Ex-boxeador japonês é absolvido de quatro assassinatos após passar 45 anos no corredor da morte

Internacional
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
Um tribunal do Japão decidiu nesta quinta-feira, 26, que um ex-boxeador de 88 anos é inocente, em um novo julgamento por assassinato quádruplo de 1966, revertendo uma decisão anterior que o tornava o condenado no corredor da morte com mais tempo de prisão do mundo.

A absolvição de Iwao Hakamada pelo Tribunal Distrital de Shizuoka faz dele o quinto condenado no corredor da morte a ser considerado inocente em um novo julgamento na justiça criminal japonesa do pós-guerra. O caso reacende o debate sobre a abolição da pena de morte no Japão.

O juiz presidente, Koshi Kunii, disse que o tribunal reconhece a fabricação de múltiplas evidências e também que Hakamada não era o culpado, informou o advogado do ex-boxeador.

Após a explicação completa de duas horas que se seguiu à sentença principal, a irmã de 91 anos de Hakamada, Hideko, saiu do tribunal com um grande sorriso, recebida por uma explosão de aplausos e dois grandes buquês, para celebrar a absolvição de seu irmão após 58 anos de batalha legal. "Obrigada a todos, (a vitória) é graças ao apoio de vocês", disse ela. "Muito obrigada por nos apoiar por tanto tempo."

Hakamada foi condenado por assassinato no caso da morte de um gerente de empresa e três membros de sua família em 1966, e por incendiar a casa deles no centro do Japão. Ele foi sentenciado à morte em 1968, mas não foi executado devido a longos recursos e ao novo processo de julgamento no sistema de justiça criminal notoriamente lento do Japão, onde os promotores têm uma taxa de condenação de 99%.

Ele passou 48 anos na prisão, mais de 45 deles no corredor da morte - o que o torna o preso com mais tempo de prisão no corredor da morte, de acordo com a Anistia Internacional. Levou 27 anos para o tribunal superior negar seu primeiro recurso para novo julgamento. Seu segundo recurso foi apresentado em 2008 por sua irmã.

Hakamada foi libertado da prisão em 2014, quando um tribunal ordenou um novo julgamento com base em evidências que sugeriam que sua condenação foi baseada em acusações fabricadas pelos investigadores, mas ele não foi absolvido da condenação. Ele foi autorizado a aguardar o novo julgamento em casa devido à sua frágil saúde e idade, o que o tornava um preso com baixo risco de fuga. Então, em 2023, o tribunal finalmente decidiu a seu favor, abrindo caminho para o novo julgamento mais recente, que começou em outubro.

"Eu não tenho nada a ver com o caso... Eu sou inocente", ele escreveu em uma carta para sua mãe durante o julgamento em 1967. Ele pediu desculpas por incomodar a família e os parentes, mas expressou confiança em provar sua inocência. Após a sentença de morte, ele expressou medo da morte e raiva por ter sido falsamente acusado. "Quando vou dormir na cela solitária e silenciosa todas as noites, às vezes não posso deixar de amaldiçoar Deus. Eu não fiz nada de errado", ele escreveu para sua família.

"Nós não precisamos de um Deus assim. Eu tenho vontade de gritar isso para Deus", Hakamada escreveu em uma de suas cartas. Hakamada, cujo nome cristão é Paulo, foi convidado para uma missa em Tóquio durante a visita do Papa Francisco em 2019, cinco anos após sua libertação. Apoiadores dizem que a detenção de quase meio século afetou a saúde mental de Hakamada. Nos primeiros dois meses após sua libertação, ele ficava andando em círculos dentro do apartamento, sem nem tentar sair, disse sua irmã. A maior parte dos seus 48 anos na prisão foi em confinamento solitário, com medo da execução.

Um dia, a irmã de Hakamada pediu que ele a ajudasse com as compras para convencê-lo a sair de casa. Passear se tornou sua rotina diária, embora hoje ele seja menos capaz e saia de carro, com a ajuda de seus apoiadores.

Em uma audiência final no tribunal de Shizuoka, em maio, antes da decisão de quinta-feira, os promotores novamente pediram a pena de morte, o que gerou críticas de grupos de direitos humanos que afirmaram que os promotores estavam tentando prolongar o julgamento. Os obstáculos extremamente altos para novos julgamentos também levaram especialistas jurídicos a pedirem uma revisão do sistema.

Durante a investigação que se seguiu à sua prisão, Hakamada inicialmente negou as acusações, mas depois confessou. Posteriormente, ele afirmou que foi forçado a confessar sob interrogatório violento da polícia. Um ponto de grande controvérsia foram cinco peças de roupas manchadas de sangue que os investigadores afirmaram que Hakamada usava durante o crime e escondeu em um tanque de missô, uma pasta de soja fermentada. As roupas foram encontradas mais de um ano após sua prisão.

Uma decisão do Tribunal Superior de Tóquio em 2023 reconheceu experimentos científicos que mostraram que roupas embebidas em missô por mais de um ano escurecem demais para que as manchas de sangue possam ser vistas, indicando uma possível fabricação de provas pelos investigadores.

Advogados de defesa e decisões anteriores de novos julgamentos afirmaram que as amostras de sangue não coincidiam com o DNA de Hakamada e que as calças que os promotores apresentaram como prova eram pequenas demais para Hakamada e não serviram quando ele as experimentou.

Na quinta-feira, o juiz do tribunal de Shizuoka concluiu que roupas embebidas em missô por mais de um ano nunca mostrariam manchas de sangue vermelho, corroborando os experimentos apresentados pelos advogados de defesa e classificando a investigação como "desumana", que teria levado a confissões forçadas.

Ogawa, advogado de Hakamada, elogiou a decisão como "revolucionária" por afirmar claramente que a promotoria fabricou provas importantes desde o início. "Acredito que esta decisão encerra o caso... Agora, devemos impedir que os promotores recorram, não importa o quê." O advogado disse que planejava ir aos promotores do distrito para exigir que não recorressem, pois, tecnicamente, é possível fazer isso, mesmo que eles não tenham mais nada para sustentar o caso.

O Japão e os Estados Unidos são os únicos dois países do G7 que ainda mantêm a pena de morte. Uma pesquisa do governo japonês mostrou que a maioria esmagadora do público apoia as execuções. As execuções são realizadas em segredo no Japão e os prisioneiros não são informados sobre seu destino até a manhã em que são enforcados. Em 2007, o Japão começou a divulgar os nomes dos executados e alguns detalhes de seus crimes, mas as divulgações ainda são limitadas.

Hideko Hakamada dedicou cerca de metade de sua vida para provar a inocência de seu irmão. Antes da decisão de quinta-feira, ela disse que estava em uma batalha sem fim. "É muito difícil iniciar um novo julgamento," ela disse a repórteres em Tóquio. "Não apenas Iwao, mas tenho certeza de que há outras pessoas que foram acusadas injustamente e estão chorando... Eu quero que a lei penal seja revisada para que novos julgamentos estejam mais facilmente disponíveis."

Em outra categoria

A rede social criada por Donald Trump, Truth Social, e a plataforma de vídeos Rumble entraram com um pedido de liminar em um tribunal dos Estados Unidos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A informação é da agência de notícias Reuters.

O pedido busca impedir ordens emitidas pelo ministro, sob o argumento de que elas "violam a soberania americana, a Constituição e as leis dos Estados Unidos". Elas também disseram que Moraes ameaçou processar criminalmente o CEO do Rumble, Chris Pavlovski.

Na sexta-feira, 21, Moraes havia determinado a suspensão do Rumble no Brasil por tempo indeterminado, até que a plataforma cumprisse as ordens judiciais dadas e o pagamento de multas. Isso porque antes ele ordenara que a empresa indicasse representantes legais no País.

O STF já definiu que plataformas estrangeiras precisam constituir representantes no Brasil para receber intimações e responder pelas empresas.

Entenda a polêmica

Em um despacho, o ministro afirmou que a plataforma incorreu em "reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros".

"Chris Pavlovski confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos", escreveu Moraes.

Além de exigir a indicação de um representante legal, o ministro também havia determinado o bloqueio do canal do blogueiro Allan dos Santos e a interrupção de repasses de monetização ao influenciador. Também ordenou que novos perfis do influenciador fossem barrados. Outras redes sociais, como YouTube, Facebook, Twitter e Instagram, foram notificadas para bloquear as contas de Allan dos Santos e cumpriram as decisões de Moraes.

O STF não conseguiu intimar o Rumble porque a empresa não tem um responsável no Brasil. Os advogados localizados informaram que não são representantes legais da plataforma e que não têm poderes para receber citações ou intimações. No dia 17 de fevereiro, eles renunciaram ao mandato que tinham para atuar em causas da rede social.

O Rumble move uma ação contra Moraes na Justiça dos Estados Unidos, em conjunto com Trump Media, ligada ao presidente americano. As companhias alegam que o ministro do STF violou a soberania norte-americana ao ordenar a suspensão do perfil de Allan dos Santos. O blogueiro teve prisão preventiva decretada em 2021 e está foragido desde então.

O Rumble voltou a funcionar no Brasil em fevereiro deste ano. A plataforma, que estabelece uma política menos restrita de moderação de conteúdo, foi desativada no País em dezembro de 2023 por discordar das exigências da Justiça brasileira. Ela é conhecida por abrigar personalidades e usuários de extrema direita.

O influenciador Pablo Marçal (PRTB) foi condenado à inelegibilidade porque vendeu apoio político na campanha de 2024. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele se ofereceu para gravar vídeos divulgando candidatos a vereador por R$ 5 mil.

Em uma transmissão ao vivo na sexta-feira, 21, o influenciador disse que vai recorrer da decisão. Ele alegou que não chegou a "materializar" os vídeos porque foi barrado pela equipe jurídica da campanha.

Pablo Marçal foi candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições municipais de 2024 e terminou em terceiro lugar, com 1.719.274 de votos (28,14% dos votos válidos).

Ao se oferecer para divulgar os vereadores, ele afirmou que estava "concorrendo a uma eleição desleal" porque não usou dinheiro público enquanto "os 'bonitões' gastam R$ 100 milhões para fazer propaganda enganosa".

"Você conhece alguém que queira ser vereador e é candidato, que não seja de esquerda, tá, esquerda não precisa avisar. Se essa pessoa é do bem e quer um vídeo meu para ajudar a impulsionar a campanha dela, você vai mandar esse vídeo e falar 'mano, olha aqui que oportunidade, né?' Essa pessoa vai fazer o quê? Ela vai mandar um Pix para a minha campanha de doação, Pix de cinco mil. Fez essa doação, eu mando o vídeo. Vai clicar aqui no formulário, clicou aqui no formulário, cadastra, a equipe vai entrar em contato. Tamo junto, fechou, você ajuda daqui em São Paulo e eu ajudo daí."

O juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1.ª Zona Eleitoral, declarou Pablo Marçal inelegível por abuso de poder econômico e político, uso indevido de meios de comunicação social e captação ilícita de recursos.

A sentença afirma que a oferta feita pelo influenciador "foi levada a sério por candidatos a vereador que efetuaram doações confirmadas pelo requeridos" e teve "potencialidade para macular a integridade do processo eleitoral em razão do efeito que produziram na consciência política dos cidadãos".

O juiz Antonio Zorz afirmou ainda que ele espalhou fake news sobre o fundo partidário e se "colocou, de forma gravemente distorcida, como vítima de um sistema eleitoral desleal que não lhe permitiu usar financiamento público do fundo eleitoral". Com isso, na avaliação do magistrado, o influenciador comprometeu a "normalidade e legitimidade" da eleição.

Como a decisão foi tomada na primeira instância, há possibilidade de recurso ao Tribunal Regional Eleitoral.

Deflagrada pela Polícia Federal em 2015, a Operação Zelotes inicialmente apurava suspeitas de um esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) - órgão colegiado do Ministério da Fazenda - que é a última instância administrativa para o julgamento de autuações da Receita Federal a empresas e pessoas físicas. O objetivo do esquema seria vender, por meio de conselheiros e auditores, informações privilegiadas e facilidades que pudessem resultar na reversão de multas discutidas no Carf.

Quando a operação foi deflagrada, o Carf era ocupado por 216 conselheiros, metade indicada pela Receita e outra parte por confederações empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e uma parte menor pelas centrais sindicais.

Até então, os conselheiros indicados pelo setor privado podiam desempenhar suas funções no Carf e, ao mesmo tempo, advogar em casos tributários. No mês seguinte à revelação do escândalo, o governo fixou novas regras para funcionamento do órgão, com remuneração para seus integrantes e restrições ao exercício das atividades profissionais.

De acordo com os investigadores, o esquema de corrupção no Carf era "legalizado" por contratos de serviços prestados por escritórios de advocacia e consultorias que faziam lobby para influenciar nas decisões do órgão. Após abordagem das empresas alvos de multas da Receita, esses consultores elaboravam contratos para forjar a legalidade do serviço prestado. A partir daí, segundo a investigação, as empresas pagavam propina por meio de depósitos em diversas contas bancárias para evitar o rastreamento.

Os investigadores dizem que vários conselheiros do Carf se recusaram a participar do esquema e repudiaram a abordagem, mas outros aceitaram negociar decisões. À época, tramitavam no órgão mais de 115 mil processos tributários que englobam cerca de R$ 500 bilhões em discussão.

Desdobramentos da Zelote levaram a outros casos e até suspeita de compra de Medida Provisória

Com desdobramentos, a operação Zelotes foi ampliada e virou um guarda-chuva para grandes investigações sobre suspeitas de corrupção que atingiram grandes personagens da República. O ex-ministro Antonio Palocci foi uma testemunha nas investigações. O ex-ministro Guido Mantega virou réu, mas o caso dele acabou prescrito.

O caso da venda de uma Medida Provisória para favorecer montadores de veículos no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2009, também acabou entrando no escopo da Zelotes. A denúncia foi publicada pelo Estadão em outubro de 2015.

Lula chegou a virar réu nesse caso por suposto tráfico de influência, mas foi absolvido em 2021 depois de a Justiça entender que a acusação não demonstrou de maneira convincente o envolvimento dele.

Até um filho de Lula virou réu, junto com o pai, em um processo que apontava tráfico de influência na compra de caças suecos pelo governo brasileiro. O caso das aeronaves foi suspensa pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, em 2022.

A decisão permitiu que Lula disputasse as eleições daquele ano sem responder a ações penais na Justiça. Lewandowski, hoje ministro da Justiça do governo Lula, entendeu que procuradores do DF agiam de forma articulada com membros da Lava Jato. Ele se baseou em trocas de mensagens da força-tarefa de Curitiba que acabaram vazadas por hackeamento.

Apesar dos dez anos desde a deflagração da Zelotes, ainda há ações sem julgamento e sem trânsito em julgado.