O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) não viu provas de improbidade e absolveu o ex-prefeito de Malta, no sertão da Paraíba, Manoel Benedito de Lucena Filho, o "Nael Rosa", na ação civil em que foi acusado de desviar recursos federais destinados à pavimentação no município. O processo faz parte da Operação Desumanidade, da Polícia Federal, deflagrada em 2016 para investigar obras custeadas com verbas da União em várias cidades paraibanas. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi citado na época da investigação por supostamente ter cobrado propinas para destinar emendas parlamentares a prefeituras da região. Ele não é réu no processo - como parlamentar, Motta detém foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.
O presidente da Câmara foi procurado pela reportagem do Estadão, mas não comentou o caso.
As suspeitas envolvendo o nome do deputado vieram a público em 2016. Além da Desumanidade, a Operação Veiculação, aberta no mesmo período, também atingiu Hugo Motta e sua família. A mãe dele chegou a ser presa nas investigações.
Malta, situada na região de Patos, tem cerca de 6 mil habitantes. O empresário José Aloysio Machado da Costa Neto, sócio da construtora Sóconstrói, que ganhou o contrato de pavimentação com a prefeitura da cidade, disse em depoimento formal, na época, que Hugo Motta cobrou uma "comissão" de 10% sobre o valor da obra por ser o autor da emenda parlamentar destinada ao município.
Segundo o empresário, o prefeito "Nael Rosa" tinha "interesse em ele mesmo executar a obra, por causa de um acerto com Hugo Motta, que tinha apresentado a emenda e cobrou 10% para enviá-la".
José Aloysio declarou que o suposto esquema com o deputado operou em outros municípios, como Patos, Emas e São José de Espinharas. O empresário disse, no entanto, que "não sabe como o dinheiro chegava nas mãos de Hugo Motta".
Em conversas interceptadas no curso da investigação, o então prefeito de Malta afirmou que pediu ao pai do presidente da Câmara, o ex-deputado estadual Nabor Wanderley, atual prefeito de Patos, para "falar com Hugo Motta para apressar esse dinheiro da gente". O Estadão pediu manifestação de Wanderley.
No âmbito de uma ação criminal, áudios interceptados pela Polícia Federal fazem parte do acervo de provas sobre o esquema de propinas com emendas parlamentares em Malta e cidades vizinhas no sertão da Paraíba.
Um grampo, de 15 de junho de 2015, tratava de negociações de propinas entre a primeira e a segunda medição de obras de pavimentação. José Aloysio Machado da Costa Neto ligou para o então prefeito "Nael Rosa" às 11h44. "Prefeito tô ligando para o senhor para saber se tem alguma previsão do restante..."
Nael respondeu que ligou para Nabor Wanderley e pediu a ele para conversar com Hugo Motta "para apressar esse dinheiro da gente, de vocês". "Pense num troço rapaz que eu tô encabulado e é um bocado de gente aqui perguntando quando é que a firma vai pagar, eu digo meu amigo, os homens pagam é por que não receberam o dinheiro."
José Aloysio disse. "Eu tô com dois fornecedores aqui, rapaz."
Nael Rosa interrompeu. "Mas escute, ficou de Nabor falar com ele (Motta), para ele, se Deus quiser, entrar em contato logo, pedir à menina, tem dinheiro na conta, a obra vocês já fizeram completa 100%, diabo fica dando massada, povo louco, eu não entendo isso, não."
O empresário completou. "Deixa eu lhe perguntar, não era para ter um pedaço na Caixa (parte do recurso proveniente da Caixa Econômica Federal) e outro que vinha de Brasília..."
Nael respondeu. "Era, mas ele só libera pelo menos 50% que tá na conta, depois que o fiscal tá aqui, eu fui lá, vou amanhã de novo." José Aloysio sugeriu ao então prefeito de Malta. "Fale com os fornecedores aí rapaz, peça um tempinho, diga que não depende da gente, que tá dependendo..."
"Eu vou dizer, estou dizendo tudinho já, estou dizendo", respondeu Nael. "Estou sufocado aqui, os caras todos me cobrando", queixou-se José Aloysio. "Eu sei disso, mas vamos arrochar esse povo, e vamos ver se eles pagam a você, se Deus quiser", completou Nael Rosa. "Desculpe eu estar lhe cobrando prefeito", disse o empresário.
A primeira medição foi paga com recursos próprios, como a Controladoria-Geral da União concluiu, embora a ordem bancária da concedente já tivesse sido enviada em 20 de agosto de 2014, no valor de R$ 250 mil.
Em outro diálogo, interceptado pela PF, José Aloysio perguntou a Nael. "Tem alguma previsão de dinheiro aí?" O então prefeito de Malta respondeu. "Rapaz, nada, homem. Estão pagando muita coisa esse final de mês agora, vamos pedir a Jesus que ele paga isso aí, né?"
Nessa conversa, de 26 de agosto de 2015, Nael Rosa disse que esteve "com Iramilton" e que ele "falou com o deputado" (Hugo Motta). "O (Iramilton) falou que 'o ministro é de dentro de casa'." E anotou que falou para o deputado "ajeitar para pagar isso". "O deputado está ajeitando para ser resolvido."
O depoimento do empresário e as provas fazem parte da investigação do Ministério Público Federal (MPF) que atribui ao ex-prefeito de Malta o desvio de parte dos recursos federais - R$ 500 mil - destinados ao município.
Segundo o MPF, o esquema ilícito operava da seguinte forma: os pagamentos pelas medições da obra eram transferidos para a conta da empresa responsável e, posteriormente, sacados e apropriados pelo prefeito e pelo filho dele. Empresários envolvidos também teriam recebido um porcentual das verbas.
O desembargador Felipe Mota Pimentel de Oliveira, relator da ação de improbidade na Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, concluiu que não há provas das acusações, classificou a acusação como "conjectura" e anulou a condenação imposta na primeira instância.
"Os indícios trazidos extrajudicialmente pelo Parquet (Ministério Público) não foram confirmados por prova documental e nem mesmo por prova testemunhal inequívoca, motivo pelo qual não há lastro probatório suficiente da materialidade do ato ímprobo de enriquecimento ilícito", destacou o desembargador.
A condenação anulada havia sido decretada em uma ação de improbidade administrativa.
O ex-prefeito, o filho dele e um empresário foram condenados também na esfera penal, mas os recursos estão pendentes.
Na ação criminal, Nael Rosa pegou quatro anos e meio de reclusão em sentença imposta no último dia 27 de fevereiro pelo juiz Thiago Batista de Ataíde, da 14.ª Vara Federal da Paraíba. "A culpabilidade do réu autoriza uma maior reprimenda, porque o crime ocorreu em Malta, a qual, localizada em região pobre do semiárido nordestino, apresentava Índice de Desenvolvimento Humano - IDH de 0,642, ocupando a posição de nº 3254º dentre os 5565 municípios brasileiros listados no ranking elaborado com dados de 2010", destacou o magistrado.
Para Ataíde, "não é possível tratar o desvio de verbas públicas em um município pobre do sertão da Paraíba, altamente dependente dos programas sociais desenvolvidos pelo Governo, da mesma maneira que aquele praticado em uma grande metrópole nacional, de modo que o juízo de censura é muito maior"
Segundo o juiz, "as circunstâncias extrapolam a normalidade, especialmente no que diz respeito ao modus operandi empregado e ao período em que a ação foi perpetrada, lastreada em provas testemunhais e dados telefônicos obtidos, confirmando a apropriação do valor após a utilização de empresa intermediadora na execução de obra".
"O réu assumiu a execução da obra (por exemplo, com a contratação dos caçambeiros e compra do asfalto) ao invés de se ocupar com as atividades normais do cargo público que ocupava, além de ter pegado empréstimo com agiota para pagar as contas da obra, antes do pagamento da medição pela concedente", ressaltou o juiz Thiago Ataíde. "Ademais, ainda exigiu a abertura de uma nova conta corrente da Sóconstroi em Patos, demonstrando uma ingerência incomum em uma empresa privada vencedora de licitação na municipalidade que administrava."
TRF5 absolve ex-prefeito na Paraíba em ação por propinas com emenda parlamentar de obra viária
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