Operação Ouro de Ofir: após 8 anos, STJ vê 'denúncia genérica' e tranca ação contra empresários

Política
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal proposta pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul contra um grupo de empresários citados na Operação Ouro de Ofir, deflagrada em 2017. O STJ apontou "falhas processuais", "inconsistência de provas" e "ausência de vítimas".

Em seu voto, o ministro Messod Azulay Neto, relator da Ouro de Ofir na Corte, apontou o que considera fragilidades da investigação do Ministério Público, como "sucessivas tentativas de intimação das supostas vítimas, inclusive fora do prazo legal". Segundo o ministro, a Promotoria também se ocupou em reproduzir trechos de legislações ao invés de apontar fatos concretos sobre os crimes atribuídos aos acusados.

Na deflagração da Operação Ouro de Ofir, a Promotoria divulgou detalhes de uma apuração sobre suposto esquema de estelionato envolvendo os empresários Celso Éder Gonzaga de Araújo e Anderson Flores de Araújo. Os promotores afirmaram, à época, que mais de 25 mil pessoas teriam sido prejudicadas.

Segundo a defesa dos empresários, apenas três supostas vítimas foram identificadas formalmente pelo Ministério Público, das quais uma não foi localizada e duas só se manifestaram após reiteradas convocações. Em um caso, a representação ocorreu dois anos após o prazo legal previsto para esse tipo de manifestação, destacou o ministro.

Messod acentuou que uma vítima foi intimada em maio de 2020, mas só manifestou interesse em representar contra os dois empresários dois anos depois. Uma outra vítima nem foi localizada.

O ministro destacou que não é possível um processo criminal ficar em aberto por tempo indefinido à espera de que vítimas eventualmente se manifestem por representação contra os denunciados.

Messod Azulay Neto considerou que, diante da ausência de representação válida dentro do prazo legal, a ação penal não poderia prosseguir. "Não se pode conceber que a vítima seja intimada para representação por diversas vezes até entender que deve representar", alertou o relator.

O STJ também examinou a acusação de organização criminosa imputada a Celso Éder Gonzaga de Araújo e a Anderson Flores de Araújo. De acordo com o ministro relator, a denúncia reproduziu de "forma genérica" os termos da Lei nº 12.850/2013, sem detalhar a forma de atuação do grupo, o local da prática do crime ou os elementos estruturais exigidos para configurar esse tipo penal.

Messod concluiu que a denúncia inepta. "Não se pode admitir que a imputação do crime de organização criminosa seja efetuada com tamanha generalidade", advertiu.

O ministro também discordou de uma decisão anterior do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que havia considerado como representação formal a declaração de uma vítima de que "iria se manifestar nos autos". Para o ministro, essa expressão é genérica e não pode ser interpretada automaticamente como manifestação de vontade de processar os acusados.

Messod pontuou que não é "juridicamente viável essa interpretação do Tribunal estadual desfavorável ao réu".

O ministro sustenta, ainda, que "há no caso violação do princípio da duração razoável do processo e comprometimento da segurança jurídica dos acusados, os quais estão por anos aguardando uma eventual representação, enquanto figuram como réus na ação penal".

Para o ministro relator, é "imperioso o trancamento da ação penal pelo crime de estelionato se já houve tentativa de intimação da vítima por cinco anos e até o momento não foi oferecida a representação, imprescindível para a persecução penal".

Messod foi taxativo. "Determino o trancamento da ação penal nº 0009613- 69.2017.8.12.0800, por decadência quanto ao estelionato praticado em face de William Urbieta; por inexistência de condição de procedibilidade no tocante à vítima Pablo de Oliveira; e por inépcia da denúncia quanto ao crime de organização criminosa, sem prejuízo de que nova denúncia seja oferecida com a devida narrativa dos fatos imputados e todas as suas circunstâncias."

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O Nobel de Economia Paul Krugman alertou para um cenário político "extremamente perigoso" nos Estados Unidos, diante do enfraquecimento da economia e da queda de aprovação do presidente do país, Donald Trump. Em artigo publicado nesta segunda-feira, 4, Krugman afirma que "Trump e o movimento 'Faça a América Grande de Novo (Maga)' não têm o luxo do tempo" e que, se quiserem se manter no poder, precisarão agir de forma "rápida e descarada".

Segundo Krugman, o relatório de empregos (payroll) da última sexta-feira expôs a fragilidade da economia norte-americana sob a liderança de Trump, que reagiu à divulgação dos dados demitindo a chefe do Escritório de Estatísticas do Trabalho (BLS). "O que ele fará quando suas tarifas e deportações começarem a aparecer nos números da inflação?", questiona o economista.

Com base em dados privados e relatos do setor produtivo, Krugman prevê uma alta nos preços nos próximos meses, resultado direto das políticas do republicano. "As empresas, que vinham evitando repassar os custos ao consumidor na esperança de que Trump recuasse, agora se preparam para aumentar os preços", escreve.

Para Krugman, Trump pode até tentar manipular os dados oficiais, mas sem sucesso. "Mesmo que os números digam que está tudo ótimo, ninguém acreditará".

Ele argumenta que o presidente dos EUA "herdou uma economia com baixo desemprego e inflação controlada, mas agora enfrenta um mercado de trabalho em enfraquecimento e uma inflação iminente, sem ninguém além dele mesmo para culpar".

Diante disso, Krugman vê riscos reais à democracia. "Isso infelizmente não significa que eles não possam demolir a democracia. Significa que terão de fazê-lo de forma rápida e descarada."

O economista cita tentativas republicanas de interferir nas eleições legislativas, com ações como restrições ao voto por correspondência, muito usado por democratas. "Grande parte disso é claramente inconstitucional, mas isso não significa que não vá acontecer. Se o autoritarismo vier aos EUA, não conte que será brando."

Uma mulher foi presa no domingo, 3, sob a acusação de negligência infantil depois que um motorista de ônibus encontrou uma menina de 2 anos viva dentro de uma mala que estava guardada no compartimento de bagagem do veículo, na Nova Zelândia. O motorista do ônibus percebeu um movimento dentro da bolsa durante uma parada planejada no assentamento de Kaiwaka, ao norte de Auckland, após um passageiro pedir acesso ao compartimento de bagagem, disse o detetive inspetor Simon Harrison em um comunicado.

Quando o motorista abriu a mala, eles descobriram a menina de 2 anos, que estava muito quente, mas parecia fisicamente ilesa, disse Harrison. As autoridades não divulgaram o tempo que a criança ficou no compartimento de bagagem nem entre quais cidades o ônibus estava viajando. A criança foi levada a um hospital, onde permaneceu na noite de domingo. A neozelandesa presa foi acusada de negligência infantil e deve comparecer ao tribunal nesta segunda-feira, 4. Seu nome não foi divulgado pelas autoridades.

A empresa de ônibus InterCity confirmou à imprensa da Nova Zelândia que o episódio envolveu um de seus veículos. A empresa não cobra passagem para crianças menores de 3 anos, que podem viajar gratuitamente no colo de um adulto. (Com informações da Associated Press)

* Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial.

Os membros da gangue venezuelana registravam até suas compras mais insignificantes com caneta azul: US$ 15 por um Uber de um traficante de drogas; US$ 9 por café instantâneo durante um turno de vigília; US$ 34 por suprimentos para limpar câmaras de tortura. As planilhas meticulosas apreendidas durante operações policiais na cidade de Arica, norte do Chile, e compartilhadas com a Associated Press, sugerem a estrutura contábil de uma multinacional.

Elas constituem a documentação mais abrangente até o momento sobre o funcionamento do Tren de Aragua, a notória organização designada por Donald Trump como um "grupo terrorista estrangeiro". Uma investigação de promotores chilenos, que resultou em pesadas sentenças para 34 pessoas em março e o envio de dez líderes do Tren de Aragua para a prisão por um total de 300 anos este mês, contrasta com as deportações em massa de membros acusados por Trump de participar da gangue.

Enquanto os apoiadores do presidente americano comemoram as expulsões, investigadores veem oportunidades perdidas de reunir evidências para erradicar a rede criminosa que ganhou impulso na região, à medida que a migração da Venezuela aumentou e a demanda global por cocaína se espalha.

"Os EUA estão cortando a ponta do iceberg", disse Daniel Brunner, presidente da empresa de segurança Brunner Sierra Group e ex-agente do FBI. "Eles não estão olhando como o grupo opera."

As máfias transnacionais alimentaram uma onda de crimes em países que antes eram pacíficos, como o Chile, e consolidaram o poder em outros, como Honduras e Peru. Os grupos se infiltraram nas burocracias estatais, paralisaram as forças da lei e comprometeram a estabilidade regional. O avanço coloca à prova as democracias da América Latina. "Não se trata da corrupção típica envolvendo dinheiro em envelopes", disse o ex-ministro do Interior peruano Ruben Vargas. "São criminosos exercendo poder dentro do sistema político."

O Chile, uma das nações mais seguras e ricas da América Latina, está entre as menos corruptas, segundo a ONG Transparência Internacional, o que dá às autoridades uma vantagem na luta contra esse tipo de crime organizado.

Mas, sem experiência, o país foi pego de surpresa quando sequestros, esquartejamentos e outros crimes hediondos transformaram a sociedade. Agora, especialistas apontam Arica como um exemplo nos esforços para combater a gangue.

Falso modelo

Enquanto alguns veem a repressão do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, como modelo, críticos veem um estado policial autoritário que ignorou o devido processo legal. "Processos criminais, inteligência financeira, proteção de testemunhas e cooperação com outros países, é isso o que desmantela redes criminosas", disse Pablo Zeballos, consultor de segurança chileno e ex-oficial de inteligência.

Usando documentos do Tren de Aragua, recuperados pela primeira vez em 2022, o promotor Bruno Hernández e sua equipe levaram um número sem precedentes de membros da gangue a julgamento e desmantelaram a ramificação da gangue no norte do Chile, conhecida como Los Gallegos.

"Foi um marco", disse o promotor Mario Carrera, na favela de Cerro Chuño, em Arica, reduto da gangue. "Até então, eles agiam com impunidade."

O Tren de Aragua entrou no norte chileno em 2021, depois que a pandemia fechou as fronteiras, e incentivou os venezuelanos a recorrerem a contrabandistas para fugir da crise em direção a Peru, Colômbia e Chile.

Héctor Guerrero Flores - líder do Tren de Aragua apelidado de "Niño Guerrero" - enviou gerentes para assumir as redes de "coiotes" que conduziam cargas humanas através das fronteiras desérticas do Chile. "Era um território virgem", disse Ronna Rísquez, autora de um livro sobre o grupo.

O Tren de Aragua se estabeleceu em Cerro Chuño, antigo depósito de resíduos tóxicos nos arredores de Arica, onde migrantes venezuelanos se amontoam em casebres. Moradores disseram que os membros da gangue cobravam taxas de "proteção" dos donos de lojas e usavam violência contra aqueles que não pagavam. "Vivíamos com medo", disse Saida Huanca, de 38 anos, lembrando como Los Gallegos extorquiram um colega e enviaram um homem armado com uma faca para cobrar pedágios nas estradas. "Eu não saía de casa."

A gangue aterrorizava concorrentes e traidores. Documentos descrevem desertores amarrados tomando choques elétricos e dedos cortados em câmaras de tortura.

Chamadas interceptadas em 2022 mostram um rival em pânico com a chegada do Tren de Aragua. "Para onde eu devo fugir, cara?", pode-se ouvir o chefão chileno Marco Iguazo perguntar. Corpos foram encontrados baleados, desmembrados e enfiados em malas. Muitos foram enterrados vivos sob cimento. "Era uma psicose total", disse Carrera, que relatou aumento de 215% nos homicídios em Arica entre 2019 e 2022.

Silêncio

No mês passado, na sede da polícia de Arica, a AP observou Hernández tentando persuadir Wilmer López, de 23 anos, a falar. Ele permaneceu em silêncio, com os olhos fixos em seu tênis Nike. Como regra, os membros não colaboram com as investigações. Sem testemunhos, o principal recurso de Hernández foram os registros contábeis.

Eles revelaram uma burocracia rígida e centralizada que concedia autonomia às células locais. "Tivemos de provar não apenas que eles cometeram crimes, mas que havia uma estrutura e um padrão", disse a policial Esperanza Amor, da equipe de Hernández. "Caso contrário, eles teriam sido julgados como criminosos comuns."

Os documentos mostraram que o contrabando de imigrantes e o tráfico sexual eram a principal fonte de renda da gangue. Embora o preço por cliente variasse de acordo com a cidade - US$ 60 em Arica, mais de US$ 100 na capital Santiago -, cada célula replicava a mesma estrutura. A gangue confiscava metade dos ganhos das mulheres e, em seguida, deduzia o aluguel e a alimentação, uma forma de servidão por dívida.

Planilhas mostravam que os coordenadores regionais ganhavam até US$ 1.200 por mês. Os assassinos, US$ 1.000 por trabalho, além de proteção para parentes na Venezuela. A maioria dos agentes recebia bônus de Natal de US$ 200.

Sinais

Os investigadores cruzaram mensagens com vigilância por drones para decifrar o uso de emojis. Alguns eram autoexplicativos - uma cobra significava um traidor. Outros, nem tanto: um osso significava dívida; um abacaxi, um esconderijo; uma nuvem de chuva alertava sobre uma batida policial. Com os réus sob custódia, a violência diminuiu: a taxa de homicídios em Arica caiu de 17 por 100 mil habitantes, em 2022, para 9,9 por 100 mil, no ano passado.

Depois que os promotores conseguiram 34 condenações, as autoridades deram mais atenção ao caso. Investigações semelhantes se espalharam. Carrera foi aos EUA compartilhar informações com o FBI. "A unidade fez algo que nunca havia sido feito no Chile e obteve resultados", disse Ignacio Castillo, diretor de crime organizado do Ministério Público.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.