'Afrodescendente assim gosta de um batuque de um tambor', diz Lula para jovem negra

Política
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta sexta-feira, 2, que "afrodescendente gosta de um batuque de um tambor". A declaração foi feita durante uma cerimônia na fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, em São Paulo.

No momento da fala, o presidente discursava sobre novos investimentos em educação e qualificação para a população jovem. Para exemplificar o tema, chamou ao seu lado uma jovem negra que acompanhava a solenidade do palco. Lula disse que, ao avistá-la inicialmente, não soube se a jovem era "cantora", "namorada de alguém" ou mesmo "percussionista", pois, segundo ele, "afrodescendente assim gosta de um batuque de um tambor". Mas completou afirmando que ela não era nenhuma dessas coisas, e sim um destaque do evento: "a mais importante aprendiz dessa empresa", disse Lula.

O Estadão buscou contato com a Secretaria de Comunicação Social, com o Palácio do Planalto e com o Ministério da Igualdade Racial para repercutir a declaração, mas não obteve retorno até a publicação do texto. O espaço segue à disposição.

Essa menina bonita que está aqui. Eu estava perguntando: o que faz essa moça sentada, que eu não ouvi ninguém falar o nome dela? Falei: 'Ela é cantora, ela vai cantar'. Aí perguntei (e responderam): 'Não, não vai ter música'. Então ela vai batucar alguma coisa. Porque uma afrodescendente assim gosta de um batuque de um tambor. Também não é. Aí eu falei: 'Nossa, então ela é namorada de alguém". Também não é. O que é essa moça? Essa moça foi premiada ano que vem como a mais importante aprendiz dessa empresa e ganhou um prêmio na Alemanha. É isso que nós queremos fazer para as pessoas nesse país

De fato, Luiza Eduarda Leôncio, de 20 anos, não é cantora, nem estava na cerimônia por ser "namorada de alguém". Ela é operadora especialista da Volkswagen e foi contemplada com o prêmio Apprentice Award 2023, uma honraria conferida ao melhor aprendiz da empresa.

A jovem estuda Engenharia de Instrumentação, Automação e Robótica na Universidade Federal do ABC (UFABC). Com o prêmio, Luiza foi contemplada com um intercâmbio cultural para a Alemanha e será a representante do Brasil em uma conferência da Volkswagen a ser realizada na cidade de Wolfsburg.

Após um interlúdio em que discursou sobre a nova bolsa para a permanência no ensino médio, Lula voltou a falar sobre a jovem e disse que, ao vê-la, questionou-se se ela queria namorar com ele. "Ela não quer, porque tem coisa melhor no mercado", disse o presidente. "E ela não quer porque eu já tenho a Janja também", acrescentou.

Em julho de 2023, Lula visitou Cabo Verde e, ao lado do presidente do País, expressou "profunda gratidão ao continente africano por tudo o que foi produzido durante 350 anos de escravidão" no Brasil. A declaração levou a um reforço na equipe que elabora os discursos do presidente e mobilizou o Ministério da Igualdade Racial, pasta comandada por Silvio Almeida, uma das maiores autoridades em estudos sobre racismo no País.

Almeida saiu em defesa do presidente. De acordo com o ministro, Lula quis afirmar que o Brasil tem uma dívida com a África. "O que o presidente Lula disse foi: 'o Brasil tem uma dívida com África e ela tem que ser paga'. E por isso, o presidente tem insistido - e já falei com ele sobre isso - é que a agenda de direitos humanos com África envolve o chamado direito ao desenvolvimento", argumentou o ministro à Coluna do Estadão.

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Diante de uma profunda divisão política e sob o choque das medidas do presidente americano Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs nesta quarta-feira, dia 9, que os líderes da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) "deixem as diferenças de lado" e coordenem sua inserção no mundo para que não se vejam novamente como zona de influência do que chamou de "novas e velhas potências".

O petista calibrou seu discurso em Honduras para responder, principalmente, às ações do governo Trump que mais impactaram a região - as deportações em massa de imigrantes e o tarifaço comercial - e compartilhar a visão de que há em curso a formação de uma nova ordem global tendo como potências a China e os Estados Unidos.

"A história nos ensina que guerras comerciais não têm vencedores", disparou Lula, uma semana depois de Trump deflagrar a imposição de tarifas recíprocas que sobretaxaram em 10% todas as exportações da maioria dos países latino-americanos e caribenhos, exceto as ditaduras Venezuela (15% )e Nicarágua (18%).

Para Lula, o momento é um dos mais críticos da história para uma região que superou a escravidão e as ditaduras militares, mas ainda convive com miséria, exclusão social e fome.

"A ingerência de velhas e novas potências foi e é uma sombra perene ao longo desse processo. Agora, nossa autonomia está novamente em xeque. Tentativas de restaurar antigas hegemonias pairam novamente sobre nossa região", afirmou Lula. "A liberdade e a autodeterminação são as primeiras vítimas de um mundo sem regras multilateralmente acordadas. Migrantes são criminalizados e deportados sob condições degradantes. Tarifas arbitrárias desestabilizam a economia internacional e elevam os preços."

O presidente sugeriu a intensificação da integração comercial e econômica dos países como forma de se "proteger contra ações unilaterais". Ele citou que o comércio do Brasil com a Celac é de US$ 86 bilhões por ano, maior do que com os EUA.

Lula defendeu investimentos em infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações para escoar bens e serviços, como os corredores bioceânicos e as rotas de integração sul-americana. Ele disse que o governo brasileiro poderá reativar um convênio de pagamentos e créditos recíprocos com a Aladi e expandir o sistema de pagamentos em moeda local.

Lula propôs em Tegucigalpa, capital hondurenha, que a Celac mude suas regras de funcionamento para escapar da paralisia. Ele sugeriu a criação de um grupo de trabalho que discuta formas de a entidade funcionar sem a necessidade de tomar decisões por consenso.

No diagnóstico brasileiro, a regra vem impedindo manifestações e ações conjuntas, por causa da fragmentação política entre governos de direita e de esquerda nas Américas e no Caribe. Para o presidente, a expectativa de uniformidade é "irrealista".

"Se seguirmos separados, a comunidade latino-americana e caribenha corre o risco de regressar à condição de zona de influência, em um nova divisão do globo entre superpotências. O momento exige que deixemos as diferenças de lado", defendeu Lula. "Nossa integração é uma tarefa inadiável, que não deve ficar à mercê de divergências ideológicas."

O presidente disse que no início dos anos 2000 houve um espírito plural e pragmático entre os líderes, que levou à criação da Celac e da Unasul (União de Nações Sul-americanas) - esta última um organismo que ele fracassou em tentar relançar, dois anos atrás.

Ele citou para a Celac iniciativas de resposta conjunta por parte de organizações como a Asean, a União Europeia e a União Africana. "É imperativo que a América Latina e o Caribe redefinam seu lugar na nova ordem global que se descortina. Nossa inserção internacional não deve se pautar em ação defensiva", disse.

Para Lula, os 33 países da região devem coordenar ações em três temas: defender ameaças à democracia; conter e superar as mudanças climáticas, exigindo mais fianciamento dos países ricos para transição justa e metas de redução de emissões; e superar a fome e a pobreza.

O petista disse que a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza vai inaugurar os primeiros projetos no Haiti e na República Dominicana. Ele criticou ingerências de big techs contra soberania de países, tentativas de golpes de Estado ou de impor a democracia, disseminação de ódio e desinformação que deturpam a liberdade de expressão e o negacionismo; falou no risco da elevação do nível do mar para ilhas caribenhas e zonas costeiras, o colapso da Amazônia e o degelo da Antártida.

Lula propôs também, sob aplausos, que a Celac adote a defesa de uma candidatura única, de uma mulher, para o cargo de secretária-geral das Nações Unidas, em 2026. A ideia enfrenta resistências de governos conservadores, como o de Javier Milei.

Enquanto a Celac se reunia com líderes principalmente de esquerda em Honduras, Milei recebia visita do paraguaio Santiago Peña, em Buenos Aires.

A nona Cúpula da Celac decidiu em Tegucigalpa que, após o mandato da Colômbia em 2025, o Uruguai assumirá a presidência rotativa em 2026. A iniciativa é de um novo governo de esquerda, do presidente recém-empossado Yamandú Orsi.

A China negou qualquer envolvimento militar na Ucrânia, depois que Kiev disse ter capturado dois homens chineses no leste do país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, disse nesta quarta-feira, 9, que Pequim ainda estava tentando confirmar com a Ucrânia os detalhes da captura dos dois cidadãos chineses que, segundo as autoridades, estavam lutando pelo exército russo.

Ele negou a afirmação do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de que mais chineses se juntaram às forças russas.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu a união entre os países latino-americanos e caribenhos em seu discurso na IX Cúpula da Celac, em Tegucigalpa, Honduras, e, sem citar os Estados Unidos, criticou a alta das tarifas imposta pelo presidente norte-americano, Donald Trump. "Tarifas arbitrárias desestabilizam economia internacional e elevam preço. A história nos ensina que guerras comerciais não tem vencedores", afirmou.

O evento reúne representantes dos 33 países da América Latina e do Caribe.

"A América Latina e o Caribe enfrentam hoje um dos momentos mais críticos da história. Percorremos um longo caminho para consolidar nossos ideais de emancipação", disse Lula.

O presidente defendeu que a atuação da região "não deve apenas se orientar por interesses defensivos" e que é preciso um programa de ação estruturada em outros temas, como na defesa da democracia e combate às mudanças climáticas. "É imperativo que a América Latina e o Caribe redefinam seu lugar na nova ordem global que de descortina", afirmou.

A fala do chefe do Executivo vai em linha com apuração do Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) na semana passada de que Lula aproveitaria o evento em Honduras para tentar arregimentar as Américas a ampliarem o comércio entre si depois do tarifaço de Donald Trump.

Presidentes do México e de Cuba também defendem a união dos países

"A esperança hoje é a unidade", disse a presidente do México, Claudia Sheinbaum, que também defendeu mais integração econômica e respeito à soberania dos países do grupo.

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, foi na mesma linha.

"Em um momento em que o mundo vive uma escalada de tensões, com aumento dos conflitos bélicos e aprofundamento das desigualdades, é crucial unir esforços e trabalharmos juntos pelo bem-estar, a paz e a segurança do povo latino-americano e caribenho", disse ele. "Só a unidade pode nos salvar."