Diante de uma profunda divisão política e sob o choque das medidas do presidente americano Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs nesta quarta-feira, dia 9, que os líderes da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) "deixem as diferenças de lado" e coordenem sua inserção no mundo para que não se vejam novamente como zona de influência do que chamou de "novas e velhas potências".
O petista calibrou seu discurso em Honduras para responder, principalmente, às ações do governo Trump que mais impactaram a região - as deportações em massa de imigrantes e o tarifaço comercial - e compartilhar a visão de que há em curso a formação de uma nova ordem global tendo como potências a China e os Estados Unidos.
"A história nos ensina que guerras comerciais não têm vencedores", disparou Lula, uma semana depois de Trump deflagrar a imposição de tarifas recíprocas que sobretaxaram em 10% todas as exportações da maioria dos países latino-americanos e caribenhos, exceto as ditaduras Venezuela (15% )e Nicarágua (18%).
Para Lula, o momento é um dos mais críticos da história para uma região que superou a escravidão e as ditaduras militares, mas ainda convive com miséria, exclusão social e fome.
"A ingerência de velhas e novas potências foi e é uma sombra perene ao longo desse processo. Agora, nossa autonomia está novamente em xeque. Tentativas de restaurar antigas hegemonias pairam novamente sobre nossa região", afirmou Lula. "A liberdade e a autodeterminação são as primeiras vítimas de um mundo sem regras multilateralmente acordadas. Migrantes são criminalizados e deportados sob condições degradantes. Tarifas arbitrárias desestabilizam a economia internacional e elevam os preços."
O presidente sugeriu a intensificação da integração comercial e econômica dos países como forma de se "proteger contra ações unilaterais". Ele citou que o comércio do Brasil com a Celac é de US$ 86 bilhões por ano, maior do que com os EUA.
Lula defendeu investimentos em infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações para escoar bens e serviços, como os corredores bioceânicos e as rotas de integração sul-americana. Ele disse que o governo brasileiro poderá reativar um convênio de pagamentos e créditos recíprocos com a Aladi e expandir o sistema de pagamentos em moeda local.
Lula propôs em Tegucigalpa, capital hondurenha, que a Celac mude suas regras de funcionamento para escapar da paralisia. Ele sugeriu a criação de um grupo de trabalho que discuta formas de a entidade funcionar sem a necessidade de tomar decisões por consenso.
No diagnóstico brasileiro, a regra vem impedindo manifestações e ações conjuntas, por causa da fragmentação política entre governos de direita e de esquerda nas Américas e no Caribe. Para o presidente, a expectativa de uniformidade é "irrealista".
"Se seguirmos separados, a comunidade latino-americana e caribenha corre o risco de regressar à condição de zona de influência, em um nova divisão do globo entre superpotências. O momento exige que deixemos as diferenças de lado", defendeu Lula. "Nossa integração é uma tarefa inadiável, que não deve ficar à mercê de divergências ideológicas."
O presidente disse que no início dos anos 2000 houve um espírito plural e pragmático entre os líderes, que levou à criação da Celac e da Unasul (União de Nações Sul-americanas) - esta última um organismo que ele fracassou em tentar relançar, dois anos atrás.
Ele citou para a Celac iniciativas de resposta conjunta por parte de organizações como a Asean, a União Europeia e a União Africana. "É imperativo que a América Latina e o Caribe redefinam seu lugar na nova ordem global que se descortina. Nossa inserção internacional não deve se pautar em ação defensiva", disse.
Para Lula, os 33 países da região devem coordenar ações em três temas: defender ameaças à democracia; conter e superar as mudanças climáticas, exigindo mais fianciamento dos países ricos para transição justa e metas de redução de emissões; e superar a fome e a pobreza.
O petista disse que a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza vai inaugurar os primeiros projetos no Haiti e na República Dominicana. Ele criticou ingerências de big techs contra soberania de países, tentativas de golpes de Estado ou de impor a democracia, disseminação de ódio e desinformação que deturpam a liberdade de expressão e o negacionismo; falou no risco da elevação do nível do mar para ilhas caribenhas e zonas costeiras, o colapso da Amazônia e o degelo da Antártida.
Lula propôs também, sob aplausos, que a Celac adote a defesa de uma candidatura única, de uma mulher, para o cargo de secretária-geral das Nações Unidas, em 2026. A ideia enfrenta resistências de governos conservadores, como o de Javier Milei.
Enquanto a Celac se reunia com líderes principalmente de esquerda em Honduras, Milei recebia visita do paraguaio Santiago Peña, em Buenos Aires.
A nona Cúpula da Celac decidiu em Tegucigalpa que, após o mandato da Colômbia em 2025, o Uruguai assumirá a presidência rotativa em 2026. A iniciativa é de um novo governo de esquerda, do presidente recém-empossado Yamandú Orsi.