Circulam nas redes sociais postagens afirmando que 30% das bebidas destiladas vendidas no Brasil são falsificadas. O dado é atribuído a um estudo publicado pela Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), mas o número que aparece lá é inferior a 5%.
Um estudo encomendado pela ABBD à Euromonitor International foi publicado pela entidade em 26 de setembro deste ano. Ele indica que 28% do total de bebidas destiladas vendidas no Brasil são ilegais. Isso não significa que todo este volume é de bebidas falsificadas. Dentro desse percentual há também casos de sonegação fiscal, contrabando, descaminho e produção sem registro. O crime de falsificação representa 1,1% do mercado de bebidas alcoólicas, segundo a ABBD, e 4,7% do mercado de bebidas destiladas, que é o mais impactado.
"A confusão acontece porque o mercado ilegal de bebidas destiladas - que realmente tem uma expressiva participação de 28% do total do mercado - inclui todo tipo de ilicitude, como evasão fiscal, contrabando/descaminho, produção sem registro e, também, a falsificação nessa proporção bem menor", explicou, em nota, a associação que encomendou a pesquisa.
Os números resultam de pesquisa de campo realizada entre abril e junho de 2025. Foram visitadas 30 lojas em cinco cidades e revisados quatro marketplaces na internet. Os pesquisadores identificaram mais de 1,2 mil itens. A pesquisa ouviu ainda 37 organizações, empresas e autoridades que atuam no setor de bebidas.
Também foram revisadas mais de 50 fontes sobre o mercado ilícito, incluindo notícias de apreensões, balanços aduaneiros dos últimos seis anos, importações legais, anuários das bebidas produzidos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e dados sobre prejuízos do álcool à saúde.
Falsificação é fonte de preocupação
Mesmo em proporção menor do que o que está sendo difundido, a falsificação é de fato o que gera mais preocupação, segundo a entidade, porque afeta não apenas o setor produtivo, como também a saúde dos consumidores. De acordo com o estudo da Euromonitor International, os dois principais métodos de falsificação são o refil de garrafas de marcas conhecidas e a adição na bebida de álcool impróprio para o consumo humano, como é o caso do metanol. Essa estratégia é vantajosa para os falsificadores por conta da discrepância de valor, o que atrai compradores: nos mercados online, o whisky falsificado chega a ser 48% mais barato que o original.
"Há diferentes fatores que mantêm o ilícito relevante na categoria de bebidas: a alta carga tributária, a dificuldade de fiscalização em grandes territórios, a sofisticação crescente das redes criminosas e a disseminação de canais de venda informais e digitais que ajudam no escoamento desses produtos", disse João Garcia, gerente de Consultoria da Euromonitor International na época da divulgação do estudo.
No último dia 8, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, notificou nove plataformas de comércio online para que suspendessem a venda de insumos que possam ser usados na falsificação de bebidas, como lacres, rótulos, garrafas e tampas.
A determinação integra o rol de medidas de resposta à crise de intoxicação de pessoas por bebidas adulteradas com metanol. Até 13 de outubro, o Ministério da Saúde tinha confirmado 32 casos de intoxicação, com cinco óbitos. Ainda há 181 casos e 9 mortes em investigação.
Mais dados
Além do estudo divulgado pela ABBD, outros levantamentos mostram o cenário do mercado ilegal de bebidas no Brasil. Em abril deste ano, a Federação dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo (Fhoresp) publicou uma pesquisa mostrando que aproximadamente 36% das bebidas comercializadas no Brasil estavam sujeitas a algum tipo de irregularidade, como falsificação, adulteração, contrabando ou sonegação fiscal.
Não foram divulgados dados específicos sobre falsificação, e a Fhoresp observou que a pesquisa não teve foco em adulteração por metanol. Em nota enviada ao Verifica, a Fhoresp disse que os dados são aproximados por conta das dificuldades em obter números precisos sobre o mercado clandestino.
O levantamento foi feito ouvindo 20 sindicatos patronais, empresas do setor de hotéis, bares e restaurantes e de outros setores por amostragem, como agências de viagem, buffets e cigarros. Também foram usados dados abertos de fontes públicas, como registros de ações de fiscalização.
"Como as fraudes no setor de bebidas são clandestinas e a fiscalização é insuficiente para cobrir todo o mercado, o estudo se baseou em dados indiretos, obtidos também com especialistas e autoridades públicas de fiscalização e controle, que falaram sob anonimato, bem como dados de entidades correlatas", disse a nota.
Este texto foi produzido a partir de uma parceria entre Estadão Verifica e Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) para combater a desinformação sobre esse setor da indústria e reforçar o papel do jornalismo profissional. A iniciativa visa desmentir rumores infundados e conscientizar o público sobre os impactos negativos da desinformação.