Descriminalização da maconha pelo STF começa a valer, mas Congresso pode derrubar critério de 40g

Política
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou nesta sexta-feira, 29, a ata do julgamento que coloca em prática a decisão que descriminalizou o porte de até 40 gramas de maconha no Brasil. Em reação à nova norma e dentro do embate entre Legislativo e Judiciário sobre o tema, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) afirmou que abrirá uma comissão especial para analisar a PEC das Drogas, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Advogado constitucional ouvido pelo Estadão afirma que, caso aprovada, a PEC derruba o critério técnico estabelecido pelo STF e País volta a não ter parâmetros, mas haverá como contestar a nova lei no próprio STF.

A descriminalização decidida pelo STF não quer dizer que a maconha foi liberada no País, nem que haverá comércio legalizado da planta ou das flores prontas para consumo. A decisão acompanha a Lei das Drogas, aprovada pelo Congresso em 2006, que já previa que o porte da substância não deveria ser punido com prisão ou processado criminalmente. A legislação, no entanto, não determinava critério técnico de quantidade para diferenciar usuário de traficante.

Segundo especialistas e os próprios ministros, a descriminalização da posse e do porte de 40 gramas ou de seis plantas fêmeas de cannabis, serve, na prática, para dar uma distinção objetiva, na tentativa de barrar possíveis discriminações de raça e classe social em abordagens policiais e prisões.

A PEC que corre no Congresso segue um caminho oposto e volta a criminalizar a posse e o porte de qualquer quantidade de drogas, incluindo a maconha.

Como mostrou a Coluna do Estadão, a definição de uma comissão especial no Congresso e consequente aprovação da PEC das Drogas, como é conhecido o Projeto de Emenda Constitucional 45/2023, é uma demanda da bancada evangélica. A proposta, de autoria de Pacheco, foi aprovada no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, mas precisará ser analisada nessa comissão específica, que deve contar com 34 deputados, antes de ser votada no plenário pelos parlamentares da Casa. Lira disse, no entanto, que a PEC "está tendo a tramitação normal, independe do que ocorre em outro poder" e que não terá uma "votação apressada".

O que está em jogo sobre o tema entre os Poderes são duas visões antagônicas, segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado do Fregni Advogados, Flavio de Leão Bastos. "Uma entende que se o indivíduo usa até 40 gramas de maconha, essa é uma opção pessoal dele, ou seja, ele não é traficante, ele não está prejudicando os outros. Ele precisa, sim, ser esclarecido sobre os malefícios do uso, mas é uma decisão pessoal, que diz sobre a liberdade individual", considera o professor.

A outra visão, segundo ele, é "mais conservadora", e usa o argumento de que essa liberação vai facilitar o uso de outras drogas, servindo como "porta de entrada".

Caso o Congresso consiga aprovar a PEC das Drogas, a matéria segue direto para publicação, ou seja, não passa pelo crivo do presidente da República, que poderia, como é no caso de projetos de lei, vetar trechos ou mesmo toda a matéria.

Uma vez publicada, a PEC derrubaria o critério das 40 gramas aprovado pelo STF, e pessoas flagradas com qualquer quantidade, tanto de maconha como de outras substâncias, podem responder criminalmente - mesmo que a pena seja de medidas socioeducativas por até dez meses, como era a condenação prevista no Código Penal.

Caso isso ocorra, o STF ainda pode voltar a discutir o tema e até mesmo derrubar a PEC, desde que seja "provocado". "Ele não pode fazer isso de ofício, mas poderá declarar a norma inconstitucional em um processo, caso receba uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)", explica o professor.

Quem poderá ingressar com o questionamento no Supremo são os agentes previstos no artigo 103 da Constituição, como o presidente da República, a mesa diretora das duas Casas do Congresso ou de assembleias legislativas estaduais, governadores, o procurador-geral da República, além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), qualquer partido político com representação no Congresso e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Ainda há a possibilidade de questionamento em casos individuais. Bastos explica que, caso uma pessoa seja presa por porte de maconha após a suposta aprovação e publicação da PEC, a defesa do acusado poderá entrar no Conselho Judiciário usando a norma do STF como precedente. "Só que a decisão vai valer só para o caso dele. Já a ADI tem um efeito para toda a sociedade", diferencia o professor.

O exemplo se assemelha ao que ocorreu no caso do Marco Temporal, em que a lei foi aprovada pelo Congresso, em maio de 2023, mas, por ora, está com a vigência suspensa. Após o embate entre Executivo e Legislativo, com vetos e derrubada de vetos, o ministro do STF Gilmar Mendes, suspendeu todos os processos judiciais - em todas as instâncias do Judiciário - que tratem da Lei do Marco Temporal.

Em outra categoria

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta segunda-feira, dia 1º, que o debate presidencial nos Estados Unidos mostrou o atual presidente Joe Biden muito fragilizado na TV e sugeriu a substituição dele por outro candidato. Apoiador declarado de Biden, Lula afirmou que é melhor que o Partido Democrata e o presidente americano tomem uma decisão sobre a candidatura dele.

Lula disse que Biden vem demonstrando problemas e defendeu que ele seja transparente sobre sua saúde e possa opinar sobre a eventual substituição por outro candidato. Depois de reiterar apoio ao atual presidente, ele disse que somente Joe Biden tem condições de relevar seu estado de saúde e sugeriu que o Partido Democrata troque de candidato caso Biden desista.

O presidente americano sofre intensa pressão, dentro e fora do partido, para desistir e abrir caminho para uma substituição, mas não deu sinais de que o fará.

Manifestações como as de Lula são desaconselhadas na diplomacia. Conselheiros do presidente entendem que elas podem ser vistas como interferência em assuntos internos da maior potência do planeta e abrir brecha para mais divergências com o ex-presidente Donald Trump, caso ele vença e retorne ao poder.

"Uma pessoa pode mentir para si mesmo, pode mentir para todo mundo, mas não pode mentir a vida inteira para ele mesmo. Ele tem que avaliar. Se está bem, ele é candidato, se acha que está em condições, ótimo. Mas se não está, é melhor eles tomarem uma decisão. O que foi chato e desagradável foi que no debate expuresam muito a fragilidade do Biden", afirmou Lula, em entrevista à rádio Princesa, da Bahia.

"O Biden tem que contar até dez e saber: vou ou não vou, posso ou não posso, estou em condições ou não estou. Só ele pode dizer."

Lula calculava as palavras para opinar sobre a disputa nos EUA, mas voltou a dizer que torce pela reeleição do democrata. Biden enfrenta o ex-presidente Donald Trump, candidato do Partido Republicano, a quem o petista chamou de "mentiroso", enquanto comentava o debate na CNN, da última quinta-feira.

"Primeiro, do outro lado (estava) um cidadão mentiroso, porque segundo o (jornal) New York Times ele contou 101 mentiras no debate. E do outro lado o Biden com certa morosidade para responder as coisas, mas quem sabe da saúde dele é ele", disse Lula. "Eu acho que o Biden tem um problema. Ele está andando mais lentamente, está demorando mais para responder as coisas. Mas quem sabe da condição do Biden é o Biden. Ele que sabe."

Lula comparou Joe Biden a ex-presidentes nonagenários com os quais conversa sobre a situação interna do Brasil, como José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, que continuam a refletir sobre política. Segundo Lula, são pessoas com "saúde precária", mas com a cabeça ativa politicamente.

A saúde física e mental do incumbente nos EUA, de 81 anos, é uma das principais questões da disputa pela Casa Branca. A substituição de Biden domina os debates no país depois de o presidente ter fracassado, durante o debate na CNN, em demonstrar vigor, com momentos de perda de raciocínio, travamentos e voz rouca expostos na TV. O debate era visto como um teste de fogo para Biden, que já vinha sendo questionado por quedas, dificuldades de discursar e seguir protocolos.

"Eu fico torcendo pelo Biden. Deus queira que ele esteja bem de saúde, que ele possa concorrer. Se não o Partido Democrata pode indicar outra pessoa", disse o petista, lembrando que saiu de cena em 2018 às vésperas da votação no Brasil - Lula foi impedido de concorrer em decorrência de processos por corrupção na Operação Lava Jato. "Aqui eu estava preso e indiquei o Haddad, faltavam poucos meses para a campanha."

"As eleições nos Estados Unidos são muito importantes para o resto do mundo, porque a depender de quem ganha e de que política externa querem ter os EUA a gente pode melhorar ou piorar o mundo", afirmou o pestita, defendendo uma visão mais "humanista" e "fraterna". "É muito difícil dar palpite num processo eleitoral de outro país, porque depois do resultado eleitoral a gente tem que conviver com quem ganhou as eleições então tem que tomar cuidado para não criar animosidade."

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu nesta segunda-feira, 1º, que o ex-presidente Donald Trump tem direito a receber imunidade parcial nos processos em que ele responde na Justiça americana.

A decisão, vista como uma vitória para Trump, deve atrasar os julgamentos dos processos a que ele responde na Justiça dos EUA. O ex-presidente é candidato nas eleições do país, que acontecem em 5 de novembro.

A decisão não concede imunidade automática para Trump, mas aponta que ex-presidentes dos EUA têm direito a pedi-la. Com isso, o caso deve voltar a tribunais de 2ª instância, que terão de julgar se Trump é imune em cada um dos três processos.

Trump postou em sua rede social logo após a decisão ser divulgada: "Grande vitória para nossa constituição e democracia. Orgulhoso de ser americano!"

A decisão de hoje remonta o julgamento do caso contra ele por acusações de conspiração para tentar subverter o resultado da eleição de 2020.

Trump entrou com o argumento que tinha direito à imunidade absoluta das acusações, baseando-se em uma ampla interpretação da separação dos poderes e um precedente da Suprema Corte de 1982 que reconheceu tal imunidade em casos civis para ações tomadas por presidentes dentro do "perímetro externo" de suas responsabilidades oficiais.

Tribunais inferiores rejeitaram a alegação de Trump, mas a decisão da Suprema Corte pode atrasar o caso o suficiente para que ele consiga anulá-lo completamente se sair vitorioso em novembro. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

O presidente da Argentina, Javier Milei, cancelou oficialmente nesta segunda-feira, dia 1º, sua participação na Cúpula do Mercosul, na esteira de novo embate com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Presidência argentina confirmou que Milei virá ao Brasil no próximo fim de semana, para participar de um evento liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Milei não vai se encontrar com Lula durante a estada no País.

A decisão de Milei foi confirmada pelo porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni. Ele negou que a desistência de comparecer à reunião de chefes de Estado do Mercosul, em Assunção no Paraguai, tenha relação com algum incômodo com Lula. Adorni, porém, disse que não haverá reunião entre eles no Brasil.

O chefe de Estado de um país pisar em solo estrangeiro e ignorar o governante no poder costuma ser visto como descortesia e até provocação diplomática. Milei vai repetir o que fez em recente viagem à Espanha, em mais um episódio da crise na relação com o país, governado pelo socialista Pedro Sánchez.

Milei irá a Balneário Camboriú, em Santa Catarina, onde o ex-presidente brasileiro e seus aliados políticos promovem uma cúpula de direita, o CPAC (Conservative Political Action Conference). A organização cabe ao Instituto Conservador Liberal, presidido no Brasil pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

O ex-presidente já está confirmado como palestrante. Nomes da direita latina, como o chileno José Kast, também participarão. A organização ainda fazia suspense sobre a presença de Milei, embora divulgasse sua relação com o evento, quando a Casa Rosada confirmou a viagem.

Milei esteve na edição do fórum realizada em 2022 no Brasil. E, em fevereiro deste ano, compareceu à edição nos Estados Unidos, quando conversou nos corredores com o ex-presidente Donald Trump. Eles posaram para foto, e Trump falou: "Make Argentina Great Again", uma versão de seu slogan MAGA, acrônimo de Make America Great Again, a ideia que o republicano vende de recuperar a grandeza dos EUA.

O favoritismo de Trump na campanha e seu eventual retorno à Casa Branca são vistos por esse movimento político como uma esperança de promover e fortalecer a direita no Brasil e na América Latina.

Uma postagem do CPAC com a pergunta "Será que ele vem?" mostrava Milei dizendo que se deu conta de que "o inimigo número um é o socialismo". No vídeo, o argentino comentava a importância do "alinhamento internacional" da direita, por meio de fóruns como o CPAC, e de contato com lideranças como Bolsonaro e a premiê da Itália, Giorgia Meloni.

Milei esteve na Itália para a cúpula do G7, a convite dela, em junho. Na ocasião, apenas cumprimentou Lula protocolarmente, já que o petista era também convidado para uma das sessões de debate ampliado do G7. Eles dividiram a mesma mesa numa plenária, mas não interagiram.

Na semana passada, Milei voltou a chamar Lula de "corrupto" e "comunista", em resposta a uma cobrança, por parte do petista, de um pedido de desculpas por declarações anteriores, ao longo da campanha eleitoral argentina, consideradas pelo petista como "ofensas e provocações".

A mudança de planos indica que Milei abandonou um período de busca de pragmatismo na relação com o governo Lula - quando chegou a indicar o desejo de uma reunião conjunta em duas cartas. A diplomacia brasileira também não respondeu as cartas enviadas por Milei.

Milei preferiu ser uma das estrelas da cúpula conservadora promovida no País por bolsonaristas a seguir buscando um ponto de contato com o presidente brasileiro.

A decisão também revela pouco interesse em fortalecer as relações internas no bloco regional. Em vez fazer sua estreia no Mercosul, no dia 8 em Assunção, Milei vai cumprir agendas internas na Argentina e enviar sua chanceler Diana Mondino. Segundo a Casa Rosada, ele tinha uma viagem planejada a Tucumán, e o governo não deseja que ele passe por uma "agenda sobrecarregada".

Durante a campanha para a Casa Rosada, Milei ameaçou retirar a Argentina do Mercosul, dizendo que era um bloco de "má qualidade" e que prejudicava os países membros. Depois, o governo argentino deu sinais de que permaneceria no bloco, mas com defesa de uma modernização interna.