Com Brics, G-20 e ONU, Lula tenta recuperar imagem internacional

Política
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
Depois dos tropeços em política externa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou de Nova York com uma foto ao lado do ucraniano Volodmir Zelenski, uma parceria com o americano Joe Biden e um discurso aplaudido na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Com isso, o petista conseguiu encerrar uma sequência de agendas internacionais quase seguidas - Cúpula do Brics, G-20 e ONU - com um saldo positivo, que precisa ser combinado à sinalizações internas para que, de fato, a melhora na imagem do Brasil lá fora possa ser revertida em benefícios concretos, avaliam diplomatas e analistas ouvidos pelo Estadão.

Com uma série de viagens, em especial as mais recentes, o novo governo tenta reinserir o Brasil na arena internacional, depois do espanto causado pela conturbada política externa do antecessor Jair Bolsonaro. O movimento, até agora, tem sido positivo, segundo analistas, apesar das declarações polêmicas sobre a guerra na Ucrânia, que criou ruídos com Estados Unidos e Europa.

Agora, enquanto o Brasil melhora a imagem lá fora, o País tem a ganhar, efetivamente, se focar nas pautas em que é considerado um ator influente, como meio ambiente e energias renováveis. Um bom exemplo dos retornos possíveis veio na cúpula do G-20, com o lançamento da Aliança Global dos Biocombustíveis liderada por Brasil, Estados Unidos e Índia, os maiores produtores do mundo. A iniciativa, que tem o objetivo de incentivar a produção e o consumo de combustíveis menos poluentes, conta mais 16 países e tende a abrir portas para a produção brasileira de etanol ao fortalecer o mercado global de biocombustíveis.

Apesar de promissora, a ideia não é inédita. Uma parceria pelo etanol chegou a ser lançada junto com o então presidente americano George W. Bush, em 2007, mas praticamente não rendeu efeitos práticos. Para evitar que, mais uma vez, o fomento aos biocombustíveis fique apenas no papel, o Brasil precisa combinar sinalizações robustas tanto na política externa, como na política interna, sugere o diplomata Rubens Barbosa.

"O problema é a implementação de tudo isso eu acho que o governo, tanto na economia quanto na política externa, está sem uma visão de médio e longo prazo", contextualiza o ex-diplomata ao dizer que agora começa a vislumbrar um horizonte no momento em que o Brasil sinaliza uma política mais focada.

A ideia foi corroborada pelo diplomara Roberto Abdenur. "Na medida em que a política externa se apresenta de maneira mais equilibrada, como creio que está começando a acontecer e, na medida em que a política econômica tiver êxito, o Brasil se torna um país muito atrativo para investimentos externos, principalmente, mas não só na área de energia", prevê o ex-diplomata.

Crítico contundente da política externa do ex-presidente Jair Bolsonaro, Abdenur acredita que, de modo geral, a nova fase da política externa tem contribuído para que o País conseguisse "virar a página mais rápido que o esperado". Com isso, tem ganhando pontos em em "imagem, credibilidade e protagonismo" na política externa. Nesse contexto, o diplomata foi enfático ao dizer que o presidente acertou no discurso, que definiu como "excelente".

Ambos concordam que a apresentação do presidente na Assembleia-Geral da ONU trouxe sinais positivos à medida em que buscou mostrar quais são os interesses do Brasil na agenda internacional e como o País pode ser influente em problemas globais, como o combate à fome, a crise climática e o desenvolvimento.

Nesse sentido, destaca-se também a parceria lançada com o presidente Joe Biden na área trabalhista. A iniciativa, que defende o trabalho digno diante dos desafios impostos pelas transformações no setor produtivo foi vista por analistas, no primeiro momento, como um aceno às bases de Lula e Biden dentro dos seus próprios países. Mesmo assim, projeta um papel de liderança que pode, se bem aproveitado, aumentar o poder de barganha no cenário internacional.

"Qualquer aliança em que o Brasil possa ser visto como um líder, possa propor normas é positiva. Tanto o acordo com os Estados Unidos para melhoras as condições do trabalho quanto a aliança para fomentar o etanol. A Índia passou o Brasil na produção de cana-de-açúcar enquanto os EUA tem uma grande produção derivada do milho então nós temos grandes atores convergindo", avalia o professor de relações internacionais da FAAP Vinícius Vieira.

Ações precisam de 'credibilidade'

Essa busca por maior influência na agenda internacional, no entanto, não é isenta de erros. A maior parte deles se refere a guerra na Ucrânia, com declarações polêmicas do petista, que criou ruídos com Estados Unidos e Europa ao sugerir que os aliados de Kiev dão continuidade ao conflito com o fornecimento de armas.

Foi justamente ao falar sobre o autor da guerra, o presidente russo Vladimir Putin, que o petista comprometeu o saldo considerado positivo das suas últimas agendas internacionais, durante a cúpula do G-20, na Índia. Enquanto Putin se esquiva de fóruns internacionais para evitar o mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional, Lula disse que o russo poderia vir ao Brasil sem medo. Pressionado pela declaração, sugeriu que o País poderia deixar o TPI, que o próprio petista já defendeu em outras ocasiões, e a emenda, nesse caso, saiu pior que o soneto.

Já na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Lula fugiu da polêmica e citou a guerra de forma lateral como reflexo da "incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU", perdendo a oportunidade de se manifestar de forma mais contundente sobre o conflito.

Para Roberto Abedenur, falta ao petista incorporar em suas declarações os princípios da política externa brasileira que, inclusive levaram o País a condenar a Rússia em votações na própria ONU. "Eu considero muito ruim que o Brasil não tenha sido até agora em nenhuma aspecto solidário com a Ucrânia, vítima de uma guerra terrível", aponta o embaixador ao sugerir que o governo, poderia mandar ajuda humanitária à Kiev, inclusive, em consideração à comunidade ucraniana no Brasil.

A foto sem sorrisos ao lado do presidente Volodmir Zelenski, que já rebateu publicamente as falas de Lula em diferentes ocasiões, é uma imagem que traduz como a guerra continua sendo uma questão. O diplomata Rubens Barbosa viu a reunião como um encontro de conveniência em que cada um ouviu o que o outro tinha a dizer e guardou para si as próprias posições.

Mesmo assim, o encontro com Zelenski pode contribuir para amenizar as críticas à medida em que sinaliza uma disposição para dialogar com os dois lados do conflito. "Pode indicar para comunidade internacional uma sinalização de que o Brasil não está tão alinhado assim às autocracias e está, de fato, procurando de equilibrar buscando os próprios interesses", avalia o professor de relações internacionais da FAAP, Vinícius Vieira.

Para passar esse recado, é preciso que os sinais sejam contínuos, diferente do que aconteceu nessa última série de viagens. O petista aproveitou o encontro do Brics, na África do Sul, para fazer o aceno ao citar em discurso a guerra na Ucrânia - assunto incômodo para um bloco com a Rússia, que foi ignorado nas falas dos outros líderes e recebeu apenas uma menção breve, discreta e vaga de "apreço" ao diálogo na declaração final. O problema foi que, logo em seguida, no G-20, Lula voltou a causar polêmica com a fala com a fala sobre o TPI e então tentou equilibrar na Assembleia-Geral da ONU.

"O discurso certamente foi um passo para recalibrar [a posição sobre a Ucrânia] e acho que foi bem visto pelo Ocidente, mas não tenho certeza ser já é o suficiente. Ações em relações internacionais precisam de um pouco mais de credibilidade, de padrão", pondera a professora de relações da FGV Carolina Moehlecke.

Equilíbrio no "sul global"

O discurso em Nova York foi oportuno para reapresentar a política externa no momento em que o alinhamento do Brasil era motivo de dúvidas. Na África do Sul, o país cedeu à pressão da China pela ampliação do Brics, que acendeu o alerta para o caráter antiocidental do bloco dos emergentes, com a entrada de autocracias, como Irã e Arábia Saudita.

"O Brasil não deveria ter concordado com o aumento do número de Países-membros do Brics, deveria ter mantido a posição para ficar com o grupo fechado, com os cinco países", reforça Barbosa.

Apesar das preocupações com o bloco expandido, analistas ouvidos pelo Estadão entendem que seria difícil para o Brasil barrar a vontade de Pequim pelo desequilíbrio de poder que a ascensão da China como superpotência criou dentro do Brics.

Agora, diante do sabor "agridoce" que teve a cúpula, o professor Vinícius Vieira acredita que é possível adotar uma abordagem pragmática para fortalecer parcerias econômicas dentro do novo Brics. A avaliação que ele faz é que, a expansão do Brics representou no primeiro momento uma derrota para o Brasil, mas pode abrir oportunidades a serem exploradas com investimentos dos novos membros.

"As violações de direitos humanos devem ser condenadas, mas, gostemos ou não dessas autocracias, o fato é que, sobretudo Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos tem capital [para investir]. O próprio Irã é um país que, do ponto de vista pragmático, pode ser interessante como mercado consumidor, já que é muito fechado. Os europeus não seguem as sanções americanas então por que o Brasil haveria de seguir?", questiona o professor.

Nesse contexto de polarização e tensão internacional, o pragmatismo é fundamental para que o País consiga aproveitar as vantagens de ser parte do chamado "sul global" sem queimar pontes com o Ocidente. Um equilíbrio difícil, mas que, se bem sucedido deixa o Brasil em posição privilegiada.

"É preciso tirar vantagem dessa condição única como um ator a ser cortejado, por assim dizer, porque, os Estados Unidos sabem que, se não trouxerem o Brasil para o seu campo, tem o risco de aproximação com a China, o risco de preferir o Brics, então é preciso tentar extrair o máximo de concessões pelo menos enquanto esses dois lados não se tornam opostos ao ponto de não falar entre si", conclui Vieira.

Em outra categoria

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, pediu mais uma vez nesta sexta-feira, 14, que os Estados Unidos instalem armas nucleares no país. De acordo com ele, isso fortaleceria a segurança polonesa ante a Rússia.

Para Duda, a Polônia, que faz fronteira com a Ucrânia, corre o risco de ser o próximo país a ser ameaçado pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, após a guerra no país vizinho - que está em negociação para chegar ao fim.

Duda, que também é comandante-chefe das forças armadas polonesas em rápida expansão, afirmou que a Rússia de hoje é pelo menos tão agressiva quanto a antiga União Soviética. Ele condenou o que chamou de ganância imperial de Moscou.

O presidente polonês, que já havia pedido antes o envio de armas nucleares, disse ao jornal Financial Times que conversou com o enviado especial dos EUA para a Ucrânia, Keith Kellogg, sobre o plano. Ele chamou de "óbvio" o poder do presidente americano Donald Trump de mover as ogivas nucleares na região, se desejar. "As fronteiras da Otan avançaram para o leste em 1999. 26 anos depois, a infraestrutura também deveria se deslocar para o leste", declarou.

Embora o presidente polonês tenha ciência de que o Kremlin o posicionamento de armas nucleares mais próximo de seu território como uma provocação, ele enxerga a proposta como uma medida defensiva para fortalecer a dissuasão.

Para o presidente, a proposta é uma resposta a ações de Moscou, que deslocou parte de seu arsenal nuclear para Belarus em 2023 - e, portanto, mais próximo do território da Otan, a aliança de países ocidentais. "Essa tática defensiva é uma resposta vital ao comportamento da Rússia, realocando armas nucleares na área da Otan", disse o líder polonês a outro jornal estrangeiro, a BBC.

Duda também acolheu as propostas feitas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, para estender o escopo das armas nucleares francesas a outros membros da Otan. O primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, já havia elogiado a proposta do líder francês.

Desde o início da guerra, a Polônia tem sido o país da Otan que mais reserva gastos para fortalecer a defesa, investindo 5% do seu PIB. Isso supera até mesmo os Estados Unidos, o principal financiador da Ucrânia no conflito.

Questionado pela BBC sobre como o arsenal nuclear americano fortaleceria sua defesa, Duda afirmou que isso aprofundaria o compromisso dos EUA com a segurança do país. "Todo tipo estratégico de infraestrutura, americana e da Otan, que temos em nosso solo fortalece a inclinação dos EUA e da Otan para defender este território", disse.

Os americanos já deslocaram 10 mil tropas para a Polônia desde o início da guerra.

Negociações em torno da guerra

Ao contrário de outros líderes europeus, que expressam preocupações com a posição de Donald Trump com relação à guerra, o presidente polonês afirmou que não considera que haja um desequilíbrio pró-Moscou nas negociações. À BBC, ele disse que está confiante de que o presidente americano tem um plano, como dito por ele mesmo, para "encorajar o lado russo a agir de forma razoável".

Duda também disse que não conseguia imaginar Trump dando uma guinada em relação ao compromisso que assumiu durante a reunião do mês passado sobre manter as tropas americanas na Polônia. "Preocupações quanto aos EUA retomarem sua presença militar da Polônia não são justificadas. Somos um aliado confiável para os EUA e eles também têm seus próprios interesses estratégicos aqui", disse ele.

O presidente ainda rejeitou a proposta de Donald Tusk sobre a Polônia construir seu próprio arsenal nuclear, dita na semana passada. Segundo ele, levaria anos para que isso fosse possível.

O Hamas escolheu responder a uma proposta "ponte" para estender o cessar-fogo em Gaza até abril com uma reivindicação pública de flexibilidade, enquanto faz exigências privadas que são totalmente impraticáveis sem um cessar-fogo permanente, de acordo com o governo norte-americano.

"O Hamas está fazendo uma aposta muito ruim de que o tempo está do seu lado. Não está. O Hamas está bem ciente do prazo e deve saber que responderemos adequadamente se esse prazo passar", diz uma declaração assinada pelo enviado especial da Casa Branca para o Oriente Médio, Steve Witkoff, e o oficial do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Eric Trager.

De acordo com os representantes, sob a proposta de "ponte", o Hamas libertaria reféns vivos em troca de prisioneiros em conformidade com fórmulas anteriores.

A fase um do cessar-fogo seria estendida para permitir a retomada de assistência humanitária significativa, enquanto os EUA trabalhariam para uma solução duradoura para o conflito.

"Por meio de nossos parceiros do Catar e do Egito, o Hamas foi informado em termos inequívocos que essa 'ponte' teria que ser implementada em breve - e que o cidadão americano e israelense Edan Alexander teria que ser libertado imediatamente", segundo a nota.

O presidente da França, Emmanuel Macron, disse nesta sexta-feira, 14, que a Rússia deve aceitar a proposta feita pelos EUA, e já aprovada pela Ucrânia, de um cessar-fogo de 30 dias.

"A agressão russa na Ucrânia deve acabar. Os abusos devem acabar. As declarações dilatórias também", escreveu Macron na rede social X.

O presidente francês afirmou que conversou hoje com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, após o progresso alcançado na reunião entre os EUA e a Ucrânia em Jeddah, na Arábia Saudita, na terça-feira.

"Amanhã, continuaremos trabalhando para fortalecer o apoio à Ucrânia e por uma paz forte e duradoura", acrescentou Macron.