Investigação aponta que pilotos desligaram o motor errado em acidente aéreo na Coreia do Sul

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Os resultados iniciais de uma investigação sobre o acidente aéreo da Jeju Air, que deixou 179 mortos em dezembro do ano passado na Coreia do Sul, mostraram que, embora os dois motores do avião tenham sofrido ataques de pássaros, os pilotos desligaram o motor menos danificado pouco antes do pouso forçado.

A descoberta, que implicou em erros humanos, gerou protestos rápidos e veementes de familiares e colegas das vítimas, que acusam as autoridades de tentar transferir a responsabilidade pelo desastre para os pilotos mortos.

O Conselho de Investigação de Acidentes Ferroviários e de Aviação da Coreia do Sul planejou inicialmente divulgar os resultados da investigação dos motores do avião no último sábado, 19, mas foi forçado a cancelar a coletiva de imprensa diante dos fortes protestos dos parentes das vítimas do acidente, que foram informados das descobertas no início do dia, de acordo com funcionários do governo e familiares dos mortos.

"Se eles querem dizer que a investigação foi feita de maneira confiável e independente, deveriam ter apresentado evidências que sustentassem sua explicação", disse Kim Yu-jin, chefe de uma associação de famílias que perderam seus entes queridos. "Nenhum de nós está ressentido com os pilotos."

O Boeing 737-800 operado pela Jeju Air aterrissou de barriga para baixo sem o trem de pouso acionado no Aeroporto Internacional de Muan, no sul da Coreia do Sul, em 29 de dezembro de 2024. Ele ultrapassou uma pista, bateu em uma estrutura de concreto e explodiu em chamas. Foi o desastre mais mortal da história da aviação da Coreia do Sul em décadas: apenas duas entre as 181 pessoas a bordo sobreviveram.

Uma cópia de um relatório informativo não publicado, obtido pela agência de notícias Associated Press, mostra que uma equipe de investigação multilateral liderada pela Coreia do Sul disse que não encontrou defeitos nos motores do avião fabricados pela francesa Safran e pela GE.

O relatório afirma que exames minuciosos dos motores revelaram que o motor direito do avião sofreu danos internos mais sérios após os ataques das aves, pois foi envolvido por grandes incêndios e fumaça preta. No entanto, os pilotos desligaram o motor esquerdo do avião, segundo o relatório, citando sondas no gravador de voz da cabine, no gravador de dados de voo e nos exames dos motores.

As autoridades disseram anteriormente que as caixas-pretas do jato Boeing pararam de gravar cerca de quatro minutos antes do acidente, complicando as investigações sobre a causa do desastre. O gravador de voz da cabine de pilotagem e o gravador de dados de voo citados no relatório informativo referem-se aos dados armazenados antes da interrupção da gravação.

O relatório não informou por que os pilotos desligaram o motor menos danificado e não disse se foi um erro dos pilotos.

Famílias de luto e colegas pilotos criticam a investigação

As famílias de luto e os pilotos da Jeju Air e de outras companhias aéreas criticaram os resultados da investigação, dizendo que as autoridades devem divulgar o gravador de voz da cabine e o gravador de dados de voo.

"Nós, os 6,5 mil pilotos de companhias aéreas civis, não conseguimos conter nossa raiva fervente contra o argumento absurdo do Conselho de Investigação de Acidentes Ferroviários e de Aviação, que perdeu a neutralidade", disse a Aliança Coreana de Sindicatos de Pilotos em um comunicado nesta terça-feira, 22.

Os pilotos sindicalizados da Jeju Air também emitiram uma declaração pedindo às autoridades que apresentem provas científicas que demonstrem que o avião deveria ter aterrissado normalmente se tivesse voado com o motor menos danificado.

O último relatório concentrou-se apenas nos problemas do motor e não mencionou outros fatores que também poderiam ser responsabilizados pelo acidente. Entre eles está a estrutura de concreto contra a qual o avião se chocou. Ela abrigava um conjunto de antenas, chamadas de localizadores. Elas são projetadas para orientar as aeronaves com segurança durante os pousos. Muitos analistas dizem que elas deveriam ter sido feitas com materiais mais fáceis de quebrar.

Alguns pilotos dizem suspeitar que o governo não gostaria de culpar os localizadores ou os ataques de pássaros pelas mortes em massa, já que o aeroporto de Muan está sob a administração direta do Ministério dos Transportes.

O Conselho de Investigação de Acidentes de Aviação e Ferroviários e o Ministério dos Transportes não ofereceram nenhuma resposta pública às críticas. Eles disseram que também não discutirão publicamente as investigações do motor para respeitar as exigências das famílias de luto.

Uma pessoa familiarizada com a investigação disse à reportagem que as autoridades estão analisando os localizadores e outras questões, entre elas se os controladores de tráfego aéreo transmitiram o perigo de ataques de pássaros aos pilotos com rapidez suficiente e qual treinamento de emergência a Jeju Air ofereceu aos pilotos.

A fonte, que pediu anonimato citando a natureza delicada da investigação, disse que os oficiais planejavam anteriormente divulgar os resultados das investigações depois de analisar várias questões, mas mudaram o plano e tentaram divulgar o resultado das investigações do motor a pedido das famílias das vítimas.

Ela disse que as autoridades não pretendem atribuir a responsabilidade pelo desastre aos pilotos e devem publicar os resultados finais da investigação até junho do ano que vem.

Mas Kwon Bo Hun, reitor da Faculdade de Aeronáutica da Universidade do Extremo Oriente na Coreia do Sul, chamou o anúncio planejado pelo governo de "desajeitado" porque não divulgou as evidências que sustentavam sua conclusão sobre os pilotos. Ele disse que apenas irritou "partes emocionais de nós o fato de a investigação colocar toda a culpa em pessoas mortas".

Um ex-ministro dos Transportes, que se tornou professor universitário, contatado pela reportagem, disse que o relatório da investigação do motor deve ser "confiável", pois se baseia em uma análise dos gravadores de voz da cabine e de dados de voo que "não mentem". Ele falou sob condição de anonimato, citando a natureza delicada da questão.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se tornou alvo de críticas da oposição após afirmar, durante uma agenda oficial na Indonésia nesta sexta-feira, 24, que "traficantes são vítimas dos usuários também".

Durante o evento, Lula afirmou que o enfrentamento ao tráfico de drogas deve incluir também o combate ao consumo interno.

"Toda vez que a gente fala de combater as drogas, possivelmente fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente, os usuários. Os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também", declarou o presidente. Após a repercussão, Lula foi às redes sociais dizer que a fala foi "mal colocada".

A fala gerou reações imediatas entre parlamentares da oposição. O senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro, ironizou a declaração.

"Os traficantes são vítimas dos usuários, os assaltantes são vítimas dos assaltados, os assassinos são vítimas dos mortos, os estupradores são vítimas das violentadas e por aí vai. Presidente Lula, vítima é o povo brasileiro dessa visão em que as vítimas são culpadas e os culpados são vítimas", escreveu o senador nas redes sociais.

O líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), afirmou que a fala de Lula é "inacreditável"."O homem que governa o país defende quem destrói famílias, quem enche os cemitérios e quem espalha violência nas ruas. Para ele, o bandido é vítima e o cidadão de bem é o culpado", declarou o parlamentar.

Na mesma linha, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) ironizou as declarações do presidente e afirmou que, "daqui a pouco, o PCC vira ONG".

"Lula acaba de anunciar que traficantes são vítimas dos usuários. No ritmo que vai, daqui a pouco o PCC vira ONG".

O governador Ronaldo Caiado também criticou Lula. "Como é que um país, como é que um cidadão de bem pode votar num homem desse? Onde é que nós estamos chegando? Um cidadão que defende explicitamente o traficante, o bandido. Veja bem o que é que nós estamos vivendo", disse Caiado no podcast 3 Irmãos.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou nesta sexta-feira, 24, estar preparado para assumir novos desafios em âmbito estadual, ainda que "deseje concluir o mandato". Embora negue publicamente, nos bastidores o prefeito é tratado como pré-candidato ao governo paulista, caso o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) decida disputar a Presidência da República em 2026.

"Eu, sinceramente, desejo concluir o mandato, mas, se algum desafio vier pela frente, eu vou estar sempre às ordens pra poder trabalhar pela nossa cidade e pelo nosso Estado", disse Nunes ao receber o Colar de Honra ao Mérito Legislativo na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

Durante a homenagem a ele, o prefeito exaltou Tarcísio como um "grande amigo" e fez relatos sobre o estreitamento da relação entre ambos durante a campanha de reeleição em 2024. Ele recordou que manteve-se na liderança das pesquisas do início. Em determinado momento, porém, percebeu que o influenciador Pablo Marçal (PRTB) começava a crescer nas intenções de voto. Diante disso, Tarcísio o alertou sobre a necessidade de intensificar o ritmo.

"Depois do resultado [...], o Tarcísio chega pra mim e fala o seguinte 'Eu não te falei, mas durante a campanha eu descobri o tumor. Eu precisaria fazer a retirada pra fazer a biópsia, para saber se era maligno ou benigno. Mas na campanha não dava para parar, a gente não podia perder", continuou Nunes. "Tarcísio, no cargo de governador, deixou de fazer o seu exame de câncer... E Deus é tão grande que, graças a Deus, ele se internou, fez a biópsia e não era câncer maligno."

Em viagem pelo interior desde quarta-feira, 22, para cumprir agenda de governo, Tarcísio não compareceu à cerimônia. A solenidade contou com figuras como o presidente da Alesp, André do Prado (PL), e o ex-governador Rodrigo Garcia (sem partido).

Ao discursar, Garcia afirmou que Nunes ainda terá "muitos desafios" pela frente e que São Paulo, o Estado e o País "vão agradecer" por sua permanência na vida pública. Segundo o ex-governador, "quem administra a cidade de São Paulo está preparado para qualquer coisa".

Eduardo Appio, juiz federal no Paraná que assumiu a cadeira do ex-juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato, será investigado por uma suposta tentativa de furto de três garrafas de champanhe francesa Möet&Chandon em um supermercado de Blumenau, Santa Catarina. Cada garrafa pode custar até R$ 500. Procurado pelo Estadão, o juiz disse que o advogado dele vai explicar o "mal entendido".

A investigação será por meio de um procedimento disciplinar conduzido pela Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), sediado em Porto Alegre (RS). O caso aconteceu na quarta-feira, 22, e teria sido flagrado por câmeras de segurança.

O TRF4 informou que 'não se manifestará por ora'. O Estadão apurou que a Polícia Civil de Santa Catarina oficiou a Corte nesta quinta-feira, 23, comunicando detalhes da ocorrência e que os 'procedimentos cabíveis serão feitos, mas sob sigilo por se tratar de magistrado'.

Atuação na Lava Jato

Eduardo Appio se notabilizou quando assumiu a cadeira do ex-juiz Sérgio Moro, hoje senador, na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, berço da Operação Lava Jato. Appio ocupou por três meses a cadeira.

Ele herdou ações remanescentes da operação que ainda não havia sido dizimada pelo Supremo Tribunal Federal. Em meio à condução de processos envolvendo alvos da Lava Jato, Appio fez acusações graves aos trabalhos de Moro e também do então procurador da República Deltan Dallagnol, artífices da investigação que derrubou um esquema de corrupção e cartel na Petrobras (2003/2014).

Livro detona a Lava Jato

O juiz federal investigado escreveu o livro 'Tudo por dinheiro: a ganância da Lava Jato'. "Eu mal tinha tempo de realizar as muitas audiências", narra no livro. "Os lavajatistas operam no TRF da 4ª Região como uma verdadeira rede, quase como uma organização criminosa."

O TRF4 funcionou como a Corte de apelação da Lava Jato. Os recursos contra as decisões emanadas da 13.ª Vara de Curitiba tinham como destino o TRF4.

A obra é uma mistura de passagens biográficas, anedotas, relatos de bastidores e análises do sistema de Justiça, especialmente sobre os métodos da Operação Lava Jato.

Eduardo Appio nunca escondeu que discorda da forma como a investigação foi conduzida. As críticas atravessam toda a obra, acompanhadas de comentários sobre momentos-chave da operação.

Capítulo reservado para Moro

No livro, um capítulo inteiro é reservado a Moro, o protagonista da Lava Jato. Esse trecho é intitulado "Como Moro politizou o Judiciário". Os comentários endereçam desde as camisas pretas que o ex-juiz tinha o hábito de usar até sua tese de doutorado.

Em uma passagem, Eduardo Appio relembra que, ao assumir a cadeira de titular da 13.ª Vara de Curitiba, teve enorme dificuldade de se localizar no acervo de processos: "De um ponto de vista objetivo, Sérgio Moro, sem dúvida, é o pior gestor que conheci. Em vez de dar alguma organicidade aos processos, ele criou um verdadeiro cipoal, em que juízes, advogados, assessores, que fossem, se perdiam. Isso parece ter sido feito de forma dolosa, para atender a interesses pessoais."

Procurado pelo Estadão, na ocasião do lançamento do livro, o senador afirmou que a opinião de Eduardo Appio 'não tem credibilidade'. Segundo Moro, seu desafeto tem 'um comportamento extravagante que revela no mínimo falta de caráter e desequilíbrio mental'.

Queda após investigação informal

O livro foi escrito por Salvio Kotter a partir de 30 horas de entrevistas com o magistrado. Em um trecho, ele diz que: "A Vara de Curitiba é extremamente vigiada, qualquer deslize é fatal."

Appio conduziu processos remanescentes da investigação, entre fevereiro e maio de 2023, mas foi transferido depois de tentar investigar informalmente a relação entre o desembargador Marcelo Malucelli e Moro.