O histórico e as preocupações por trás da frase de Trump: 'Proteja o voto'

Internacional
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O ex-presidente americano Donald Trump está encorajando seus apoiadores a "protegerem o voto" durante as eleições do ano que vem, uma frase que tem feito soar os alarmes entre os defensores da democracia, que consideram que ela representa uma permissão para tomar medidas extremas, que poderiam intimidar os eleitores e ameaçar funcionários eleitorais.

É uma frase relativamente nova para Trump, embora ativistas de extrema direita já venham preparando terreno para que ela seja usada de forma mais ampla.

Michael Flynn, ex-assessor de segurança nacional, passou meses repetindo essa frase em postagens, discursos e entrevistas. E Victor Mellor, parceiro muito próximo de Flynn, disse à Associated Press que está criando um novo grupo chamado "Guard the Vote" (Proteja o Voto) em preparação para as eleições de 2024. Mellor forneceu à AP um vídeo que mostrava o novo "centro de comando" do grupo em um edifício na Flórida onde fica o escritório de Flynn.

Trump usou a frase em Ankeny, no estado americano de Iowa, no sábado, dizendo que seus seguidores precisavam "proteger o voto" porque "temos todos os votos de que precisamos". Ele encorajou seus apoiadores a "entrarem" em cidades como Detroit, Filadélfia e Atlanta para "observar esses votos quando eles chegarem".

Especialistas em mensagens políticas dizem que o contexto em que Trump usa "proteja o voto" estimula seus apoiadores não só a esperarem fraudes em diversas cidades de maioria do Partido Democrata no ano que vem, mas a intervirem para garantir a vitória de Trump.

"Ela sugere que o resultado da eleição já está dado. Já foi decidido", diz Susan Benesch, fundadora e diretora-executiva do Projeto Dangerous Speech (Discurso Perigoso). "É realmente proteger a eleição contra fraudes, ou é proteger a eleição contra um resultado em que Trump não seja declarado vencedor?"

Steven Cheung, porta-voz da campanha de Trump, diz que a fala "proteja o voto" de Trump significa "impeça qualquer caso de fraude eleitoral em áreas onde a fraude acontece". Ele não deu mais detalhes, nem respondeu se o termo se refere às iniciativas de Flynn ou Mellor.

"Se ele realmente está falando de fiscalização pacífica, regular, legítima da votação, então é isso que ele deveria dizer", considera Benesch.

O histórico de 'proteja o voto'

A frase "proteja o voto" ganhou popularidade em 2022, quando grupos ativistas de direita, inclusive um no estado de Washington que se chama Guard the Vote, começaram a monitorar as urnas eleitorais para tentar identificar fraudes.

O termo ressurgiu no início deste ano, quando Trump foi filmado fazendo uso dele durante um evento em junho, em seu clube de golfe em Bedminster, Nova Jérsei, e quando Flynn começou a empregá-lo repetidamente algumas semanas depois.

"Estive recentemente com o presidente Trump, e conversamos sobre essa ideia, sobre proteger o voto", disse Flynn em uma entrevista, em 6 de julho, com o apresentador de rádio Eric Metaxas. "Significa ficar de olho em todos os aspectos da votação que temos, desde o momento em que ela começa, sejam 45 ou 30 dias antes da votação, até o final da contagem."

Desde então, Flynn já fez postagens ou discutiu publicamente a proteção do voto pelo menos oito vezes. Em um discurso no estado de Rhode Island, em setembro, ele discutiu a possibilidade de estar ao lado das urnas "24/7" (24 horas por dia, 7 dias por semana), para filmar as pessoas depositando suas cédulas. Em uma postagem na rede X, no mês passado, ele se referiu a "cidadãos protetores preocupados" nas urnas. No Telegram, em julho, ele escreveu "#NósOPovo vamos estar conferindo todos vocês e o sistema eleitoral inteiro de cima a baixo, do começo ao fim, do nascer ao pôr do sol". Flynn não respondeu a um e-mail solicitando comentários.

Em geral, os fiscais eleitorais indicados pelos partidos ou por outros grupos podem observar a votação e a contagem dos votos, mas não podem interferir no processo eleitoral, segundo a Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais dos EUA. Os estados americanos têm regras diferentes que regem seu comportamento e suas qualificações.

Mellor, que é dono de uma empresa de concreto e tem atividade política no Condado de Sarasota, no estado da Flórida, contou à AP esta semana que criou um grupo chamado "Proteja o Voto", para reunir integrantes das forças de segurança e cidadãos e realizar treinamento para as eleições.

Mellor disse que, quando ouviu Trump usar a frase "proteja o voto" no sábado, pensou: "Sou eu. Eu sou 'proteja o voto'."

Isso pode incitar violência?

Mellor compartilhou poucos detalhes sobre os planos do grupo, mas disse que ele envolveria "americanos instruídos, policiais instruídos".

Indagado sobre as críticas de que a frase "projeta o voto" poderia encorajar violência ou colocar em risco o sistema eleitoral, os eleitores ou os funcionários envolvidos, Mellor respondeu que "absolutamente não. Não haverá armas. Tudo será feito dentro da lei."

Ele diz que não haveria "nenhuma intimidação" e que não se trataria de uma operação da direita. Diz ainda que está encorajando americanos de todas as posições políticas a participarem, e que mais detalhes serão anunciados nos próximos dias.

"Este não é um movimento militante. É um movimento educacional", diz, acrescentando que o objetivo é ajudar as pessoas a entenderem o que ele chama de processo eleitoral complicado.

Embora não houvesse conexão aparente com a iniciativa de Mellor, grupos de direita começaram a monitorar as urnas em pelos menos dois condados do estado do Arizona durante as eleições de meio de mandato em 2022, até que um juiz federal determinou que eles mantivessem distância dos eleitores. Alguns deles estavam mascarados e armados, e alguns ainda foram associados ao grupo de extrema direita Oath Keepers.

Mellor compartilhou com a AP um vídeo do que chamou de "centro de comando", em um edifício de sua propriedade na cidade de Venice, na Flórida, que também abriga o escritório de Flynn e um estúdio onde ele frequentemente faz entrevistas.

O vídeo curto mostrava uma grande sala sem janelas, aparentemente cercada de paredes de concreto com o slogan "PROTEJA O VOTO" escrito em uma delas. No centro da sala estava uma mesa de reunião comprida, cercada de cadeiras acolchoadas, e sobre a mesma estava uma arma que Mellor diz ser sua. Questionado sobre a arma, Mellor respondeu à AP que não havia percebido que ela aparece no vídeo, e que ela não estaria mandando um recado.

"Não saio de casa sem ela", diz.

Em outra parede estava um juramento de posse, cercado de selos e bandeiras das forças militares. Sobre outras paredes estavam mapas de estados americanos, como Arizona, Michigan, Pensilvânia, Nevada, Geórgia, Carolina do Norte, Alasca, Texas, Flórida, Wisconsin e Minnesota.

Um quadro branco exibia notas referentes à estratégia, incluindo uma referência aos xerifes e uma lista de conhecidos negacionistas eleitorais. Em um canto do quadro branco se lia "detecção de fraude", e em seguida as palavras "não use a palavra fraude, use segurança eleitoral".

Uma investigação conjunta feita pela AP e pela série "Frontline", da emissora PBS, no ano passado, detalhou como Flynn e Mellor vêm trabalhando em estreita colaboração desde 2021. Mellor criou um local chamado The Hollow, e o transformou em um centro de atividades para os Proud Boys e outros grupos ativistas na comunidade de extrema direita do Condado de Sarasota.

Ex-fuzileiro naval, ele publicou uma foto em sua página do Facebook em que aparecia com o filho diante do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021, e disse à "Frontline" que se orgulhava de ter estado lá naquele dia. Ele disse à AP em outubro de 2022 que ele e Flynn estão "experimentando e alimentando um verdadeiro movimento popular em sua forma mais pura".

"Garanto a vocês que isso é apenas o começo", disse Mellor na ocasião.

A linguagem da guerra

Jennifer Mercieca, historiadora de retórica política na Universidade A&M do Texas, que escreveu um livro sobre a retórica de Trump, diz que o uso feito por ele da palavra "proteger" foi digno de nota porque pode ser uma palavra militar, "como se você fosse um exército".

"Então o enquadramento aqui é interessante, porque não é uma linguagem da democracia e do processo democrático. É uma linguagem de guerra", diz Mercieca. "É assim que o fascismo funciona. Você diz que a política é guerra e que o inimigo trapaceia. Depende de nós."

Ela explica que as reiteradas acusações de Trump de que haverá fraude em uma eleição que ainda não aconteceu são uma forma de envolver seus seguidores em uma teoria da conspiração. Trump também deu a entender que as eleições estariam fraudadas contra ele antes mesmo da votação em 2016 e 2020.

"Você diz à população que as regras já foram quebradas. Certo? Eles são tão corruptos. Eles são grandes trapaceiros. Eles são inimigos. Eles são ameaças. E aí você diz: e a defesa depende de nós", diz Mercieca.

O que os americanos deveriam pensar quando ouvem Trump usar esse tipo de linguagem?

"Ainda faz parte da insurreição de Trump de 6 de janeiro. Ele ainda está 'conspirando'", diz.

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A auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) nos descontos em contracheques de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) revelou situações flagrantes de fraude.

Foram descobertos cadastros em nome de analfabetos, indígenas de comunidades isoladas, idosos com doenças graves, pessoas com deficiência e aposentados.

São pessoas que, segundo a CGU, não teriam como comparecer pessoalmente às associações e nem como assinar fichas de filiação e termos de autorização para os descontos em benefício dessas entidades. Algumas até residem no exterior.

Os casos foram descobertos a partir de entrevistas feitas com uma amostra de 1.273 beneficiários do INSS, registrados nos 27 Estados e no Distrito Federal, que tiveram valores descontados de seus contracheques. 97,6% dos entrevistados informaram à CGU não ter autorizado os abatimentos.

Os beneficiários do INSS podem aderir a associações civis e sindicatos e autorizar descontos mensais em seus contracheques para cobrir custos de filiação. Para isso, as entidades devem estar habilitadas junto ao INSS e precisam receber autorização "prévia, pessoal e específica" de aposentados e pensionistas interessados.

Parte dos aposentados ouvidos pela CGU só tomou conhecimento dos descontos no momento das entrevistas.

A Polícia Federal afirma que a auditoria revela um "cenário de incongruências". A PF investiga se idosos foram induzidos a assinar autorizações de desconto sem saber a verdadeira finalidade dos documentos e até se assinaturas foram forjadas.

As suspeitas são investigadas na Operação Sem Desconto. Segundo a Polícia Federal, servidores do INSS venderam dados de aposentados e pensionistas em troca de propinas e facilitaram os descontos indevidos direto nos contracheques dos beneficiários. O esquema teria causado um prejuízo de R$ 6,3 bilhões a milhares de aposentados.

Pressionado, o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, pediu demissão após ter sido afastado do cargo por ordem judicial.

O ex-presidente do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, autorizou descontos indevidos nos contracheques de aposentados e pensionistas depois de ter vindo a público anunciar que acionaria a Polícia Federal para investigar denúncias de fraudes.

O Estadão pediu manifestação do ex-presidente do INSS. As suspeitas o levaram a pedir demissão após ter sido afastado do cargo por ordem judicial na Operação Sem Desconto.

Pressionado pela Controladoria-Geral da União (CGU), que emitiu sucessivos alertas sobre descontos irregulares, Stefanutto prometeu ser "bastante duro" com entidades que estivessem envolvidas em fraudes e garantiu que a PF seria notificada para apurar as suspeitas. As declarações são de abril de 2024 e foram publicadas no site do INSS.

Em março de 2024, Stefanutto suspendeu as cobranças de descontos associativos até o desenvolvimento de mecanismos mais seguros de autorização e verificação de identidade, como biometria facial dos aposentados e assinatura eletrônica avançada, recursos que segundo ele ainda seriam desenvolvidos pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev).

A suspensão foi formalizada em uma instrução normativa que eximiu o INSS de responsabilidade sobre os descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas.

O ex-presidente do INSS também prometeu revisar os acordo de cooperação técnica fechados com associações e entidades para descontos de mensalidades associativas.

Ocorre que, segundo a PF, "a despeito da aparente diligência publicizada", internamente a direção do INSS buscava uma solução transitória que possibilitasse a retomada dos descontos, o que efetivamente aconteceu.

A PF aponta que, em junho de 2024, Stefanutto determinou o "desbloqueio excepcional" de descontos em benefício de entidades investigadas, mesmo sem os requisitos técnicos definidos pela Dataprev e sem previsão normativa.

"Nesse contexto, as ações divulgadas pelo INSS para impor maior rigor e controle à implementação de descontos associativos não atingiram os efeitos a que se propuseram, à medida que a direção da Autarquia autorizou excepcionalizações às regras de regência da matéria, sem que existisse previsão normativa para tanto ou, sequer, tivessem sido realizadas análises que pudessem sustentar o interesse dos aposentados e/ou pensionistas nos atos", afirma a Polícia Federal na representação da Operação Sem Desconto.

A Polícia Federal crava que "o único interesse em voga e observado pela direção do INSS foi o das entidades associativas".

Segundo a PF, a cúpula do INSS ignorou informações e alertas recebidos por diferentes meios e de diferentes órgãos de controle para reverter "autorizações precárias concedidas" para os descontos.

Além de ter retomado os descontos em curso, o INSS permitiu 785.309 novos abatimentos, englobando 32 entidades, baseados exclusivamente em termos de compromisso das associações.

Descontos em lote

A PF também põe sob suspeita uma autorização do presidente do INSS para o chamado desbloqueio em lote e automático de descontos em pelo menos 34 mil pensões e aposentadorias em benefício da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Os investigadores afirmam que o aval foi concedido em um cenário de "inexistência de qualquer tipo de controle, pelo INSS, acerca da veracidade das informações apresentadas" pela entidade.

Em um primeiro momento, a cúpula do INSS negou o pedido da Contag. Em outubro de 2023, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, então chefe da Procuradoria Federal do INSS, mudou de posição e emitiu parecer favorável ao pedido.

Segundo a PF, Virgílio Antônio recebeu R$ 12 milhões de intermediários das associações suspeitas de fraudes bilionárias contra aposentados e pensionistas.

O ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão, André Paulo Félix Fidélis, concordou com o parecer e enviou o documento ao gabinete do presidente do INSS. A Polícia Federal também identificou repasses suspeitos a Fidélis, na ordem de R$ 5 milhões.

Em novembro de 2023, Stefanutto assinou a autorização do INSS para os descontos em lote em favor da Contag. Ele afirma no documento que a decisão tem como base o "princípio da boa-fé" e a "declaração de responsabilidade" da confederação.

A Justiça do Distrito Federal condenou nesta terça-feira, 29, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) ao pagamento de R$ 200 mil por danos morais coletivos. A sentença é resultado de uma ação civil pública movida contra o parlamentar após um discurso considerado ofensivo à população trans. Procurado, o deputado não retornou.

Em março de 2023, durante uma sessão na Câmara dos Deputados, Nikolas usou uma peruca e se apresentou como "deputada Nikole". Na ocasião, ele afirmou, em tom irônico, que se sentia uma mulher e que, por se considerar de "gênero fluido", bastava colocar ou tirar a peruca para se transformar na "deputada Nikole".

"As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres", disse o parlamentar. Ele também afirmou que empresas estariam deixando de contratar mulheres para dar lugar a "homens que se sentem mulheres", em referência à população trans.

Na sentença, a juíza Priscila Faria da Silva, da 12ª Vara Cível de Brasília, considerou que o discurso do deputado mineiro ultrapassou os limites do direito à livre manifestação do pensamento e constituiu "verdadeiro discurso de ódio", na medida em que descredibiliza a identidade de gênero assumida pela população transsexual e insuflam a sociedade a fazer o mesmo.

"A ausência de termos explicitamente ofensivos não desnatura o cunho discriminatório do discurso, evidenciado desde a utilização de uma peruca para escarnecer a transição de gênero por que passam os indivíduos transsexuais até a propagação da ideia de que a existência de mulheres trans põe em risco direitos como a segurança e a liberdade de mulheres cisgênero", escreveu a magistrada na decisão.

A juíza da 12ª Vara Cível de Brasília julgou parcialmente procedentes os pedidos apresentados pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh), ao considerar que as declarações de Nikolas Ferreira configuraram dano moral coletivo.

Porém, ela reduziu significativamente o valor da indenização solicitado pelas entidades. Na ação, as associações pediam o pagamento de R$ 5 milhões. Como a decisão foi em primeira instância, cabe recurso.

Essa não foi a primeira vez que Nikolas foi condenado em uma ação do tipo. Em abril de 2023, o deputado federal foi sentenciado pela Justiça de Minas Gerais a pagar uma indenização de R$ 80 mil à também parlamentar Duda Salabert (PDT-MG), por danos morais.

Na ocasião, o juiz José Freitas Véras, da 33ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, entendeu que Nikolas cometeu ato ilícito passível de responsabilização ao se negar a reconhecer a identidade de gênero de Duda, que é uma mulher transexual.