Carolina Markowicz: 'O humor trágico faz parte da minha visão de mundo'

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A diretora paulistana Carolina Markowicz realizou um feito notável: em apenas dois anos, conseguiu colocar dois filmes na tela grande. Primeiro foi Carvão, excelente longa-metragem que estreou em novembro de 2022 e chamou a atenção por ser tão cru e real. Agora, ela lança Pedágio, produção elogiada e premiada ao redor do mundo e que entrou em cartaz na quinta-feira, 30.

Curiosamente, não só os lançamentos foram próximos um do outro como também a produção. Carolina rodou Carvão e, apenas três meses depois, já estava no set novamente para filmar Pedágio. É como ela mesma definiu: fica a sensação de ter "dois primeiros filmes".

Ter duas produções lançadas assim, uma seguida da outra, oferece clareza sobre a linguagem da diretora. Ela aborda temas duros, com um humor bem característico, cutucando o que há de mais reativo e conservador na sociedade.

Em Carvão, Carolina fala sobre a relação entre morte e dinheiro em uma família que vive de maneira precária e sem futuro. E, em Pedágio, o foco está em Suellen (Maeve Jenkins, também protagonista de Carvão), funcionária de um posto de pedágio que percebe que pode usar seu trabalho para conseguir dinheiro extra, ilegalmente. No entanto, o foco não é apenas melhorar de vida, mas enviar seu filho (interpretado por Kauan Alvarenga) a uma clínica de "cura gay".

Markowicz tem se tornado uma cineasta necessária e instigante. Foi a primeira brasileira a receber o prêmio de "talento emergente" no Festival de Toronto. Com o curta O Órfão, de 2018, levou a Queer Palm na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, e foi premiada em Havana, Miami e Biarritz, na França. Não é para menos: seu cinema chegou para mexer, provocar e embolar as discussões. Tem coisa melhor?

Nesta conversa com o Estadão, ela fala sobre seu cinema, os desafios e os objetivos de Pedágio e o que podemos esperar após essa dobradinha.

Como nasceu Pedágio? Você se inspirou no que observou ao seu redor?

A gente vive uma grande loucura que vai para além da violência contra a comunidade, com um viés de escárnio desrespeitoso que não vemos em outros lugares do mundo. Nós temos pessoas no poder que fazem isso, retroalimentando a sociedade a também fazer isso. É muito louco. Isso sempre foi uma questão para mim, de verdade. Queria fazer um filme para entender a homofobia que vai além do óbvio, do que sabemos. Afinal, existe a questão da homofobia que transcende os fundamentalistas religiosos. Todo mundo é homofóbico. Essa é a real. Ninguém quer ter um filho gay. Tudo bem ter um amigo gay, mas filho? Um pai gay? É uma coisa tão amalgamada na sociedade que me interessou falar mais sobre isso, discorrer a respeito em um filme que retrata a homofobia além do óbvio.

A própria mãe demonstra uma homofobia forte, que reproduz sem perceber o quanto machuca o filho.

Totalmente. Ela não para, já que é produto dessa sociedade de que comentamos. Ela já é uma mãe solteira. Não está na teoria do correto, do louvável, do ideal. Já não é correta na visão dessa sociedade arcaica. Aí tem o filho dela, que é gay. Algo de errado está acontecendo ali? Algo de errado ela fez. Os amigos do trabalho comentam, os vizinhos idem. A mãe é atingida pelo sentimento de vergonha. É um sentimento ruim. E é nesse ponto que vem o humor do filme. A história mexe com esse sentimento de vergonha, considerado um sentimento menos violento, mas que é muito poderoso.

Ainda sobre a mãe: já é seu segundo trabalho com a atriz Maeve Jenkins como protagonista. Como é essa relação com ela?

(Risos) Ela é uma das melhores atrizes do mundo. Eu considerei a Maeve para fazer Carvão, em 2016, quando a gente nem se conhecia. Zero intimidade. Quando Pedágio começou a acontecer, precisava escolher alguém para fazer o papel dessa mãe. A Maeve não saía da minha cabeça e se o filme está te pedindo alguma coisa, você tem de ouvir. Não queria que fosse a mesma protagonista nos dois, mas mandei o roteiro para ela e acabou rolando. Não a conhecia, não tínhamos intimidade, mas acabou acontecendo. Digo que o diretor que trabalha com ela tem sorte. Maeve escolhe os trabalhos a dedo, se dedica muito, é muito talentosa. É um conjunto muito hábil, frutífero, o que ela faz. Ela é muito concentrada também. Acabamos fazendo Carvão e Pedágio muito próximos um do outro, mas deu certo também por causa dela. Ela faz o trabalho lindamente, curiosamente vivendo duas mães, com questões diferentes, mas bem densas e complexas.

Como foi lançar dois filmes tão perto um do outro?

Engraçado, foi um processo muito demorado. Estou há oito anos fazendo esses filmes. Mas como eles se juntaram e a produção foi próxima um do outro, parece que foram rápidos. Só que não, foram realmente demorados. O fato é que foi uma loucura. Foi quase como se eu estivesse fazendo dois primeiros filmes. Não tive tempo de decantar entre as duas produções. Rodei Carvão e coisa de três ou quatro meses depois, comecei Pedágio.

É curioso: os dois filmes se valem de um humor trágico. Isso foi fruto do seu momento ali, gravando os dois muito próximos um do outro, ou é uma marca sua e poderemos encontrá-la em outras histórias?

Eu tenho esse humor. Pode até ser que eu faça dramas sem qualquer humor, mas é um tom difícil de não ter nos meus filmes. Vejo o mundo dessa maneira. Não é nada ocasional. Quem me conhece sabe que tenho esse humor mais trágico, mais ácido. Faz parte da minha visão de mundo e acredito que isso estará nos filmes que farei, mesmo que apareçam pequenas mudanças. Carvão é mais duro, mais denso. Pedágio tem mais ironia.

Por fim, falando em novos filmes, você pensa em dirigir produções estrangeiras? Ou seu projeto é continuar pensando apenas em filmes no Brasil?

As duas coisas. Já estou desenvolvendo um filme com uma produtora americana, que comecei a criar já em Carvão. Começou inspirado em um artigo, mas acabou virando uma ideia original e agora já está na fase de tratamento. Também tenho outro projeto aqui no Brasil. Isso corresponde ao que quero fazer: filmes estrangeiros, desde que sejam sobre histórias que eu queira contar, e filmes aqui, já que é meu país e tem coisas que eu quero dizer, mostrar, para entender as vicissitudes brasileiras. Não me imagino não fazendo filmes no Brasil.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A Andreani Logística anunciou nesta terça-feira, 29, a suspensão dos serviços prestados à Fundação Butantan, incluindo o armazenamento de insumos utilizados na produção de vacinas. O centro de pesquisa, por sua vez, afirma que o contrato com a empresa foi encerrado dentro do prazo previsto e nega qualquer interrupção inesperada.

A versão da Andreani, no entanto, é diferente. Segundo a empresa, o contrato original teve vigência de abril de 2023 a abril de 2024, com solicitação da fundação para que a operação fosse mantida por mais seis meses, enquanto uma nova licitação era elaborada. A previsão era de que a prorrogação se encerrasse em 30 de setembro. Em agosto, porém, o Butantan já havia selecionado a empresa Simas Logística como vencedora da concorrência.

Em 30 de setembro, a fundação teria enviado à Andreani uma prorrogação unilateral do contrato até abril de 2025 - decisão que a empresa afirma que não aceitou nem assinou. "Estamos prestando serviço sem contrato. Não existe negócio unilateral, e o Butantan agiu de forma arbitrária. Isso está sendo discutido em juízo", afirma a Andreani.

A disputa pela gestão logística, armazenamento e distribuição de vacinas já foi levada ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), após a Andreani, segunda colocada no certame, contestar a legalidade da contratação da Simas. Um dos principais pontos de questionamento é a transparência do processo. Segundo a Andreani, o edital exigia a apresentação de uma licença que comprovasse a atuação da empresa em São Paulo - o que facilitaria a logística -, mas o documento da Simas não foi disponibilizado, mesmo após solicitação formal.

Outro ponto de crítica da Andreani é o que considera "falta de preparo da nova operadora". De acordo com a empresa, nas últimas 48 horas, equipamentos do Butantan que estavam sob sua guarda foram transferidos para uma fazenda da fundação e não para instalações da Simas, em um movimento que comprovaria a ausência de estrutura adequada.

A Andreani afirma que a única movimentação solicitada até o momento foi essa. A denúncia foi levada ao Ministério Público.

Embora o início oficial das atividades da Simas estivesse previsto para 17 de abril, a Andreani afirma que continuou recebendo cargas. "De 1º até 28 de abril, recebemos 340 paletes de insumos, sendo 40 apenas na segunda-feira, 28", afirma. A empresa também alega que nenhum desses materiais foi retirado até agora - versão contestada pelo Butantan, que informa já ter transferido 900 paletes para a nova operadora.

Segundo a Andreani, os serviços vêm sendo mantidos sem contrato e com valores determinados de forma unilateral pelo Butantan. A empresa afirma que, a partir desta quarta-feira, 30, deixará de receber novos insumos e de transportar cargas já armazenadas - função que também está sob sua responsabilidade - caso não seja apresentado um cronograma detalhado de transferência, amparado legalmente, com respeito aos valores comerciais anteriormente pactuados e acesso completo à documentação do processo licitatório.

A empresa afirma ainda que o imbróglio coloca em risco a integridade dos insumos. Ela assegura que as cargas sob seus cuidados seguirão armazenadas e refrigeradas, mas se recusa a receber novos insumos para armazenamento ou a realizar o transporte dos que já estão armazenados.

O que diz o Butantan?

A Fundação Butantan afirma que a Simas Logística, vencedora da licitação, dispõe de um galpão já qualificado e começou a receber insumos desde 3 de abril - informação que, assegura, foi previamente comunicada à Andreani.

Inicialmente, a fundação afirma que foram encaminhados materiais não refrigerados e, a partir de 30 de abril, a nova operadora também passará a receber insumos refrigerados. "Mais de 900 paletes já foram transferidos para as instalações da Simas, e a previsão é de que toda a migração seja concluída até o fim de maio", diz o Butantan.

O centro de pesquisa também destaca que o contrato com a Andreani foi firmado por inexigibilidade de licitação - modalidade diferente de uma contratação emergencial - e foi prorrogado unilateralmente com base na Lei 14.133/2021. "A empresa segue prestando serviços até o encerramento do contrato, em 30 de abril. Após essa data, caberá à Andreani permitir a retirada do restante dos materiais, já que a Simas está plenamente capacitada para armazenar e operar com os insumos", afirma.

A fundação assegura que não há risco de interrupção na produção de vacinas, especialmente considerando que a entrega das doses contra gripe ao Ministério da Saúde já foi concluída e que essa produção, a de maior volume do Butantan, só será retomada no segundo semestre, como ocorre regularmente.

A instituição também defende a regularidade do processo licitatório. Afirma que todo o procedimento foi conduzido com transparência e dentro da legislação, sendo reiteradamente validado por decisões judiciais favoráveis, e acrescenta que a Simas teria apresentado uma proposta com preço 45% inferior ao da segunda colocada, gerando uma economia estimada em R$ 72 milhões. "O que ocorreu, portanto e simplesmente, foi que a Andreani perdeu uma licitação", afirma o Butantan.

Segundo a fundação, a Andreani apresentou diversos recursos, todos sem sucesso. Além do recurso administrativo indeferido no âmbito do próprio Butantan, a empresa teve três pedidos de liminar negados pela Justiça - dois já em segunda instância - e teve indeferido também, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), o pedido de suspensão do certame. O processo ainda está em fase de instrução para julgamento do mérito, mas relatório técnico da fiscalização do TCE concluiu pela regularidade da licitação e improcedência da representação feita pela empresa.

Um metalúrgico de 22 anos morreu baleado durante discussão no trânsito em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, na madrugada do domingo, 27. O autor do tiro fugiu e não havia sido identificado até a publicação desta reportagem, segundo a polícia.

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Quando o amigo de Patrick percebeu a reação do rapaz, manobrou e tentou fugir, mas um dos tiros atingiu a nuca de Patrick. O amigo saiu com o veículo rumo a um hospital e, no caminho, encontrou guardas-civis municipais e pediu ajuda. Patrick chegou vivo ao hospital, mas não resistiu.

O caso está sendo investigado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil em São Bernardo do Campo, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado. Até a noite de terça-feira, 29, o autor dos tiros não havia sido identificado.

Ainda hoje, muitos órgãos para transplante são transportados em embalagens que usam o gelo para manter refrigeração, sem controle preciso da temperatura. Pensando nisso e em outras demandas baseadas na realidade brasileira, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desenvolveram uma embalagem inteligente que promete mudar esse cenário.

O produto é equipado com um sistema de monitoramento em tempo real, via internet, que permite rastrear o órgão e detectar qualquer queda ou alteração de temperatura durante o transporte. A embalagem, além disso, possui uma autonomia de até 6 horas e conexão de backup para garantir a continuidade do processo em situações adversas.

"Ela tem várias funcionalidades para dar um suporte em tempo real e garantir que esses órgãos e tecidos sejam transportados na temperatura adequada, diferentemente do gelo, em que não temos controle algum", detalha Bartira de Aguiar Roza, coordenadora do projeto e professora da Escola Paulista de Enfermagem da Unifesp. "O objetivo é reduzir perdas e otimizar o trabalho."

De acordo com a professora, existe uma perda estimada de 5% dos órgãos que são transportados a uma longa distância. As caixas, ela explica, precisam passar por diferentes ambientes, como aeroportos e táxis, onde muitas vezes a temperatura do ar-condicionado não é suficiente para manter a refrigeração adequada.

"Além disso, existem os requisitos de segurança, de rastreabilidade. Existem produtos que são transportados com alta tecnologia, mas, quando falamos de órgãos humanos, estamos transportando com iglu de gelo. Precisamos responder várias demandas, não só a demanda de perdas, mas também assegurar a rastreabilidade", diz.

A inovação é mais cara do que as embalagens padrão. A estimativa é de que chegue ao mercado por um valor entre R$ 10 mil e R$ 15 mil. "Mas, comparando com caixas desenvolvidas em outros países, é mais barata", assegura a pesquisadora. "Caixas (estrangeiras) que ainda usam gelox, mas são rastreadas são vendidas por R$ 80 mil no Brasil. Desenvolvemos o produto para ter uma caixa nossa, da qual possamos nos orgulhar e que, sobretudo, seja mais barata."

Recentemente, foi concluída a etapa de validação pré-clínica da nova embalagem por meio de um estudo de caso-controle. Nessa fase, foi feita uma comparação entre o modelo atualmente utilizado no Brasil e a proposta desenvolvida pelos pesquisadores. Segundo Bartira, os resultados demonstraram que a nova embalagem é segura para o transporte de órgãos e tecidos destinados a transplantes.

O produto ainda deve passar por outros testes com órgãos humanos e a expectativa é que esteja disponível no mercado no início de 2026. A embalagem começou a ser desenvolvida em 2017, sem nenhum tipo de apoio financeiro, e em 2020 recebeu um aporte da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

A tecnologia foi desenvolvida pela Unifesp, por meio da Escola Paulista de Enfermagem e da Escola Paulista de Medicina, em parceria com a São Rafael Câmaras Frigoríficas, Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) e o Centro de Tecnologia em Embalagem para Alimentos do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL).