Bolsonaristas tentam reescrever a história do 8 de Janeiro na Wikipédia e reclamam de revisão

Política
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Em uma série de tentativas ao longo do ano passado, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentaram reescrever a história sobre a empreitada golpista do 8 de Janeiro na página do Wikipédia para relativizar os acontecimentos e desassociar do ex-chefe do Executivo os ataques de vândalos às sedes dos Três Poderes. Para isso, usaram uma tática comum: usuários não registrados faziam mudanças que relativizavam o resultado da eleição presidencial de 2022, acusavam que "esquerdistas infiltrados" teriam incitado os protestos e até que tudo o que ocorreu naquela data seria uma "manifestação da vontade popular legítima".

A Wikipédia é a mais popular enciclopédia virtual, feita de forma livre pelos próprios usuários em vários idiomas. Qualquer pessoa pode propor mudanças a um texto sobre algo na plataforma.

A página em português tem mais de 1,1 milhão de artigos, que, juntos, dariam 5,6 milhões de páginas. Ajudam a produzir esse conteúdo 8.274 usuários ativos, 52 administradores, 704 autorrevisores, 131 revisores e 222 robôs, que ajudam a reverter possíveis alterações falsas ou ações de vandalismos em páginas. Há mais de 3 milhões de usuários no site.

O verbete foi criado às 15h20, enquanto os atos começavam a se desenvolver em Brasília. Desde então, o endereço na enciclopédia virtual foi editado mais de 500 vezes apenas em um dia e passou por controvérsias.

Pouco mais de 20 minutos depois da criação, às 15h42 daquele 8 de janeiro, um usuário trocou o termo "terroristas bolsonaristas" por manifestantes, sem dar mais explicações. Foi a primeira tentativa de aliviar a ligação de Bolsonaro e do bolsonarismo aos atos golpistas. Ele repetiu o processo outras duas vezes. O trecho foi revertido 20 minutos depois.

Esse mesmo usuário voltaria à página quase um ano depois, no dia 4 de janeiro de 2024. Ele trocou o termo "manifestações golpistas no Brasil após as eleições de 2022? para "manifestações da vontade popular legítima fruto de uma democracia instituída pela própria Constituição Federal do Brasil após as eleições de 2022".

Em mais uma sequência de edições parciais, outro usuário bolsonarista trocou um trecho que dizia que Bolsonaro não fez alegações a "fraudes eleitorais". Ele substituiu o termo para "inconsistências eleitorais". E trocou as menções a "bolsonaristas" por "vândalos". Todas essas edições foram revertidas.

O volume de edições na página era tão grande no dia 8 de janeiro que as edições foram restringidas. Apenas usuários verificados e com uma quantidade mínima predeterminada de edições anteriores podiam fazer alterações.

Manifestantes, terroristas ou bolsonaristas no 8 de Janeiro

Sem mais ataques bolsonaristas na edição do texto durante o período, usuários verificados debatiam como o texto deveria ser construído. A primeira grande conversa aconteceu nas primeiras horas. Membros questionavam se deveriam usar o termo "manifestantes", "terroristas" ou "bolsonaristas".

Às 18h31 do 8 de janeiro de 2023, um usuário propôs que o termo "terrorista" fosse usado e editou o texto usando a palavra. Uma nota publicada por representantes dos Três Poderes definiu os atos dessa forma.

Às 19h, um administrador mostrou oposição ao uso da palavra. "Talvez no futuro seja essa a caracterização majoritária, aí não vou me opor. A Wikipédia deve tomar uma posição isenta e equilibrada com aquela tomada pelas fontes", disse. "É perfeitamente válido introduzirmos o artigo com "caracterizadas como golpistas e terroristas" por X, Y e Z."

O texto atual tem 14 menções ao termo "terrorismo", geralmente atribuído a personalidades que fizeram menção à palavra ao comentar sobre o 8 de Janeiro.

Para membros, o uso do termo "terrorismo" poderia ser um reflexo do que chamam de "emoções ideológicas". Um usuário protestou sobre isso na madrugada do dia 9 de janeiro de 2023 "Há muitos editores aqui querendo imprimir suas opiniões políticas e emoções ideológicas no artigo", disse. Ele propôs que o texto seguisse o caminho que aconteceu na edição no texto da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

"Sei que é um evento que está ocorrendo e suas reverberações irão continuar, mas creio que seja solução para esse impasse, e para essa introdução do artigo que está cheia de vícios ideológicos", comentou.

Segundo usuários, o texto na Wikipédia sobre a invasão no Capitólio não mencionava a invasão feita por apoiadores do ex-presidente republicano Donald Trump à sede do Legislativo americano contra a diplomação do presidente democrata Joe Biden como um ato "terrorista". "Golpista é uma qualificação bem mais estabelecida, melhor no curto prazo, até que se consolide uma caracterização legal", propôs um usuário, ainda no dia 8.

Restrição para edições cai em fevereiro

A restrição para edições na página sobre o 8 de Janeiro na Wikipédia caiu no meio de fevereiro de 2023. Desde então houve sucessivas ações de bolsonaristas na edição dos textos. O perfil é similar: são de contas que não são registradas.

Dois usuários tentaram mexer no texto para dizer que os atos foram causados por "infiltrados de esquerda". As edições foram revertidas.

Na página de discussão, alguns usuários protestaram contra as reversões. "O evento contava com pessoas pacíficas, pessoas desorientadas e pessoas infiltradas. Rotular e generalizar de forma ofensiva os envolvidos no evento é uma posição que ignora os fatos. Esse artigo é desonesto e fere a história e a discussão política do Brasil", comentou uma pessoa no dia 12 de janeiro.

Outro usuário, inconformado com as edições limitadas, reclamou com um texto todo em caixa alta, geralmente usado na internet para expressar revolta. "Mais (sic) os depoimentos já coletados comprovam que houve ação de infiltrados para imputar a culpa a um povo que ficou a (sic) frente dos quartéis por mais de 60 dias de forma ordeira e pacífica", comentou.

Ele prosseguiu, dizendo que os usuários teriam "vergonha" do que estavam escrevendo. "Tenho 66 anos, vivi no período do regime militar, e eu e minha geração sabe (sic) muito bem quem tem 'DNA' para depredar patrimônio público e privado, queimar pneus nas ruas para paralisar as vias públicas e se infiltrar em movimentos pacíficos para causar tumultos e violência".

Enquanto isso, ao longo de 2023, outras pessoas voltaram a tentar favorecer Bolsonaro nas edições. Um usuário tentou alterar o texto para dizer que "riscos de fraude eleitoral" e a "falta de provas de lisura nas urnas" teriam garantido a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. A edição foi revertida quatro minutos depois.

Ainda houve outra mudança para dizer que Bolsonaro teria vencido a eleição, ação revertida 37 minutos depois. Um editor disse que os manifestantes foram rotulados de bolsonaristas apenas "pela imprensa e pela esquerda" - ato revertido 14 minutos depois. Outra pessoa afirmou que a "maior parte da manifestação foi pacífica".

Um usuário disse que não houve uma tentativa de instigar um golpe no 8 de Janeiro, mas sim uma "intervenção federal", expressão comumente usada por bolsonaristas acampados nos quartéis dias anteriores para contornar as acusações de que eles estariam pedindo que os militares dessem um golpe de Estado.

Para Célio Costa Filho, cofundador do Wiki Movimento Brasil, a Wikipédia não é um projeto baseado em opinião, mas que procura retratar os verbetes a partir das fontes disponíveis, especialmente as fontes fiáveis e independentes. "À Wikipédia interessa descrever um fato de forma enciclopédica, sempre baseado em fontes. Se as fontes trazem dados e afirmações, a Wikipédia deve incorporar esses dados e informações citando essas. O leitor da Wikipédia deveria ter o letramento científico para julgar se as fontes que a Wikipédia usa são confiáveis ou não", afirma. "(A Wikipédia) não é um projeto de opinião. É um projeto de fontes fiáveis."

Patrícia Rossini, professora de Comunicação, Mídia e Democracia na Universidade de Glasgow, na Escócia, aponta que as sucessivas alterações podem produzir riscos a pessoas que recorrem à Wikipédia como fonte de informações.

"A depender de quando essas edições são feitas e por quanto tempo essas edições distorcidas ficam online, é possível que pessoas que utilizam a Wikipédia como fonte de informação podem estar desinformadas permanentemente, porque a gente não checa a página como consome notícias ou checa o e-mail. O usuário final não pensa muito em como aquelas informações estão ali na página", afirma.

A página sobre o 8 de Janeiro no Wikipédia foi visualizada 60 mil vezes ao longo de um ano e passou por 694 edições feitas por 116 usuários - dessas 694 edições, 532 foram feitas unicamente no dia 8. 29 edições foram desfeitas por editores e moderadores. O texto tem 48,8 mil caracteres.

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Na noite de ontem, o presidente da Argentina, Javier Milei, reuniu seu gabinete na Casa Rosada para anunciar o novo acordo do país com o FMI e o fim dos controles cambiais. Segundo o jornal Ámbito, Milei fez um discurso nacional e enfatizou que "tudo está indo conforme o planejado".

Em mensagem gravada com membros de seu gabinete e líderes libertários, ele enfatizou que "o Ministério da Economia e o Banco Central da República Argentina (BCRA) finalmente romperam o último elo da corrente que mantém a economia nacional estagnada há 15 anos". "A partir deste momento, eliminamos para sempre os controles cambiais sobre a economia argentina", enfatizou Milei no discurso.

Embora tenha afirmado que "a inflação entrará em colapso porque não haverá emissão de pesos sem lastro", ele ressaltou que este mês, os argentinos assistiram a uma interrupção no processo de desinflação. "Estes são os efeitos da aberração da Lei Guzmán, que nos obrigou a ir ao Congresso solicitar autorização para este acordo com o FMI", disse Milei.

O presidente argentino observou que "nunca, jamais, nos últimos 120 anos, houve ordem fiscal, ordem monetária e ordem cambial ao mesmo tempo" no país.

O governo do presidente Donald Trump desafiou nesta sexta-feira, 11, uma ordem da juíza federal Paula Xinis de fornecer um cronograma de repatriação de Kilmar Abrego Garcia, um imigrante que vivia legalmente nos EUA e foi deportado para El Salvador em março.

Em uma petição de duas páginas, os advogados do Departamento de Justiça alegaram não ter tido tempo para definir um plano de ação. A recusa em cumprir a ordem judicial colocou o governo em rota de colisão com a Justiça e ameaçou criar um confronto direto entre os poderes Executivo e Judiciário.

Para desarmar uma crise constitucional, a juíza então ordenou que o governo fornecesse apenas "atualizações diárias" sobre a repatriação de Garcia. Ao exigir detalhes das intenções e prometer acompanhar "tudo o que o governo está fazendo e não está fazendo", a juíza evitou temporariamente um conflito, mas não pacificou o caso.

Casado com uma americana, Garcia foi preso em 12 de março por agentes de imigração e expulso três dias depois junto com mais de 200 pessoas para uma prisão em El Salvador. O governo americano acusou o grupo de pertencer à gangue venezuelana Tren de Aragua, declarada como uma organização terrorista por Trump.

Erro

O Departamento de Justiça, no entanto, não apresentou provas e reconheceu posteriormente que a prisão do salvadorenho foi fruto de um "erro administrativo", admitindo ainda que ele não tinha antecedentes criminais.

Garcia vivia nos EUA legalmente desde 2019, quando um juiz determinou que ele não deveria ser deportado por correr perigo em El Salvador. Depois de ter sido deportado, o governo americano afirmou que não poderia corrigir o erro porque ele já está preso.

Mais tarde, a Casa Branca defendeu que, apesar do erro administrativo, "informações de inteligência confiáveis" indicavam que Garcia estava envolvido com tráfico de pessoas e era um líder de uma gangue, não o Tren de Arágua, mas a MS-13.

Na semana passada, a juíza Xinis não viu provas de que o salvadorenho seja integrante de gangues e pediu ao governo que "facilite e efetue" o retorno do imigrante, no mais tardar até 7 de abril. O governo levou o caso à Suprema Corte, que suspendeu a decisão de primeira instância para avaliar o caso em plenário.

Na quinta-feira, 9, os nove magistrados da Suprema Corte deram razão à juíza Xinis por unanimidade. Eles exigiram que o governo americano facilite o retorno e "garanta que sua situação seja tratada como teria sido se ele não tivesse sido enviado indevidamente a El Salvador".

Brecha legal

Na decisão de quinta-feira, no entanto, a Suprema Corte não definiu o que queria dizer com "facilitar e efetivar" o retorno de Garcia, deixando a questão para que a juíza Xinis esclarecesse. Por isso, na petição de ontem, os advogados do governo pediram que ela fizesse o esclarecimento antes de qualquer ação para repatriar Garcia.

"É irrazoável e impraticável exigir que o réu (o governo) revele medidas antes que tais medidas sejam analisadas, acordadas e avaliadas", escreveram os advogados. "As relações exteriores não podem operar de acordo com cronogramas judiciais, em parte porque envolvem considerações sensíveis e específicas de cada país."

Direitos humanos

O caso de Garcia, porém, não é a única dor de cabeça causada pela deportação de imigrantes sem o aval da Justiça. Ontem, a ONG Human Rights Watch (HRW), que monitora violações de direitos humanos, acusou os EUA pelo "desaparecimento forçado e detenção arbitrária" das 200 pessoas deportadas para El Salvador.

A HRW fez um apelo para que seja dada transparência sobre as identidades das pessoas e o paradeiro de cada uma delas em território salvadorenho - informações que nem sequer as famílias que vivem nos EUA receberam. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Uma juíza de imigração no Estado americano de Louisiana decidiu que o governo Donald Trump pode deportar Mahmoud Khalil, que participou de protestos pró-palestinos. A decisão deve ser o passo inicial de uma longa batalha na Justiça que vai determinar se o estudante da Universidade Columbia - que tem o green card - pode permanecer nos Estados Unidos.

A decisão da juíza Jamee Comans é uma vitória para o governo Trump, mas não significa que Khalil, preso no início do mês passado, será deportado rapidamente.

Suas alegações constitucionais - de que sua detenção viola seus direitos garantidos pela Primeira Emenda e pelo devido processo legal - ainda estão sendo analisadas em um tribunal federal em New Jersey, onde um juiz ordenou que Khalil permaneça nos EUA enquanto o caso prossegue.

No tribunal de imigração, Comans analisará ainda se Khalil tem um pedido válido de isenção de deportação, como asilo. A defesa do estudante também deve recorrer da decisão por meio do sistema judicial de imigração.

Juízes de imigração são funcionários do Poder Executivo, não do Judiciário, e frequentemente aprovam as iniciativas de deportação do Departamento de Segurança Interna.

A alegação do governo de que a presença de Khalil nos EUA representava "consequências potencialmente graves para a política externa" foi suficiente para atender aos requisitos para sua deportação, afirmou ela ao final da audiência, na cidade de Jena.

Khalil, residente legal nos EUA, foi detido por agentes federais de imigração em 8 de março no saguão de seu apartamento pertencente à universidade. Foi a primeira prisão sob a repressão prometida pelo presidente Donald Trump contra estudantes que se juntaram aos protestos nos campi contra a guerra em Gaza.

Em um dia, ele foi transportado de avião pelo país e levado para um centro de detenção de imigrantes em Jena, a milhares de quilômetros de seus advogados e de sua mulher, uma cidadã americana que deve dar à luz em breve.

Os advogados de Khalil contestaram a legalidade de sua detenção, argumentando que o governo Trump está tentando reprimir a liberdade de expressão protegida pela Constituição dos EUA.

O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, citou um estatuto raramente utilizado para justificar a deportação de Khalil, que lhe dá o poder de expulsar aqueles que representam "consequências adversas potencialmente graves para a política externa dos EUA".

Na audiência desta sexta, 11, o advogado de Khalil, Marc Van Der Hout, disse à juíza que as alegações do governo ao tribunal provam que a tentativa de deportar seu cliente "não tem nada a ver com política externa".

Khalil não é acusado de violar qualquer lei durante os protestos em Columbia. O governo, no entanto, afirmou que estrangeiros que participam de tais manifestações devem ser expulsos do país por expressarem opiniões que o governo considera antissemitas e "pró-Hamas", referindo-se ao grupo militante palestino que atacou Israel em 7 de outubro de 2023.

Não está claro para onde Khalil seria deportado. O palestino de 30 anos nasceu na Síria em um campo de refugiados. Antes de chegar aos EUA, ele se refugiu com a família no Líbano, fugindo do regime de Bashar Assad. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)