. Ele me disse que estava tudo bem e que a missão dele era proteger Israel e que se tivesse que fazer tudo de novo, ele faria.

Saímos daquela situação, usando o carro de escudo e chegamos até um bunker, onde ficamos mais 20 minutos, até que o exército conseguisse controlar um pouco mais a situação. Um soldado afirmou que precisávamos sair daquele lugar porque corríamos risco de morte.

Para onde você foi quando conseguiu fugir?

Conseguimos pegar uma carona com um rapaz que também estava na festa para uma cidade vizinha chamada Netivot e ficamos abrigados em um prédio. Passamos horas lá, ouvindo mísseis e sirenes e um dos moradores abriu as portas da casa dele.

Eles deram comida, água e tomamos banho. Foi neste momento que tivemos mais noção da proporção que o ataque tinha tomado, da crueldade dos terroristas do Hamas.

Conhecia alguém que faleceu no festival?

Eu conhecia o Ranani Glazer, não era um amigo muito próximo mas toda vez que íamos para a praia nos torneios de futevôlei, festas, a gente sempre ficava junto e se abraçava. Era uma pessoa muito feliz e com uma energia muito legal.

A Bruna Valeanu eu conheci naquele dia mesmo, na festa. Ela estava super alegre e feliz. As meninas que estavam comigo eram melhores amigas da Bruna e na hora que estávamos indo para o carro eu ofereci uma carona para a Bruna, mas infelizmente ela quis esperar um amigo que estava na festa e não tínhamos como saber a proporção do ataque e de tudo que iria acontecer.

Refletindo depois de um pouco mais de um mês dos ataques terroristas do Hamas, você se sente seguro em Israel? Quer voltar a morar no Brasil ou ficar lá?

Eu me mudei em 2018 para Israel, meu plano era ficar um ano e eu acabei ficando seis. Eu sempre me senti seguro em Israel, nós confiamos muito no exército israelense e na segurança que eles proporcionam para nós.

Não é igual aqui que a polícia intimida as pessoas de bem. O exército está lá para proteger e ninguém tem medo deles, eles estão lá para proteger e está todo mundo do mesmo lado.

Mas eu estou com um pouco de medo de voltar, estou esperando algo mudar na guerra. Meu irmão está lá e meus amigos também e eles me falam que em Tel-Aviv está tudo funcionando, as pessoas estão trabalhando. Claro que de maneira reduzida, mas existe algum senso de normalidade.

Em algum momento eu devo voltar para Israel, mas não sei por quanto tempo. Eu já queria voltar a morar no Brasil eventualmente em alguns anos, mas sem uma previsão exata de retorno.

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Ainda internado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usou as redes sociais para publicar uma foto do abdômen aberto, com um grande corte que deixou seu intestino à mostra, quando foi submetido a cirurgia dias atrás.

"Como estavam as alças intestinais após o acesso à cavidade abdominal e liberação parcial das aderências", descreveu Bolsonaro, no X (antigo Twitter).

Bolsonaro está no hospital desde o dia 13 de abril, quando foi submetido a uma cirurgia que durou 12 horas para retirar aderências no intestino e reconstruir a parede abdominal. O procedimento foi realizado após ele passar mal, no dia 11 do mesmo mês, em uma agenda no interior do Rio Grande do Norte.

Perto das 21h20 de sábado, 3, a imagem visceral tinha 207,7 mil visualizações e cerca de 4 mil curtidas. A foto, bastante forte, despertou reações negativas de uma boa parte dos seguidores de Bolsonaro no X.

"Pô, Sr. Ex-Presidente, que indelicadeza essa publicação aparecer no meu feed. Precisava? Acho que não", criticou o internauta @LZerØ. "Pow Bolsonaro, essa foto é muito forte. Votei e voto em você mas apaga isso pow kkkk", escreveu @Iagosalva55. "Eu nunca pensei em ver as tripas do Bolsonaro em um sábado a noite", afirmou @Levi_A17.

Houve também apoiadores do foto. "Mostra sim! Temos assistido coisas muito mas muito mais chocantes que essas imagens, que é a perseguição dentro do leito de hospital! Pessoas que querem usar um momento delicado desses, contra o Senhor!", disse @TruthScopeBr.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ter alta hospitalar neste domingo, 4, segundo a expectativa de auxiliares. Ainda assim, o entorno do ex-presidente quer esperar até amanhã para ter certeza do andamento da recuperação.

O boletim divulgado neste sábado, 3, pela equipe médica do Hospital DF Star, em Brasília, informou que Bolsonaro está em acompanhamento pós-operatório e que segue estável clinicamente, sem dor ou febre, e com pressão arterial controlada. O ex-presidente passou da nutrição parenteral (endovenosa) para a dieta pastosa.

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Em entrevista à CNN Brasil mais cedo neste sábado, 3, Bolsonaro também falou sobre a possibilidade de deixar o Hospital DF Star logo. "Tenho enormes chances de ter alta amanhã (domingo)", disse Bolsonaro.

O boletim médico divulgado pela manhã deste sábado pelo hospital em que o ex-presidente está internado já dizia que ele poderia ter alta "nos próximos dias".

Na quarta-feira, 30, Bolsonaro saiu da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas permaneceu com o tratamento no quarto. "(O ex-presidente) segue intensificando diariamente a fisioterapia motora e recebendo as medidas de prevenção de trombose venosa. Permanece a orientação de restrição de visitas, com previsão de alta hospitalar nos próximos dias", afirmou a equipe médica.

Nas redes sociais, Bolsonaro também comentou que suspendeu a alimentação pela veia (nutrição parenteral). "Fase delicada para intensificação do funcionamento do sistema digestório que vai respondendo como esperado, assim como os soluços sendo controlados", disse em postagem no X (antigo Twitter).

Bolsonaro está no hospital desde o dia 13 do mês passado, quando foi submetido a uma cirurgia que durou 12 horas para retirar aderências no intestino e reconstruir a parede abdominal. O procedimento foi realizado após ele passar mal, no dia 11, em uma agenda no interior do Rio Grande do Norte.

Há 15 anos, STF decidiu que perdão a crimes de militares era compatível com a Constituição; novos argumentos contra a Lei podem ser julgados pela Corte ainda em 2025, na esteira do sucesso de 'Ainda Estou Aqui'

O caso Rubens Paiva está longe de terminar. É o que anotou Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado federal, na última página de Ainda Estou Aqui, de 2015. Passados nove anos desde o lançamento do livro, a frase não envelheceu. Tanto é que, na adaptação aos cinemas de Walter Salles, uma mensagem exibida ao final do filme relembra o espectador de que os cinco réus do caso ainda não foram punidos.

A ação penal do caso Paiva está trancada desde setembro de 2014. Uma liminar do então ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou o processo "incompatível" com o entendimento da Corte sobre a Lei da Anistia. Em abril de 2010, o Supremo julgou que o perdão da ditadura aos crimes de militares era compatível com a Constituição. Dessa forma, os fatos investigados no caso Paiva já estariam perdoados.

Com o sucesso do filme de Salles, o primeiro longa brasileiro a conquistar um Oscar, a revisão da Lei da Anistia deve voltar à pauta do STF ainda em 2025. Os ministros decidirão se o perdão de 1979 é estendido aos delitos de caráter permanente, como os casos em que houve desaparecimento forçado e ocultação de cadáver.

Esse argumento deu novo vigor às reivindicações no Supremo por revisões na Lei da Anistia e está encampado por uma decisão de um tribunal internacional. O resultado do novo julgamento pode deslanchar não só o caso Paiva como outros processos envolvendo desaparecidos e mortos durante a ditadura.

Como foi o julgamento da revisão da Lei da Anistia?

A anistia da ditadura militar foi sancionada por João Figueiredo, o último dos "presidentes-generais", em agosto de 1979. Ao passo em que permitiu o retorno à cena política de opositores do regime, a norma criou uma blindagem jurídica para que agentes da repressão jamais fossem processados pelos crimes dos "anos de chumbo".

Em outubro de 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionou no STF a adequação da Lei da Anistia à Constituição. O jurista Fábio Konder Comparato defendeu que, ao perdoar crimes de lesa-humanidade, como assassinatos e torturas perpetrados por agentes públicos, a lei feria princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana.

Comparato foi professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ativista pelos direitos humanos, foi um dos advogados da ação que responsabilizou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra pela morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto sob tortura no DOI-CODI de São Paulo em julho de 1971. Em 1992, Comparato foi um dos autores do pedido de impeachment que acabou depondo o então presidente Fernando Collor.

A OAB questionou a Lei da Anistia por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Nesse tipo de ação, o STF analisa se uma norma anterior à Constituição viola os princípios da ordem legal do País.

A anistia do governo militar concedeu perdão "a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes". Quanto aos crimes "conexos", a Lei considerou, para seus efeitos, "os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política".

Essa redação foi o cerne da ação proposta pela OAB. A entidade argumentou que o trecho pretendeu, de forma "obscura", garantir impunidade aos crimes cometidos pela repressão do regime militar. Nesse sentido, estaria caracterizada uma "auto anistia", ou seja, um governo perdoando a si mesmo pelos seus próprios crimes.

Além da pretensão "obscura", a OAB pediu a inépcia do termo "crimes conexos". Segundo a entidade, a definição estabelecida na Lei era inconsistente do ponto de vista conceitual, pois crimes conexos, no jargão do Direito, são aqueles praticados em comunhão de interesses ou de objetivos com outro delito. No caso concreto, não se poderia dizer que os agentes da repressão estivessem em comunhão com os interesses ou objetivos dos opositores do regime.

"A gente tentou demonstrar, naquela época, que o termo 'conexão' é um termo técnico, é um termo previsto na legislação e nenhuma das hipóteses de conexão acabava estendendo a anistia aos agentes da ditadura militar", afirmou o criminalista Pierpaolo Bottini, que participou do julgamento da ADPF como representante da Associação Juízes pela Democracia.

O então ministro Eros Grau discordou dos argumentos apresentados. O relator avaliou que os efeitos práticos da Lei - a impossibilidade de processar militares pelos crimes da repressão - não só eram conhecidos como pavimentaram o processo de redemocratização do País. Nesse sentido, não houve "obscuridade" nos termos da norma, e a Lei não foi uma "auto anistia", mas uma "anistia pactuada" entre governo e oposição.

Sobre a inépcia dos "crimes conexos", Grau entendeu que os termos da Lei da Anistia deveriam ser interpretados sob o contexto em que a norma foi sancionada. Considerando a Lei como um "pacto" entre governo federal e oposição, o relator avaliou que, naquele contexto histórico, a "conexidade" estendeu-se aos crimes de agentes da repressão. O relator foi seguido por 7 votos a 2.

Bottini lamenta o resultado do julgamento, no qual, segundo ele, prevaleceu uma "leitura política" do STF quanto ao contexto histórico de 1979. Quem também contesta a tese do "pacto" pela anistia é Carolina Cyrillo, professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Núcleo Interamericano de Direitos Humanos (NIDH). Segundo Carolina, a noção de "pacto" sugere uma anistia consentida pela oposição, desprezando as circunstâncias do momento político. "Não foi uma transação entre iguais", disse a advogada. "Como é que eu posso dizer que toda a sociedade pactuou se nem sequer tínhamos eleições democráticas no momento em que foi feita essa lei?"

Fábio Konder Comparato também se queixa do acórdão. Segundo o jurista, a Corte não levou em consideração a natureza dos crimes considerados "conexos" aos políticos.

"(A Lei de Anistia), na verdade, foi imposta pelo regime militar. E, até hoje, não se chega a uma conclusão. A anistia foi dada unicamente aos autores dos crimes cometidos durante o regime militar. Não se tratam apenas de crimes políticos. Foram crimes contra a humanidade", disse Fábio Comparato ao Estadão.

Comparato está aposentado da advocacia. Aos 88 anos, já não é de sua rotina acompanhar prazos processuais, mas o jurista aguarda o trâmite de uma última ação. É a ADPF 320, subscrita pelo PSOL em 2014 e assinada pelo advogado. O "trunfo" da nova petição é um julgamento de uma corte internacional que condenou o Brasil.

O caso Gomes Lund

Em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso Gomes Lund, também conhecido como "Guerrilha do Araguaia". O processo é intitulado com o nome de Julia Gomes Lund, mãe de Guilherme, um dos estudantes desaparecidos na guerrilha.

A sentença determina que o País reconheça o tipo penal do desaparecimento forçado, conferindo a esse crime um caráter permanente, para o qual não há prescrição nem efeitos de perdão.

Durante o processo, o Brasil argumentou que não poderia investigar o caso em razão da Lei da Anistia. A Corte Interamericana rebateu a alegação e pontuou que o País, enquanto signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, não pode usar normas internas para impedir investigações sobre crimes de lesa-humanidade.

"As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso", diz um trecho da decisão.

O que pode mudar em 2025

A Lei da Anistia possui um período de incidência definido, perdoando os crimes cometidos de setembro de 1961 a agosto de 1979. O STF deve decidir se, nos casos de crimes permanentes, há a extrapolação do marco temporal definido na Lei.

O Supremo pode julgar o tema tanto na ADPF protocolada pelo PSOL quanto nos recursos com status de repercussão geral. Como mostrou o Estadão, a repercussão de Ainda Estou Aqui impulsionou casos de desaparecidos durante a ditadura. Desde o lançamento do filme, em setembro de 2024, os trâmites de casos como o de Rubens Paiva e o da Guerrilha do Araguaia ganharam tração.

O afastamento da anistia seria um entrave a menos, mas os processos ainda enfrentariam outros problemas, como a dificuldade de coleta de provas documentais e de testemunhos.

Carolina Cyrillo avalia os efeitos práticos da Lei da Anistia já foram consumados. O texto impediu que investigações ocorressem logo após o fim do regime, um período que seria crucial para o levantamento de informações sobre os crimes da ditadura. "Em termos práticos do processo penal, não tem como condenar as pessoas", disse Carolina.

Para Pierpaolo Bottini, o afastamento da anistia é mais importante do que eventuais condenações. "Uma coisa é não punir porque a pessoa morreu, ou porque o crime prescreveu. Outra coisa é não punir porque você perdoou ou anistiou aquela pessoa", afirmou o advogado. "Para a sociedade brasileira, é muito importante que fique claro que esses crimes nunca foram perdoados, nunca foram anistiados".

Os casos estão prontos para serem pautados, mas ainda não tiveram data de julgamento definida pelos relatores. A relatoria do recurso da Guerrilha do Araguaia é de Flávio Dino, enquanto o caso Paiva é relatado por Alexandre de Moraes e a ADPF do PSOL, por Dias Toffoli.