Crise na segurança ameaça planos da esquerda para fazer sucessor no Chile

Internacional
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Em 2024, o presidente do Chile, Gabriel Boric, anunciou a construção de uma nova prisão de segurança máxima, além de outras políticas para reforçar a segurança do país. A medida surpreendeu aliados e opositores por ser considerada linha-dura vinda de um presidente de esquerda.

A justificativa: a segurança, junto com o fracasso do projeto para uma nova Constituição, é o calcanhar de Aquiles do governo e ameaça as chances da esquerda nas eleições de novembro. Boric não pode participar segundo as regras eleitorais do país.

Vindo dos movimentos estudantis, o presidente eleito em 2021 ganhou protagonismo durante os protestos dois anos antes, quando milhares foram às ruas contra o aumento das passagens de metrô em Santiago. Mais novo presidente da história do Chile, Boric pregou um governo de reformas sociais e de defesa das minorias. Mas suas promessas não avançaram no Congresso e ele viu sua aprovação despencar.

Uma escalada da violência, principalmente de homicídios e execuções envolvendo grupos de narcotráfico, abalou o começo de seu governo. Após quedas de ministros, Boric criou um Ministério de Segurança Pública, em uma guinada à direita no discurso sobre segurança. A criação do novo ministério foi liderada por Carolina Tohá, então ministra do Interior e provável candidata da esquerda. As medidas, porém, não convenceram o eleitorado.

Segundo a Pesquisa Nacional Urbana de Segurança Cidadã de 2023, a percepção de insegurança alcançou um marco histórico de 90%. O Chile chegou a ser o país mais preocupado com segurança no mundo, segundo relatório de 2024 da Ipsos.

A piora na percepção acompanha um aumento das cifras de homicídios desde 2016. Apesar de uma redução de 2023 para 2024 - último ano disponível -, a queda não é considerada sustentada. Em 2024, a taxa de homicídios foi de 2,9 para cada 100 mil habitantes. Em 2023, essa taxa era de 6,3 e, em 2022, 6,7 por 100 mil.

Os números chilenos ainda são distantes dos países da região. No Brasil, por exemplo, em 2024, o índice de homicídios foi de 18,21 para cada 100 mil habitantes. Mas o aumento nas ocorrências, somado ao grau de violência dessas mortes e a presença constante dos casos no noticiário fizeram da segurança pública o problema mais urgente para o chileno.

"Temos um aumento objetivo em países que historicamente tinham baixos níveis de insegurança, como Equador, Chile, Uruguai e Argentina", observa a ex-ministra de Justiça e Direitos Humanos de Boric Marcela Rios Tobar.

O problema, diz Tobar, atualmente diretora do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International Idea), é que as soluções caminham cada vez mais para uma abordagem linha-dura, mesmo em governos de esquerda, "sem uma clareza sobre o impacto para as democracias".

Boric fez um forte investimento na área. Em seu primeiro ano, anunciou a criação de um inédito Plano Nacional contra o Crime Organizado. A estratégia previa um aumento anual de US$ 1,5 bilhão no orçamento de segurança. Para 2025, esse aumento alcança 40% do orçamento de 2022.

"Foram feitos acordos com a esquerda e a direita para aumentar o investimento na polícia", afirma Claudia Heiss, professora na Faculdade de Governo da Universidade do Chile. "Mas é uma questão complicada porque este é um governo que vem do movimento social, com um compromisso com as pessoas que, de certa forma, foram vítimas dessa guinada à direita."

Tobar questiona o foco do investimento. "Temos um sistema penitenciário que só recebe mais pessoas, mas não temos a infraestrutura nem a capacidade para trabalhar com elas", afirma a ex-ministra.

A dificuldade de Boric, segundo analistas, tem sido calibrar suas respostas e as demandas sociais da sua agenda de esquerda. "O governo deu passos importantes, mas nem sempre adotou o tom certo", explica Heiss. "O presidente chegou a dizer que vai 'perseguir criminosos como cães'. Isso é algo que não corresponde muito ao seu caráter."

O problema ao aderir à narrativa linha-dura, dizem analistas, é que ela não captura eleitores da direita e ainda afasta os de esquerda e moderados.

"Embora esse governo se diferencie dos demais de esquerda em termos de segurança, a direita se concentra e ecoa mais as demandas dos cidadãos nessa área, como na maioria dos países latino-americanos hoje", observa Lucía Dammert, professora e pesquisadora da Universidade de Santiago.

Venezuelanos

Além da escalada na violência envolvendo grupos criminosos, a entrada de imigrantes venezuelanos no país acendeu alertas. Segundo uma pesquisa conduzida por Dammert, dos países considerados os mais seguros da América Latina (Uruguai, Costa Rica, Chile e Equador, esse último já fora da lista), o Chile é o que mais culpa a imigração e defende uma resposta radical.

Mas para Claudia Heiss, o aumento dos homicídios não está relacionado à migração e sim à globalização do crime organizado. "Chegaram ao Chile grupos que usam formas de violência que não tínhamos antes, como sequestro, extorsão e mortes encomendadas."

Durante semanas, um crime estampou as manchetes: o assassinato de um opositor de Nicolás Maduro pela organização criminosa venezuelana Tren de Arágua em plena capital. Ronald Ojeda, um refugiado no Chile, foi considerado sequestrado até seu corpo ser encontrado em uma mala.

Os candidatos da direita tradicional e radical exploraram o caso. Um deles foi a candidata da União Democrática Independente, Evelyn Matthei, que aparece à frente em todas as pesquisas de intenção de votos.

Sua desafiante de maior força era a ex-presidente Michelle Bachelet, que negou uma possível candidatura, apesar dos apelos da esquerda chilena. Além de Matthei, outros nomes disputam o voto conservador, entre eles José Antonio Kast e Johannes Kaiser.

Esses candidatos conseguiram conectar Boric não só ao aumento da violência de grupos criminosos, mas também à crise na Venezuela, ainda que o presidente seja o líder de esquerda mais crítico a Maduro na região.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Na primeira manifestação de rua após se tornar réu no Supremo Tribunal Federal (STF) sob acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse neste domingo, 6, em São Paulo, que as acusações contra ele são fruto de perseguição política, atacou o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mandou recados ao Congresso sobre o projeto de anistia aos implicados no 8 de Janeiro.

Em um discurso de cerca de 25 minutos para apoiadores reunidos na Paulista, o ex-presidente afirmou que quem sofreu um golpe foi ele, ao ser derrotado na eleição de 2022, e que a manutenção de sua inelegibilidade em 2026 significaria "escancarar a ditadura no Brasil". Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Vamos falar quem deu golpe em outubro de 2022? Quem tirou Lula da cadeia? O cara condenado em três instâncias por corrupção, por lavagem de dinheiro, é tirado da cadeia. Quem descondenou o Lula para ele fugir da (Lei da) Ficha Limpa? Os mesmos", disse ele. "O golpe foi dado, tanto é que o candidato deles está lá."

O ex-presidente voltou a afirmar que seus adversários o querem "morto" e que sua saída do Brasil, em dezembro de 2022, sem reconhecer o resultado das urnas, foi medida de autoproteção. "O golpe deles só não foi perfeito porque eu saí do Brasil em 30 de dezembro de 2022. Se eu estivesse no Brasil, seria preso na noite de 8 de janeiro, ou assassinado por esses mesmos que botaram esse vagabundo na Presidência. Estou no caminho deles. Se acham que vou desistir, fugir, estão enganados. O que os canalhas querem é me matar."

Aliados

O ato na Paulista para pressionar por uma anistia aos envolvidos nos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 contou com a presença de sete governadores, além de parlamentares e outros aliados. Foram à Paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Jorginho Melo (PL-SC), Romeu Zema (Novo-MG), Wilson Lima (União Brasil-AM), Mauro Mendes (União Brasil-MT), Ratinho Júnior (PSD-PR) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO). A vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), também marcaram presença.

Embora tenham, na época, condenado a destruição na Praça dos Três Poderes, Tarcísio, Caiado, Zema e Ratinho Jr., agora pré-candidatos em 2026, defenderam ontem uma anistia aos radicais. "Quero prisão para assaltante, para quem rouba celular, para quem invade terra e para corrupto", disse Tarcísio em discurso. Segundo ele, se ovo, carne e outros alimentos estão caros, é porque Bolsonaro precisa voltar.

Ao chegar ao ato, Caiado afirmou que o 8 de Janeiro é indefensável, mas que as penas são desproporcionais. "É isso que estamos buscando: justiça, mas sem ser uma ação do Estado que venha punir como se fosse um gesto de vingança", disse o pré-candidato à Presidência em 2026.

Segundo o Monitor do Debate Público do Meio Digital, da USP, a manifestação de ontem reuniu cerca de 44,9 mil pessoas na Paulista. O levantamento foi feito com base em fotos aéreas do momento de pico do ato, durante o discurso de Bolsonaro. Em fevereiro do ano passado, quando o ex-presidente também foi à Paulista pedir anistia, ele reuniu cerca de 185 mil manifestantes, conforme a mesma contagem da USP. Já a Secretaria de Segurança Pública estimou 600 mil pessoas presentes. Neste ano, secretaria e Polícia Militar informaram que não haveria estimativa de público.

Após o ato esvaziado no mês passado, em Copacabana, no Rio, em que o mesmo grupo de pesquisa estimou público de 18,3 mil pessoas, bolsonaristas evitaram falar sobre a expectativa para São Paulo.

Batom

A manifestação foi marcada por referências à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou "Perdeu, mané", com batom, a estátua da Justiça, durante o 8 de Janeiro. Moraes propôs pena de 14 anos de prisão para ela, que está em prisão domiciliar.

Bolsonaro levou ao caminhão de onde discursou a mãe e a irmã da ré. "Não tenho adjetivo para qualificar quem condena uma mãe de dois filhos a pena tão absurda por um crime que ela não cometeu. Só um psicopata para falar que aquilo que aconteceu no dia 8 de janeiro foi tentativa armada de golpe militar", disse ele.

"A grande maioria do povo brasileiro entende as injustiças, e agora se socorre na nossa Câmara e no nosso Senado para fazer justiça. E a anistia é competência privativa do Congresso. Caso o projeto seja sancionado ou promulgado, vale a anistia. Estamos aqui impulsionados pelo episódio da Débora", declarou Bolsonaro.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) também discursou. Em alusão a Débora, ela convocou um "levante dos batons" por um perdão aos "presos injustiçados". A mulher de Bolsonaro disse que a cabeleireira deveria ser punida como um pichadora comum, a uma pena que não resultaria em prisão. "Não houve golpe", afirmou Michelle. "Não iremos desistir. Nosso Deus levantou Jair Messias Bolsonaro para cuidar da nossa Nação."

Câmara

Durante o ato, os manifestantes fizeram coro de "Fora, Moraes" e criticaram a condução da proposta de anistia pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Bolsonaro evitou esboçar reações. O pastor Silas Malafaia, por sua vez, atacou o deputado e afirmou que Motta está "envergonhando o honrado povo da Paraíba" por não se empenhar a favor do projeto de lei da anistia. Na semana passada, pressionado pela bancada do PL, o presidente da Câmara pediu "equilíbrio" a ações "sem mesquinhez".

Segundo o Placar da Anistia do Estadão, levantamento exclusivo para identificar como cada um dos 513 deputados se posiciona sobre o tema, 197 são a favor do perdão ao 8 de Janeiro. Esse número é mais do que o suficiente para garantir a apresentação da urgência do projeto no plenário da Casa.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para condenar Carlos Antônio Eifler, de 54 anos, por envolvimento nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. No julgamento em sessão virtual iniciado dia 28, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, sustentou que Eifler se associou a outros manifestantes no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília para praticar crimes contra o Estado Democrático de Direito.

A pena aplicada por Moraes é de um ano de reclusão pelo crime de associação criminosa, substituída por penas restritivas, incluindo 225 horas de prestação de serviços à comunidade, participação em curso sobre democracia, proibição de se ausentar da comarca e de usar redes sociais. A defesa de Eifler foi procurada pelo Estadão para comentar a decisão, mas não se manifestou.

Se condenado, o réu ainda deve pagar 20 dias-multa, no valor de meio salário mínimo cada, vigente na época dos fatos, totalizando cerca de R$ 13 mil. O valor indenizatório de R$ 5 milhões em danos morais coletivos também é cobrado do réu.

O caso de Eifler, que tem um pequeno negócio de pipocas registrado em seu nome desde 2020, foi mencionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante discurso para apoiadores neste domingo, 6, na Avenida Paulista. Em uma tentativa de falar em inglês, Bolsonaro afirmou que "popcorn and ice cream sellers sentenced for coup attempt in Brazil" ("pipoqueiros e sorveteiros são condenados por golpe de Estado no Brasil", em português), se referindo ao gaúcho de Lajeado, e a outro réu, Otoniel Francisco da Cruz, de 45 anos.

Segundo narra a denúncia, além de participar do acampamento golpista, Eifler passou "a incitar, publicamente, animosidade das Forças Armadas contra os demais Poderes da República". Conforme o pipoqueiro narrou em depoimento, ele chegou a capital em 8 de janeiro de 2023, por volta das 14h30, e foi direto ao acampamento com sua barraca, onde passou a noite. "Após terminar a parte da montagem das barracas, já era na parte da noite. Deste momento até a noite, nós não saímos do QG", disse em depoimento.

Moraes argumenta em seu voto que, mesmo tendo chegado ao acampamento com a estrutura já montada, o fato de Eifler aderir subjetivamente ao propósito ilícito difundido pela estrutura é suficiente para configurar o crime de associação criminosa. A defesa do pipoqueiro alega que ele não sabia sobre a invasão dos prédios dos Três Poderes, e que foi a Brasília participar de uma manifestação pacífica.

Os únicos ministros a divergirem de Moraes foram André Mendonça e Kássio Nunes Marques. Em seus votos, os magistrados questionaram a competência da Corte para julgar o réu, uma vez que ele não possui foro por prerrogativa de função. Também sustentaram que o Ministério Público Federal não individualizou suficientemente a conduta de Eifler, que se baseou, segundo os ministros, na mera presença do réu no acampamento. Por isso, votaram pela absolvição Eifler por insuficiência de provas.

Nas redes sociais, o pipoqueiro gaúcho acumula postagens em que se diz revoltado com o resultado das urnas em 2022, quando Bolsonaro perdeu as eleições para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de apoiar explicitamente a greve dos caminhoneiros, os acampamentos golpistas e pedir uma intervenção militar, comandada por Bolsonaro.

Os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Dias Toffoli, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux acompanharam o relator, sem registrar voto escrito. Até março deste ano, a Corte já condenou 434 envolvidos nos ataques golpistas.

O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), considera que o teor das críticas feitas ao presidente da Casa, Hugo Motta (União-PB), durante o ato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), neste domingo, 6, na Avenida Paulista, em São Paulo, deve sepultar planos de que um projeto de anistia vá à pauta de votações em plenário.

Para ele, a manifestação terá efeito oposto ao pretendido pelos apoiadores de Bolsonaro. Impulsionado pela repercussão da pena de 14 anos de prisão proposta à mulher que pichou com batom monumento do Supremo Tribunal Federal (STF), o protesto foi convocado com o objetivo de pressionar pela anistia dos envolvidos nos ataque de 8 de janeiro de 2023.

"Enterraram de vez o PL [projeto de lei] da Anistia. E o ataque a Hugo Motta vai isolá-los aqui na Câmara e tirar definitivamente esse projeto de uma possibilidade de ser pautada", afirmou o parlamentar.

O petista avaliou o ato como "fraco" por conta da adesão menor que a de outras manifestações convocadas por Boslonaro. Segundo o Monitor do Debate Público do Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), compareceram 44,9 mil pessoas. O levantamento é feito a partir de fotos aéreas do momento de pico da manifestação.

A menção mais dura feita a Hugo Motta partiu do pastor Silas Malafaia, um dos principais organizadores da manifestação deste domingo. O líder evangélico disse que o presidente da Câmara está "envergonhando o honrado povo da Paraíba" ao não se empenhar no andamento do projeto.

Lindbergh Farias entende que a pressão pretendida pelos bolsonaristas sobre Motta não deve surtir efeito. "Quem conhece o Hugo Motta, presidente da Câmara, acha mesmo que depois desses ataques, dessas grosserias, ele vai pautar o projeto?", questionou Lindbergh.