Itália avança com lei que pode impedir Jair Bolsonaro de ter cidadania local

Política
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

Uma proposta de emenda em tramitação no parlamento da Itália pode fazer com que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) perca a possibilidade de ser um cidadão italiano. Aprovada em primeiro turno nesta última quinta-feira, 26, o texto de autoria do deputado esquerdista Angelo Bonelli, integrante do parlamento do país, sugere a proibição dos vistos permanentes para pessoas condenadas por conspiração política e crimes contra o Estado.

 

Na Itália, o direito à cidadania é garantido por ascendência. O ex-presidente é neto de italianos e atualmente tem a possibilidade legal de se tornar ítalo-brasileiro. Em janeiro, quando estava nos Estados Unidos, Bolsonaro disse que "pela legislação", seria cidadão do país europeu.

 

"Minha família é de Pádua (província na Itália). Pela legislação, eu sou italiano. Tenho avós nascidos na Itália. A legislação de vocês diz que eu sou italiano", disse em declaração dada a jornalista do jornal italiano Corriere Della Sera, em Orlando (EUA).

 

Após a declaração de Bolsonaro, Bonelli, que é filiado ao partido Verdi e Esquerda, pediu para que o governo italiano não concedesse a cidadania ao ex-presidente e seus filhos, chamando-os de "golpistas". "Sem cidadania para os filhos de Bolsonaro e para o ex-presidente. Sem cidadania para os golpistas", afirmou.

 

Bonelli também pressionou o chanceler da Itália, Antonio Tajani, a informar se o ex-presidente havia entrado com um pedido de nacionalidade no país. O Estadão procurou a assessoria do ex-chefe do Estado para questionar se ele havia feito uma solicitação neste ano, mas não obteve retorno.

 

A emenda do deputado está incluída em um projeto de lei italiano que endurece as penas de crimes contra a mulher. A proposta estabelece que estrangeiros condenados por violência de gênero devem ter a cidadania negada, e inclui também os crimes de conspiração política e crimes contra o Estado.

 

"O governo se compromete em avaliar a oportunidade de rejeitar o pedido de cidadania italiana, fazendo as alterações legislativas apropriadas da lei 91 de 5 de fevereiro de 1992, para os condenados, inclusive no Exterior, por crimes de violência doméstica, violência contra a mulher, crimes de terrorismo, por crimes de violência sexual e pedofilia, por crimes de crime organizado, por crimes de tráfico de drogas, por crimes visando conspiração política e contra o Estado", determina a lei.

 

A proposta foi aprovada em primeiro turno por 191 votos a favor e seis contrários. Para entrar em vigor, ela precisa ainda passar por um segundo turno, que não tem previsão de ser realizado. Considerando o placar da última quinta-feira, a expectativa é que o projeto avance e entre em vigor.

 

Durante a sessão no parlamento italiano, o deputado deixou claro que a emenda se inspirava no ex-presidente brasileiro. "Quando estava pensando no texto da emenda, o caso Bolsonaro me veio à mente. A Itália não pode permitir que pessoas que tenham conspirado contra o Estado possam ter a cidadania reconhecida. Isso não faz bem para nossa democracia", afirmou.

 

Bolsonaro não foi condenado pelos crimes previstos pela emenda de Bonelli. Atualmente, o ex-presidente é investigado pela Polícia Federal (PF) por supostamente arquitetar um golpe de Estado. No último dia 18, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro aprovou um relatório que pediu o indiciamento de Bolsonaro por associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

 

Caso o ex-presidente permaneça sem débitos com a Justiça por crimes contra o Estado e solicite a sua cidadania italiana, ele não será impedido. O mesmo acontecerá se ele for condenado mas sem o vigor da proposta.

 

Ser um ex-chefe de Estado não concede imunidade

 

De acordo com Ana Flávia Velloso, especialista em direito internacional pela Universidade de Brasília (UnB), caso seja futuramente condenado com a emenda de Bonelli em vigor, a condição de ser um ex-chefe de Estado não o isentaria do impedimento de ter uma nacionalidade italiana.

 

"As imunidades alcançam o chefe de Estado e não o ex-chefe de Estado. Além disso, essas imunidades não tem a ver com a questão da nacionalidade. As leis relativas à nacionalidade são da soberania exclusiva do Estado. Cada Estado decide quem são os seus nacionais, criando os seus próprios critérios", afirma.

 

Segundo a especialista, caso exista um cenário que prejudique o ex-presidente, Bolsonaro será impedido de obter a sua cidadania italiana por órgãos responsáveis pela entrega de nacionalidades.

 

Bolsonaro foi agraciado com cidadania honorária em vila italiana

 

Em outubro de 2021, quando ainda era presidente da República, Bolsonaro foi agraciado com o título de cidadão honorário da pequena vila de Anguillara Veneta, onde moraram os seus antepassados.

 

A concessão do título a Bolsonaro dividiu opiniões no país. A responsável por conceder a honraria foi a prefeita da cidade, Alessandra Buoso, que é filiada a um partido de extrema direita do país. Nas ruas da vila, moradores fizeram protestos contra o ex-presidente, mencionando a sua postura durante a pandemia de covid-19.

 

A especialista em direito internacional explica que a homenagem não possui fundamentos jurídicos que se equivalem a uma concessão de nacionalidade. Desta forma, o fato de ser um cidadão honorário da vila não garante direitos que podem o transformar em um cidadão italiano.

Em outra categoria

A pressão sobre o chefe do Pentágono, Pete Hegseth, aumentou na segunda-feira, 21, após relatos de um segundo bate-papo online no aplicativo Signal, usado por ele para discutir operações militares secretas.

O deputado Don Bacon se tornou o primeiro congressista republicano a pedir a renúncia de Hegseth.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reafirmou seu apoio ao secretário da Defesa, Pete Hegseth após o The New York Times reportar que ele havia compartilhado planos militares para o ataque ao Iêmen em grupo com familiares no aplicativo de mensagens Signal.

Anteriormente, a revista The Atlantic havia publicado que o seu editor-chefe Jeffrey Goldberg havia sido incluído por engano em outro grupo do Signal, em que a cúpula da Casa Branca discutia a ofensiva contra os rebeldes houthis.

As autoridades americanas negam que as informações compartilhadas por Pete Hegseth fossem confidenciais enquanto reforçam o seu apoio ao secretário de Defesa, atribuindo as notícias a ex-funcionários insatisfeitos com as mudanças no Pentágono.

Ao falar com repórteres no gramado da Casa Branca, onde participava das celebrações de Páscoa, Trump reafirmou a confiança em Hegseth e minimizou as preocupações sobre o vazamento de planos militares como "perda de tempo".

"Ele está fazendo um excelente trabalho. Perguntem aos houthis como ele está se saindo", disse o presidente, referindo-se ao grupo rebelde, que é apoiado pelo Irã e foi alvo dos ataques dos Estados Unidos.

De acordo com o NYT, o secretario de Defesa americano compartilhou detalhes sobre os ataques em 15 de março, antes que os bombardeios fossem lançados, em grupo que incluía a mulher, o irmão e o advogado pessoal de Pete Hegseth.

Os detalhes compartilhados no grupo eram essencialmente os mesmos que Hegseth enviou, no mesmo dia, em outro grupo do Signal que, por engano, incluía o editor da revista The Atlantic.

Pete Hegseth se mostrou furioso com a matéria do NYT, que atribuiu a "difamações anônimas de ex-funcionários descontentes sobre notícias antigas".

Ao chegar para as celebrações de Páscoa com a família, ele apontou para os repórteres e os chamou de "farsantes". Na sequência, se voltou para os filhos pequenos, que estavam ao fundo. "Essas crianças aqui, são o motivo pelo qual estamos lutando contra a mídia de notícias falsas", disse.

Em resposta às críticas do governo, um porta-voz disse que o NY Times tem confiança na precisão da reportagem e destacou que o Pentágono "não negou a existência do grupo de mensagens".

Embora as autoridades americanas tenham insistido que nenhuma informação confidencial foi compartilhada no grupo, o NY Times disse que isso não vem ao caso porque a sua reportagem "não caracterizou a informação como confidencial".

Trump e Hegseth conversaram por telefone na noite de domingo. Segundo uma fonte informada sobrea a ligação, o presidente disse ao seu secretário que "delatores ressentidos" seriam culpados pela reportagem e reafirmou que o apoiava.

Essa ideia de que delatores ressentidos estariam por trás da reportagem foi reforçada pela secretária de imprensa da Casa Branca Karoline Leavitt em entrevista ao Fox & Friends, programa da Fox News que era apresentado por Pete Hegseth. "É isso que acontece quando todo o Pentágono está trabalhando contra você e contra as mudanças monumentais que você está tentando implementar", disse. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

Dos peronistas ao libertário Javier Milei, o papa Francisco teve relações tensas com presidentes da Argentina. Alvo da politização, ele acabou se distanciado do seu país de origem e morreu sem nunca ter retornado a Buenos Aires.

A disputa envolvendo o líder católico ganhou novos contornos quando Javier Milei o insultou como "imbecil" e "representante do maligno na Terra" durante as eleições. O libertário, contudo, não foi o único líder argentino a criticar o papa, que tinha relações delicadas com a política.

Embora tenha recebido todos os presidentes no Vaticano, Francisco morreu sem ter visitado a Argentina enquanto papa por temer que o seu retorno fosse usado politicamente - por um lado ou pelo outro.

Relação com presidentes argentinos

A relação espinhosa do papa com a política argentina vem de muito antes de Javier Milei.

O casal Néstor e Cristina Kirchner considerava Francisco o "líder espiritual da oposição". Os peronistas chegaram a acusá-lo de colaborar com a ditadura militar argentina entregando padres para o regime - denúncia que nunca ficou comprovada.

Depois que o arcebispo de Buenos Aires Jorge Bergoglio se tornou o papa Francisco, em 2013, a então presidente Cristina Kirchner foi aconselhada por aliados a rever sua posição e pediu desculpas. "Achei que você fosse outra coisa", teria dito Cristina em encontro com o pontífice.

Ela foi recebida pelo papa quatro vezes e foi atrás de Francisco durante as suas visitas ao Brasil, Paraguai e Cuba. Mas o uso político da aproximação por parte de Cristina Kirchner desagradou o pontífice, segundo reportou o Clarín. Depois disso, a relação voltaria a se desgastar.

Já com Mauricio Macri, o desgaste começou quando ele ainda era prefeito de Buenos Aires. O líder católico havia apoiado a candidatura do bispo Joaquín Piña que conseguiu barrar, na constituinte da província de Misiones, a reeleição indefinida do governador peronista Carlos Rovira. E esperou, em retribuição, que Macri apelasse contra a decisão que abriu caminho para o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina, o que não aconteceu.

Durante a presidência de Mauricio Macri, a Argentina deu mais um passo nas reformas progressistas: o início das discussões no Congresso sobre a legalização do aborto. Apesar do desgaste com o papa Francisco, que enfrentava a pressão dos setores mais conservadores da Igreja Católica, eles mantiveram as relações no nível institucional.

No caso de Alberto Fernández, a relação foi afetada pela legalização do aborto, concluída durante o seu período na Casa Rosada. De acordo com o Clarín, o pontífice também teria se incomodado com a estratégia de Fernández, que assim como sua vice-presidente Cristina Kirchner, tentou explorar politicamente as relações o papa.

Milei, por sua vez, atacou o líder católico antes de chegar à presidência. Depois de eleito, ele participou da missa de canonização de Mama Antula, a primeira santa da Argentina, e foi recebido pelo papa Francisco.

A relação foi apaziguada, mas eles mantiveram profundas discordâncias sobre o papel do Estado. O libertário Javier Milei promove um duro ajuste fiscal, que atinge principalmente os mais pobres na Argentina, enquanto o papa Francisco se dedicou à defesa dos vulneráveis.

"O Estado, hoje mais importante do que nunca, é chamado a exercer esse papel central de redistribuição e justiça social", disse o papa, um mês após receber Milei no Vaticano.

Francisco também criticou a repressão do governo aos protestos na Argentina. "Me mostraram as imagens da repressão, onde a polícia reprimiu os trabalhadores que exigiam os seus direitos nas ruas como se fossem desordeiros. Em vez de gastarem com justiça social, gastam na compra de gás de pimenta", disse após encontro com representantes dos movimentos sociais.

Embora na Argentina o Estado e a Igreja estejam separados, os vínculos sempre foram muito estreitos. Até a reforma constitucional de 1994, ser católico era requisito para assumir a presidência. Nesse contexto, o papa se viu no meio da polarização e das discussões em torno do peronismo.

"Nunca fui filiado, militante ou simpatizante do peronismo. Afirmar isso é uma mentira. Meus escritos sobre justiça social levaram a dizerem que sou peronista. Mas, na hipótese de ter uma concepção peronista da política, o que haveria de errado nisso?", questionou o papa sobre as acusações dos críticos de vínculos com o peronismo.

"Na Argentina, o papa era visto com um perfil de esquerda, e a direita mais liberal não gostava dele", explicou o biógrafo Sergio Rubín, coautor de O jesuíta (2013) e O Pastor (2023).

A disputa acabou afastando o papa, que nunca voltou a Buenos Aires. O papa Francisco chegou a dizer que gostaria de visitar à Argentina, mas não queria que a sua passagem pelo país fosse "usada nem para um lado, nem para o outro", expressando a preocupação com a politização de sua imagem.

Reações à morte do papa Francisco

Agora, enquanto o mundo dá adeus ao papa Francisco, os líderes políticos da Argentina deixam as desavenças com o líder católico para trás.

"Apesar das diferenças que hoje parecem pequenas, foi uma verdadeira honra para mim ter podido conhecê-lo em sua bondade e sabedoria", escreveu Javier Milei ao lamentar a morte. O presidente decretou luto oficial de sete dias e vai a Roma para a despedida do papa.

Por sua vez, Cristina Kirchner disse que ele era o "rosto de uma Igreja mais humana, com os pés na terra e o olhar fixo no céu", lembrando do primeiro encontro que teve com o papa Francisco.

O caráter humanitário do pontífice também foi destacado por Alberto Fernández. "A Igreja deveria apoiar os despossuídos, os marginalizados e os perseguidos. A Igreja deveria abraçar aqueles que foram condenados a ser minorias ou perseguidos em suas terras. A Igreja deveria levantar sua voz contra aqueles que acumulam riqueza e distribuem pobreza. No entanto, a Igreja só conseguiu fazer isso quando Francisco, o jesuíta, era o papa", escreveu nas redes sociais.

Lembrando o seu último encontro com o papa Francisco, acompanhado da mulher e das filhas, Mauricio Macri disse: "Tenho a imagem daquele dia e também de Francisco como um homem religioso de estatura inigualável, um político severo e, principalmente, um bom pastor. Sua vida foi marcada pelos ensinamentos que transmitiu com suas palavras, seu compromisso e seus gestos. Ele mesmo, com sua trajetória, é uma lição para todos nós".