PF aponta 'operadores' e 'laranjas' de desembargadora acusada de 393 atos de lavagem de propina

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A Polícia Federal identificou os 'operadores financeiros' e também 'laranjas' da desembargadora Nelma Sarney - cunhada do ex-presidente José Sarney - na dissimulação e ocultação de propinas amealhadas por um grupo que se teria instalado no Tribunal de Justiça do Maranhão para venda de sentenças. A PF atribui à magistrada os crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro consolidada em 393 atos.

Os autos da Operação 18 Minutos, da Polícia Federal, indicam dois advogados, Carlos Luna e José Helias Sekeff, e dois assessores de Nelma, Zely Reis Brown Maia e Paulo Martins de Freitas Filho, como 'operadores financeiros' da magistrada. Aos assessores também é atribuída a função de 'laranja' do esquema.

Dinheiro de propina transitou em contas da família de Nelma - filhas, genro, irmão e netos -, diz a PF.

A Operação 18 Minutos foi aberta em agosto de 2024, por ordem do ministro José Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça. Além de Nelma são acusados os desembargadores Luiz Gonzaga Almeida Filho, Antônio Pacheco Guerreiro Júnior e Marcelino Everton Chaves (aposentado) e os juízes de primeiro grau Alice de Souza Rocha e Cristiano Simas de Souza.

O Estadão pediu manifestação do Tribunal e dos juízes e busca contato com servidores e advogados citados, mas sem sucesso até a publicação deste texto.. O espaço está aberto.

Na última sexta, 25, a Procuradoria-Geral da República denunciou 29 investigados ao todo como integrantes de um esquema que teria operado por meio de três núcleos - judicial, causídico e operacional.

A acusação, em 313 páginas, põe em destaque o levantamento de alvarás milionários contra o Banco do Nordeste, um no valor de R$ 14,1 milhões e outro de R$ 3,4 milhões - definidos como 'eventos 1 e 2'. Parte desse montante, dizem os investigadores, foi parar nas mãos da desembargadora.

Segundo a Procuradoria, os servidores Paulo Martins e Zely Brown, subordinados hierarquicamente à desembargadora, 'aderiram à organização criminosa e executaram os crimes denunciados, de forma consciente e voluntária, sob a coordenação e orientação de sua superior'.

Os juízes Alice Rocha e Cristiano 'foram cooptados pela organização criminosa e, também de forma consciente e voluntária, proferiram decisões judiciais para obter vantagens ilícitas e para beneficiar os demais núcleos do esquema'.

A denúncia afirma que Carlos Luna e José Helias Sekeff 'são advogados pessoais e operadores financeiros' de Nelma e de sua família. O advogado e ex-deputado federal Edilázio Júnior é apontado como 'sócio oculto' do escritório Maranhão Advogados. "Ele auxiliou Nelma nas negociações ilícitas e nas operações de lavagem de dinheiro."

Interrogada na Polícia Federal, a desembargadora alegou que sequer tinha relacionamento com Carlos Luna e José Helias Sekeff, 'os quais conheceria somente de vista'.

Ela declarou. " [...]Do escritório, desse escritório, eu só conheço do tribunal o dr. Carlos Luna e o dr. Helias Sekeff. O dr. Carlos Luna, conheço ele de vista, não tenho nenhum relacionamento, nem profissional com ele. Dr. Helias Sekeff, ele é amigo pessoal do meu genro Edilázio, né, e Edilázio é cliente desse escritório, já teve oportunidade de ser cliente desse escritório. E eu só conheço esses dois advogados de vista".

"A versão, contudo, é falsa", sustenta a Procuradoria. "Em conversas entre Nadir Britto (advogada do escritório Maranhão Advogados e mulher de Carlos Luna) e Marília Ferreira Nogueira do Lago (mulher de José Helias Sekeff), verifica-se a ocorrência de um jantar, no dia 5 de maio de 2022, na casa de Edilázio Júnior, do qual participaram José Helias Sekeff, Carlos Luna, Nelma Sarney, além do próprio Edilázio."

A PF constatou que no dia da reunião e no dia anterior - 4 de maio e 5 de maio de 20922 -, Luna e Sekeff realizaram saques de R$ 20 mil e R$ 9.999,99.

Na pasta de rede de Nelma Sarney, no servidor eletrônico do Tribunal de Justiça do Maranhão, também foi encontrada uma lista de convites para evento social organizado por ela. Da relação de convidados figuram Carlos Luna e José Helias Sekeff, 'refutando, mais uma vez, a alegação de que a desembargadora não conhecia pessoalmente os advogados'.

A PF recuperou uma troca de mensagens entre Sekeff e Nelma, em que a desembargadora comentou sobre a lista do quinto constitucional em 2018 e, em seguida, pediu para o advogado ir até seu gabinete.

Assim como Nelma, seu genro Edilázio Júnior também tentou se desvincular de Carlos Luna. Em depoimento à PF, ele afirmou. "Que não possui relação com os advogados Carlos Luna e Sebastião, além do profissional."

Segundo a Procuradoria, no contexto de 'estabilidade e permanência das atividades da organização criminosa, constituída desde 2015, e da negociação constante de decisões judiciais', a desembargadora solicitou e recebeu 'expressivas vantagens indevidas' para acompanhar o voto do colega Guerreiro Júnior em uma apelação cível.

Parte dessa propina foi entregue em mãos para a desembargadora e para Edilázio, 'à margem do sistema financeiro'. A PF reconstituiu reuniões dos dias 6 de novembro de 2021 e 5 de maio de 2022 e destaca que, em agosto de 2024, quando foi aberta a Operação 18 Minutos, durante buscas e apreensões, encontrou na residência de Edilázio Júnior quase R$ 1 milhão em espécie e uma máquina de contar dinheiro (Bill Counter, modelo 5200 UV/MG) com cédulas em seu interior.

A PF sustenta que Nelma Sarney também recebeu 'vantagens indevidas' por meio de depósitos em espécie realizados nas contas de seus assessores no Tribunal de Justiça Zely Browm e Paulo Martins.

Os investigadores anotam que valores recebidos pelos assessores de Nelma 'foram ocultados e dissimulados por meio de atos de lavagem de dinheiro' e, ao final, repassados à desembargadora e familiares dela - suas filhas, Adriana Silva Sarney Costa e Alina Sarney Costa da Silva (mulher de Edilázio); seu irmão, Telmo Mendes da Silva Júnior; seus netos Maria Eduarda Sarney Polidoro da Silva, Enzo Sarney Costa da Silva e Gabriel Sarney Polidoro da Silva; além de Edilázio Gomes da Silva, pai de Edilázio Júnior.

A investigação também mostra que Nelma recebeu propinas por meio de boletos bancários pagos por Carlos Luna, em benefício da filha da desembargadora (Alina Sarney), e de Edilázio Júnior.

'Chefe'

Segundo a PF, Paulo Martins e Zely Brown atuaram também como 'laranjas' do esquema atribuído a Nelma e seus pares, 'a fim de ocultar e dissimular a origem e a movimentação de dinheiro ilícito em favor de sua chefe'.

Antes de assumir o cargo no Tribunal de Justiça do Maranhão, Paulo Martins foi assessor de Edilázio Gomes da Silva Júnior na Câmara dos Deputados. "O assessor, que é pessoa de confiança da desembargadora, repassou centenas de milhares de reais, oriundos do esquema ilícito de vendas de decisões, para os familiares de Nelma Celeste Sousa Silva Sarney Costa, em transações no Brasil e no exterior", diz a PGR.

Segundo os investigadores da Operação 18 Minutos, Zely Brown, 'sob o comando e a orientação de Nelma, recebeu depósitos fracionados de dinheiro em espécie e repassou os valores, via transferência bancária, para Paulo Martins'.

A quebra do sigilo bancário de Zely revela que ela recebeu R$ 83.214,94, fracionados em 40 depósitos em espécie, a maioria inferior a R$ 3 mil.

Após receber os depósitos em espécie, Zely Brown repassou o dinheiro para Martins, por meio de transferências bancárias. Entre 2021 e 2023, ela enviou para seu colega R$ 130.634,12, em 24 transferências.

Martins, por sua vez, segundo os autos da Operação 18 Minutos, 'também recebeu, recorrentemente, dinheiro dos advogados José Helias Sekeff e Carlos Luna'.

Charuto

Entre 2021 e 2023, os advogados transferiram para o assessor R$ 44.897,00, em 25 operações - 17 efetuadas por Sekeff e oito por Luna. Transações realizadas quase todo mês e, em regra, no valor de R$ 2 mil.

À PF, Paulo Martins, Carlos Luna e José Helias Sekeff deram versões divergentes sobre o motivo das transações.

Paulo Martins. "Que já comprou charuto, perfumes, celulares para várias pessoas que pediam quando o declarante estava em viagem a Barcelona; Que Carlos Luna e Helias Sekeff já transferiram valores para o declarante comprar esses tipos de itens durante suas viagens a Barcelona."

Carlos Luna. "Que quando perguntado sobre as transações realizadas com Paulo Martins, assessor de Nelma, em algumas transações de cerca de 2 mil reais, informou que não se recorda ao certo, mas que pode ser relacionado à compra de cestas básicas ou de Natal, Dia das Mães para funcionários terceirizados do Tribunal que possuem baixa renda; Que não se recorda de ter comprado celular ou perfume com Paulo, salvo se há muito tempo."

José Helias Sekeff. "Que não possui relação pessoal com nenhum deles, apenas profissional. Que conhece Paulo Martins, ex-assessor da desembargadora Nelma; Que as transações bancárias realizadas com Paulo se relacionam a situações de sua intimidade."

A Procuradoria indica, ainda, que Martins 'igualmente recebeu expressivos depósitos fracionados de dinheiro em espécie, transferiu centenas de milhares de reais, no Brasil e no exterior, para familiares de Nelma e Edilázio'.

Segundo a PF, os recursos de origem ilícita que aportaram nas contas de Paulo Martins foram repassados para Nelma Sarney, nas contas pessoais da desembargadora e nas contas de 'laranjas'. "Todas do círculo familiar de Nelma", diz a denúncia.

Entre 2021 e 2023, Paulo Martins transferiu R$ 770.922,46 em 239 oportunidades para Nelma e para familiares da desembargadora: suas filhas, Adriana Silva Sarney Costa e Alina Sarney Costa da Silva; seu irmão, Telmo Mendes da Silva Júnior; seus netos Enzo Sarney Costa da Silva, Gabriel Sarney Polidoro da Silva; bem como para Edilázio Gomes da Silva, pai de Edilázio Júnior, o genro.

No mesmo período, Martins recebeu R$ 209.092,11 'das referidas pessoas, de modo que o assessor transferiu a elas muito mais do que recebera, notadamente R$ 561.930,35'.

O dinheiro excedente, constatou a Procuradoria, teve origem nos depósitos de dinheiro em espécie realizados em favor de Martins e nas transferências de Zely Brown, Carlos Luna e José Helias Sekeff. O dinheiro 'obtido ilicitamente' também teria beneficiado familiares de Edilázio - Aline Sarney, sua mulher; Enzo Sarney, filho; e Edilázio Gomes, pai -, 'que atuou no esquema utilizando as contas bancárias dessas pessoas'.

Edilázio Júnior recebeu, por esse meio, R$ 60.101,69 em 34 transferências realizadas pelo assessor da desembargadora, Paulo Martins.

O assessor também enviou 'dinheiro de origem ilícita' para familiares de Nelma no exterior. Entre o mês de maio de 2021 - quando ocorreu o julgamento de apelação cível de interesse da organização - a dezembro de 2023, o assessor realizou 75 remessas de dinheiro ao exterior, no valor total de R$ 200.187,56 por meio de uma corretora de câmbio.

A função de Paulo Martins como operador financeiro de Nelma Sarney 'fica ainda mais evidente', segundo os investigadores, quando analisada a movimentação global de suas contas bancárias, 'muito superior à sua renda lícita de funcionário do Tribunal de Justiça do Maranhão'.

Nos anos de 2021 a 2023, Martins movimentou quase R$ 7 milhões - dos quais cerca de R$ 3,5 milhões a débito e cerca de R$ 3,2 milhões a crédito.

A Procuradoria afirma que 'restou comprovada a prática do crime de lavagem de dinheiro' por parte de Nelma e de seus assessores.

À desembargadora são atribuídos 393 vezes atos de lavagem, especificamente por meio do recebimento de R$ 504.129,06, via depósitos fracionados de dinheiro em espécie em contas de 'laranjas' - Paulo Martins e Zely Brown.

A magistrada também recebeu R$ 44.897,00, via transferências de Carlos Luna e José Helias Sekeff em conta de Paulo Martins. E mais R$ 770.922,46, movimentados por Martins para contas pessoais, de familiares e 'laranjas' da magistrada.

Ao assessor Paulo Martins, a Procuradoria imputa 353 atos de lavagem de dinheiro, especificamente por meio do recebimento de R$ 465.811,12 em depósitos fracionados de dinheiro em espécie e transferências bancárias e da transferência de R$ 770.922,46 para Nelma e 'pessoas ligadas a ela'. O rastreamento encontrou, ainda, o envio de 'pelo menos' € 2.990,44 - aproximadamente R$ 20 mil - para familiares de Nelma no exterior.

Zely Brown teria realizado 64 atos de lavagem de dinheiro de propinas destinadas à magistrada, especificamente por meio do recebimento de R$ 83.214,94 em depósitos fracionados de dinheiro em espécie; e da transferência de R$ 130.634,12 para Paulo Martins.

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A CEO de notícias da BBC, Deborah Turness, e o diretor-geral da emissora britânica, Tim Davie, renunciaram ao cargo neste domingo, 9. A saída acontece após o jornal The Telegraph mostrar que a BBC havia editado enganosamente um discurso do presidente dos EUA, Donald Trump, para dar a impressão de que ele havia incitado diretamente à violência nos atos de invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. A fala distorcida de Trump foi exibida no programa Panorama de 3 de novembro de 2024, a uma semana das eleições presidenciais nos Estados Unidos.

Em sua rede social, a Truth Social, Donald Trump celebrou a demissão de quem chamou de "jornalistas corruptos". "Essas são pessoas muito desonestas que tentaram manipular as eleições presidenciais. Para piorar, vêm de um país estrangeiro, um que muitos consideram nosso principal aliado. Que terrível para a democracia!", postou.

A ministra britânica da Cultura, Lisa Nandy, havia classificado horas antes como "extremamente grave" a acusação contra a BBC por apresentar declarações de Trump de maneira enganosa.

"É um dia triste para a BBC. Tim foi um excelente diretor-geral durante os últimos cinco anos", afirmou o presidente da Corporação Britânica de Radiodifusão, Samir Shah, em comunicado. Ele acrescentou que Davie enfrentava "pressão constante (...) que o levou a tomar a decisão" de renunciar.

Colagem de trechos separados levou a versão distorcida do discurso

O caso, revelado na terça-feira, 4, baseia-se em um documentário exibido uma semana antes das eleições presidenciais dos EUA de 2024. A BBC é acusada de ter montado trechos separados de um discurso de Trump de 6 de janeiro de 2021 de forma que parece indicar que ele teria dito a seus apoiadores que marchariam com ele até o Capitólio para "lutar como demônios".

Na versão completa, o então presidente republicano - já derrotado nas urnas pelo democrata Joe Biden - diz: "Vamos marchar até o Capitólio e vamos incentivar nossos valentes senadores e representantes no Congresso."

A expressão "lutar como demônios" corresponde, na verdade, a outro momento do discurso.

Em carta enviada ao conselho da BBC e publicada no site, a CEO de notícias disse que a polêmica em torno do programa Panorama sobre o presidente Trump chegou a um ponto em que está prejudicando a BBC - uma instituição que ela adora.

Já Tim Davie, diretor-geral, disse que abdicou ao cargo após intensas exigências pessoais e profissionais de gerir o posto ao longo de muitos anos nestes "tempos turbulentos".

Um dia antes do início oficial da COP30 em Belém, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou em sua rede social, a Truth Social, nesta domingo, 9, uma mensagem dizendo que a Amazônia foi destruída para a construção de uma estrada.

"Eles destruíram a floresta amazônica no Brasil para a construção de uma rodovia de quatro faixas para que ambientalistas pudessem viajar", escreveu Trump na mensagem, ressaltando que o caso "se tornou um grande escândalo".

Junto com a mensagem, Trump postou um vídeo de quatro minutos da Fox News, com uma reportagem do enviado da emissora a Belém para cobrir a COP30.

Na reportagem, o editor Marc Morano diz, com uma imagem de Belém ao fundo, que mais de 100 mil árvores foram cortadas na Amazônia para construir a estrada e mostrar como o "governo brasileiro está cuidando da floresta tropical".

Ainda na reportagem postada por Trump, o jornalista destaca que pela primeira vez não há uma delegação oficial dos Estados Unidos em uma conferência das Nações Unidas sobre o clima desde 1992. Mesmo países europeus estão deixando esses compromissos de lado, ressalta o jornalista.

A reportagem fala ainda da queda das vendas de carros elétricos e de demissões em fábricas nos Estados Unidos.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse há pouco que a BBC alterou seu discurso de 6 de janeiro de 2021, dia da invasão ao Capitólio, e celebrou a demissão de "pessoas muito desonestas que tentaram influenciar uma eleição presidencial".

"As principais pessoas da BBC, incluindo TIM DAVIE, o CHEFE, estão todas se demitindo/DEMITIDAS, porque foram pegas 'alterando' meu excelente (PERFEITO!) discurso de 6 de janeiro. Além de tudo, eles são de um país estrangeiro, que muitos consideram nosso Aliado Número Um. Que coisa terrível para a Democracia!", escreveu o republicano na Truth Social.

A CEO de notícias da BBC, Deborah Turness, e o diretor-geral da emissora britânica, Tim Davie, renunciaram ao cargo nesta trade. A saída acontece após o jornal The Telegraph mostrar que a BBC havia editado enganosamente um discurso de Trump para dar a impressão de que ele havia incitado diretamente à violência nos atos de invasão ao Capitólio.